Nos deixa o jornalista Zuza Homem de Mello…


05/10/2020


Foto: Marco Aurélio Olímpio

Por Ricardo Carvalho, diretor da ABI em São Paulo

Se você for ao Google neste exato momento e escrever Zuza Homem de Mello vai encontrar, no mínimo, 107.000 referências sobre ele. Isso: 107 mil, o que é um justo reconhecimento ao trabalho incansável do Zuza pela música. Desculpe, Música com letra maiúscula. Sim, porque ele é reconhecido também como musicólogo que, segundo o culto dicionário Houaiss, é o ser humano “que se dedica ao estudo da ciência da música, que incluiu todos os aspectos teóricos: acústica, estética, bibliografia, instrumentos, história, biografia, instrumentos, harmonia e notação”.

As redes sociais passaram o domingo repercutindo a morte do Zuza, aos 87 anos. Gilberto Gil, por exemplo, escreveu: “Sinto muito pela passagem de Zuza Homem de Mello, pesquisador, crítico e jornalista musical, com quem estive recentemente para a gravação do programa “Muito Prazer, Meu Primeiro Disco”, do qual ele foi curador”. Sem contar a linda matéria que o programa “Fantástico” fez sobre o Zuza.

A família, liderada pela mulher dele, a doce Ercilia Lobo, distribuiu a notícia também pelo zap: “Com enorme dor no coração comunicamos que perdemos o nosso querido Zuza nesta madrugada”.

Ela pediu também que ninguém fosse vê-lo. E para a última despedida autorizou a transmissão ao vivo das imagens do Zuza do local onde se deu o velório, com a seguinte mensagem: “Aos queridos amigos, segue o link caso queiram se despedir virtualmente do nosso querido Zuza! https://youtu.be/dFIGaH01xJ4.

Eu quis e vi o Zuza no caixão, com mais da metade do corpo coberto por flores brancas. O semblante sereno. Uma imagem que sempre foi a marca registrada dele. Tanto que na minha resposta ao Zap da Ercília disse apenas que estava “absolutamente consternado. E se alguma coisa pode nos confortar é a forma que o Zuza nos deixou: serenamente, como ele soube levar a vida”.

O serenamente tem a ver com o jeito que ele morreu, que é o desejo de um monte de gente que conheço: um infarto fulminante, enquanto estava dormindo.

E tem a ver também com o jeito que ele levou a vida…

Um dos mais experientes produtores da tv brasileira, Johnny Savala, conviveu com o Zuza na rádio Jovem Pan, de São Paulo, quando estava começando sua carreira de jornalista, lá pelo comecinho da década de 1980. Ficava fascinado, acompanhando o Zuza fechar o seu programa de música que fez escola: “Ele fazia tudo sozinho, com seu fone de ouvido com microfone, uma novidade para a época”.

O Johnny trabalhava no jornal noturno da emissora e toda vez que no turno dele morria alguém ligado à música ele ligava para o Zuza, que logo discorria sobre a vida da pessoa. Com isso, o Johnny espalhou na emissora que o Zuza dormia numa cama enorme e alta e embaixo dela ficavam os arquivos do próprio Zuza, que só precisava esticar a mão para pegar a ficha com a biografia do fulano. Zuza ria muito da brincadeira.

Johnny conta ainda que foi ele que acordou o Zuza para comunicar a morte de Frank Sinatra e se surpreendeu com o longo silêncio do pesquisador: “Zuza, emocionado e se expressando do ponto de vista do jazz, apenas disse que morria um pouco da música, porque ele considerava Sinatra o grande intérprete da música internacional. Para ele, a música era uma, antes de Sinatra, outra com ele em cena, e seria ainda outra coisa com a morte dele. Ele ficou muito abatido”. Sobre Ellis Regina, diz Johnny Savalla, Zuza garantia que a voz dela era um sofisticado instrumento musical.

Depois que trocou a faculdade de engenharia pela música, na década de 1950, Zuza foi estudar no exterior, na School of Jazz, em Tanglewood, EUA, e musicologia na mais prestigiada escola de musica americana, a Juilliard School of Music, de Nova York.

Como jornalista, foi convidado para os mais importantes festivais mundiais de música — Montreux, Edimburgo, Nova York, New Orleans, Barbados, Paris, Midem de Cannes, Tóquio, Montreal e Perugia.

Zuza integrou a equipe dos dois Festivais de Jazz de São Paulo (1978 e 80) e foi curador do elenco do Free Jazz Festival desde sua primeira edição, em 1985, e depois do seu sucessor, Tim Festival. Foi membro e presidente da Associação dos Pesquisadores da MPB.

Crítico musical sem destruir carreiras, Zuza era talvez o mais exigente de todos os críticos, por uma questão básica: ele era também músico, exímio baixista e lia partituras, ou seja, sabia o que falava.

Vale a pena cortar e colar o que a Wikipedia fala dele:

“…Trabalhou também como crítico de música popular no jornal O Estado de S. Paulo, escreveu para as revistas Som 3, Nova e outras publicações no Brasil e no exterior. Em 1997, coordenou a Enciclopédia da Música Brasileira, e em 1982, ao lado de Tárik de Souza, planejou e coordenou a terceira edição da coleção didática História da Música Popular Brasileira, da Editora Abril. Com uma larga experiência como produtor e diretor musical, Zuza dirigiu nos anos 70 a série de shows O Fino da Música, no Anhembi, na zona norte de São Paulo, que apresentava nomes conhecidos como o conjunto regional do Canhoto, Elis Regina, Elizeth Cardoso, