15/08/2024
Entrevista do presidente da ABI, Octávio Costa, ao O Otimista
Foto: Camila Shaw
O presidente da ABI, Octávio Costa, é um dos painelistas do Fórum O Otimista Brasil, que vai ocorrer no próximo dia 26 de agosto, em Fortaleza, e marcará o lançamento da plataforma O Otimista Brasil. Ele será palestrante do tema Justiça, Democracia e Liberdade de Expressão.
Em conversa com O Otimista, o jornalista abordou alguns eixos da temática como o estado democrático de direito, além do papel do Judiciário na manutenção do regime democrático. Octávio Costa já trabalhou nos principais meios de comunicação do País, entre eles Jornal do Brasil e as revistas Veja, IstoÉ e Exame. Também no setor de Comunicação, atuou na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi duas vezes vencedor do Prêmio Esso, além de receber Menção Honrosa do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 1987. Ele foi diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (1984-1985) e vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) entre 1986 e 1992.
Veja alguns trechos da entrevista:
O Otimista: Quais os limites éticos da liberdade de expressão nos regimes democráticos?
Octávio Costa: Alexandre de Moraes (ministro do STF) fez uma referência muito correta: ‘liberdade de expressão não é liberdade de agressão’. Na verdade, você tem todo o direito de se expressar, de dar sua opinião sobre todos os fatos que envolvem a vida social, mas isso não significa que você tenha liberdade de agredir as pessoas, de ameaçar as pessoas. O que vemos, principalmente nas redes sociais, ‘o novo mundo’, é exatamente essa falta de limite. É evidente que nós temos, por exemplo, Código de Ética da nossa atividade, na nossa profissão, mas o nosso Código de Ética não se aplica às redes sociais. O nosso Código de Ética não se aplica aos blogs, aos sites, aos podcasts. São pessoas que realmente não são jornalistas, em sua grande maioria.
O Otimista: Quais os riscos dessa falta de limite nas plataformas digitais?
Octávio Costa: Os limites dessas pessoas na internet são muito mais amplos porque nós, jornalistas, como falei, se você atacar alguém em um texto, de forma indevida, se faz uma acusação de forma indevida, além de correr o risco de sofrer uma advertência pelos seus próprios colegas, porque nós temos Código de Ética nos sindicatos, na Fenaj e na ABI. Além disso, você corre o risco também de ser processado, como eu expliquei. Está previsto na Constituição que quem se sinta prejudicado, entre na Justiça e peça indenização por dano moral.
O Otimista: Isso já ocorreu com você?
Octávio Costa: Eu mesmo fui alvo de ação por dano moral do próprio Gilmar Mendes, ministro do Supremo, que se sentiu prejudicado por uma matéria que eu escrevi e que foi capa da ‘Isto É’. Na verdade, me baseei em dados sólidos, eu e a repórter, do Ministério Público e acabou que não deu em nada, mas poderia ter dado. Ele estava cobrando R$ 150 mil de indenização. Nós temos, exatamente, esses parâmetros. Agora, nas redes sociais não há, vira uma terra de ninguém. Eu não sei o que fazer em relação a isso, mas o que tem ocorrido, nós temos visto, é que as pessoas recorrem à Justiça quando se sentem agredidas, quando se sentem realmente ofendidas, mesmo se tratando das redes sociais. Porque é isto, você tem liberdade de expressão, tem liberdade de imprensa, mas não liberdade de agredir as pessoas e de ofender as pessoas.
O Otimista: Como você avalia o atual panorama da liberdade de expressão no Brasil?
Octávio Costa: Nós vivemos momentos muito difíceis durante o governo Bolsonaro, isso é uma coisa de conhecimento público. A imprensa, os jornalistas, as mulheres jornalistas, foram alvo preferencial durante o governo Bolsonaro. Você era atacado e não só atacado, desrespeitado. Lembra que tinha aquele curralzinho na porta do Palácio da Alvorada? Os jornalistas ali eram destratados diariamente, desrespeitados e tudo. Até que as principais empresas jornalísticas resolveram se retirar. Foram quatro anos com jornalistas sendo alvo de ataques do governo, do principal mandatário do país e é evidente que isso se refletia para baixo. Os profissionais de imprensa eram atacados pelo país afora já que se seguia aquele exemplo que vinha de cima. Foram vários, incontáveis casos de agressão. Repórteres trabalhando na rua, moças com microfone, profissionais com microfone na mão, sendo atacados. Sujeitos parando o carro e atacando, o desrespeito era flagrante, foram quatro anos muito difíceis. Foram anos dificílimos, de total desrespeito à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão.
O Otimista: Esse cenário mudou?
Octávio Costa: Bom, com o governo Lula, evidente que isso mudou. É evidente que temos hoje um presidente da República que trata a imprensa de forma respeitosa. Agora mesmo, semana passada se reuniu com correspondentes estrangeiros, dando uma entrevista coletiva. Quer dizer, você passou a ter um ambiente de normalidade. E isso para nós é muito importante, para a nossa profissão é importantíssimo. Você pode fazer seu trabalho com tranquilidade pelo país afora. É evidente que há casos, entenda bem, a violência contra jornalista sempre haverá, mas não partindo do principal governante do país, de forma alguma.
O Otimista: O momento é mais favorável ao trabalho da imprensa?
Octávio Costa: Realmente. Vamos dizer, ficou em uma temperatura que baixou bastante e nós hoje convivemos com casos de violência esporádicos que ocorrem. Quer dizer, tem pessoas que não respeitam o nosso trabalho, não respeitam a nossa atividade, que preferiam nos calar, mas como disse a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE: “cala-a-boca já morreu”. Foi um voto dela importantíssimo e o STF tem sustentado isso. Acho que hoje vivemos com normalidade no país com relação à liberdade de imprensa e liberdade de expressão.
O Otimista: Quais os desafios da imprensa em meio à polarização política no Brasil?
Octávio Costa: A minha visão é a seguinte: acho que a imprensa tem que fazer o trabalho dela. Seja a grande imprensa, seja a imprensa alternativa, tem que fazer o seu trabalho. O ideal é que haja uma certa isenção, uma certa imparcialidade. É evidente que existem duas correntes políticas, inegavelmente. Você tem uma frente progressista, que elegeu o Lula, com o PT, PCdoB, Psol, PDT e liberais que naquele momento viram que Bolsonaro representava um perigo contra a democracia, um risco e uma ameaça grave à democracia. Se uniram naquela campanha que elegeu o Lula. Tem essa frente e de outro lado tem um grupo, um contingente, que também não é pequeno. As pesquisas dão mais ou menos com 30% que são a direita e a extrema direita. Darcy Ribeiro quando falava sobre isso dava clivagem, que é essa divisão.
O Otimista: Essa polarização se estende ao redor do mundo?
Octávio Costa: Você não tem só no Brasil, não é verdade? No mundo todo hoje você observa isso. Seja na Europa, seja na Polônia, na Hungria ou na França. A França agora, recentemente, quase que a extrema direita ganha. Não conseguiu porque, exatamente, teve essa união da esquerda, da extrema esquerda e do centro contra a extrema direita. A Argentina tem o presidente hoje que se identifica com o Bolsonaro, que é da extrema direita. Esse é o ambiente no mundo hoje. Vamos ter uma eleição nos Estados Unidos que preocupa todo mundo.
O Otimista: E como você avalia esse cenário?
Octávio Costa: A volta do Trump seria uma coisa desastrosa para quem acredita em liberdade de expressão e liberdade de imprensa, porque fortaleceria todas essas correntes de extrema direita do mundo. Nós convivemos com isso, mas acho que a imprensa tem que fazer o trabalho dela da forma mais imparcial. É aquela coisa: você não pode esconder que existe extrema direita, que existe uma extrema direita organizada no país, militante. Você tem que refletir isso também para a opinião pública. O que nos cabe é o seguinte: identificar as correntes políticas, mostrar o que elas fazem, da forma que elas agem e ao mesmo tempo mostrar à opinião pública que o ideal para o país é viver um regime de plena democracia. É viver em um Estado de direito e isso é fundamental, essa tem que ser a espinha dorsal da discussão e não se abre mão disso. O país já viveu regime ditatorial, já viveu ditadura militar, torturas, repressão, mortos, desaparecidos, o país não quer voltar a isso. Isso é fundamental, isso é que divide os democratas e as pessoas que acreditam que você pode retomar um regime de força no país.
O Otimista: Como é possível garantir a pluralidade de vozes e de opiniões na sociedade em meio essa polarização política?
Octávio Costa: Acho que, na verdade, nós temos instrumentos jurídicos. Temos uma Constituição e um Judiciário, o poder mais alto do Judiciário que é o STF, que é o chamado guardião da Constituição. Quem garante o regime democrático, quem garante o estado de direito, em última análise, é o Judiciário. E nós jornalistas, por exemplo, enfrentamos um problema grave que é o do assédio judicial. São processos exigindo indenização por dano moral, muitas vezes sem justificativa sólida e isso, evidentemente, representa uma ameaça grande à liberdade de imprensa. Fora os processos em cascata. Quer dizer, várias cidades do país simultaneamente contra o mesmo jornalista e sempre com valores exorbitantes. Recentemente, o STF tomou uma decisão que elimina a possibilidade dos processos em cascata, exigindo que o processo seja unificado na cidade do próprio jornalista. Mesmo os processos isolados exigem também que você tenha uma identificação muito clara.
O Otimista: O que isso quer dizer?
Octávio Costa: O jornalista tem que ter agido com má-fé para que você entre na Justiça para se habilitar a uma indenização por dano moral. Isso era uma coisa que pesava contra a nossa profissão e ameaçava o nível de exercício da profissão. São medidas desse tipo, partindo do Judiciário, que são fundamentais. Fala-se, inclusive, muito que no Brasil está havendo uma judicialização da política, ou seja, o Judiciário se intrometendo no mundo do Legislativo. Ao mesmo tempo você vê que, na verdade, as coisas vão parar no STF porque o Legislativo muitas vezes fica de braços cruzados diante de questões muito importantes. E daí o Judiciário toma a iniciativa.
O Otimista: Um Judiciário independente é essencial, então?
Octávio Costa: Acho que quem garante, realmente, a ampla liberdade, a liberdade política também a liberdade de expressão, de manifestação, em última análise, é o Judiciário. Isso para nós é muito importante, a independência do Judiciário, a independência do Supremo Tribunal Federal. Isso para nós é importantíssimo.
O Otimista: Qual o papel que a ABI desempenha nessa defesa da democracia?
Octávio Costa: É uma entidade que tem 116 anos, foi fundada em 1908 por um jornalista negro, Gustavo de Lacerda. Ele era de Santa Catarina, mas vivia e trabalhava no Rio de Janeiro na época, no jornal ‘O País’. Logo que ela é criada, tomando por base sindicatos que existiam Europa, no Brasil ainda não havia sindicatos. Depois é que vieram os sindicatos, a CLT, a estrutura sindical toda, as federações. Ela é criada mais com a preocupação sindical de fortalecer a profissão. Na verdade, o jornalista era uma profissão totalmente desorganizada. Então, a ABI nasce com esse tipo de preocupação. Mas ao longo do tempo, quando evidente, você tendo a estrutura sindical, sindicatos, Federação dos Jornalistas, a ABI se volta mais para questões políticas. E a principal bandeira dela, já nos anos 30 e 40, passou a ser a defesa da democracia, do estado de direito, a defesa da liberdade de imprensa e de expressão. Isso nós costumamos dizer, o DNA da ABI é defender a democracia, o estado de direito e a liberdade de imprensa.
O Otimista: Nesse sentido, qual é o maior destaque da ABI?
Octávio Costa: O ponto que mais se destacou nessa ação da ABI foi no enfrentamento à ditadura militar. Nós tivemos ali momentos muito agudos, houve o assassinato de Vladimir Herzog, em outubro de 1975 pelo DOI/CODI, em São Paulo, na rua Tutóia. Eles foram na casa dele. Ele tinha sido procurado na redação e informou que no dia seguinte se apresentaria. Se apresentou e naquele mesmo dia foi assassinado na prisão. O Exército publicou uma foto do Herzog como se ele tivesse se enforcado em uma cela, ele com os pés no chão, dobrados. Aquilo causou uma comoção nacional e os jornalistas se mobilizaram no País todo exigindo uma investigação real dos fatos como deram. Depois, evidente, ficou claro que ele tinha sido torturado e morto sob tortura. Então, a ABI toma a frente dessa pressão pelo fim da tortura, pela investigação correta dos fatos e mais adiante, também junto com a OAB, abre também uma forte campanha no país pela anistia dos presos políticos.
O Otimista: Esse foi um marco na história da Associação?
Octávio Costa: A ABI, naquele momento, todo mundo se lembra disso, da atuação muito firme na frente. Ela tinha, no início, Prudente Morais Neto (como presidente), depois o Barbosa Lima Sobrinho, que foi um presidente histórico nesse enfrentamento à ditadura. Isso faz parte da história da ABI, a luta contra a ditadura, contra a tortura, pela anistia, pelas “Diretas Já”. Barbosa Lima também foi quem entrou com pedido de impeachment de Collor (ex-presidente), que deu início ao processo de impeachment de Collor. E, mais recentemente, tivemos esse enfrentamento ao governo do Capitão Bolsonaro. A ABI sempre ali à frente, sempre junto com as outras entidades. Houve a manifestação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e a ABI esteve presente, alertando que não se admitiria um desrespeito ao resultado da eleição e muito menos o seu adiamento. A nossa ação é permanente. Na parede do nosso prédio, na lateral, que é um prédio histórico, tombado, na nossa sede no Rio de Janeiro, tem uma faixa de alto a baixo. ‘Democracia sempre’. Isso é a principal preocupação histórica da ABI.
O Otimista: A ABI tem alguma preocupação com eleição de 2024?
Octávio Costa: A grande preocupação, não só da ABI, mas do próprio Judiciário, TSE e Cármen Lúcia – que já falou sobre isso – é a questão das fake news e do uso da inteligência artificial. Isso tudo está sendo discutido no âmbito do TSE, que tem ouvido entidades de jornalistas, como a ABI, Abraji, Fenaj e, na verdade, como coibir. Já há um regulamento em relação ao uso de inteligência artificial, limitando e criando parâmetros para o seu uso. Ao mesmo tempo, a preocupação com fake news que, na verdade, é um trabalho todo junto às grandes plataformas, que até agora não foram regulamentadas no país. No mundo todo está se regulamentando a atuação das grandes plataformas: Austrália, Canadá, França e União Europeia regulamentaram e, no Brasil, estranhamente as grandes plataformas não admitem qualquer tipo de regulamentação. O presidente Lula falou sobre isso.
O Otimista: Essas plataformas deveriam ter uma atuação mais incisiva?
Octávio Costa: O fato é que cabe a elas, em um processo eleitoral, coibir a disseminação de fake news. Sem dúvida, vai existir, você não tem como impedir que o sujeito publique a notícia falsa, mas a grande plataforma tem como eliminar aquela notícia. Você vai ter isso, acusação a candidatos, notícias sobre fatos que na verdade não ocorreram. É lógico que você vai ter. Isso já está ocorrendo, por exemplo, nos Estados Unidos, no enfrentamento lá do Trump com a Kamala Harris (candidatos a presidente dos EUA). Mal anunciaram o nome dela, inundaram as plataformas com notícias falsas sobre Kamala Harris. Dizendo, inclusive, que ela não é americana, não é cidadã norte-americana.
O Otimista: E qual o cenário no Brasil?
Octávio Costa: Isso vai ocorrer aqui também, não há nenhuma dúvida. Só que a Justiça Eleitoral está atenta a isso, o Supremo também está atento, os ministros do Supremo sabem que vai ser um problema na eleição. Cada vez que aumenta, se amplia o uso da internet, das redes sociais, isso só vai ampliar. É evidente que as pessoas, cada vez mais, vão ter acesso. Hoje você ainda tem algumas ilhas do país que não têm acesso à internet, várias regiões, mas isso vai se ampliar e se ampliando é óbvio que aumenta o risco de você ter disseminação de fake news durante processos eleitorais.
O Otimista: O que podemos esperar para combater esse problema?
Octávio Costa: Acho que essa é uma preocupação, mas a Justiça Eleitoral está atenta a isso e vamos ver como vai ser esse enfrentamento. Nós, jornalistas, sabemos também, como você falou, em um ambiente de polarização, é evidente que você está tendo candidatos das duas principais correntes políticas no país, ideológicas. Em São Paulo, inevitavelmente, vai ter um enfrentamento, é o maior colégio eleitoral do país. É lógico que isso aí vai acirrar ânimos. Os jornalistas, eventualmente, podem ser alvos.
O Otimista: Já há registro de casos?
Octávio Costa: Recentemente houve um encontro de extrema direita em Santa Catarina. Veio o presidente da Argentina (Javier Milei) de uma forma extremamente mal educada para os padrões diplomáticos. Esteve presente um sujeito que nunca foi a Brasília, mas esteve presente prestigiando esse encontro de extrema direita lá em Santa Catarina. Alguns jornalistas que estavam cobrindo ali foram agredidos. Isso durante o processo eleitoral pode ocorrer, mas haverá reação não só da ABI, mas de todas as entidades de classe de jornalistas, de todas as entidades que representam os jornalistas. Quem agredir, dessa vez, vai pagar. Vai pagar na Justiça. Podem ficar certos disso, não sairão impunes. Se agredirem jornalistas nesta campanha, vão pagar.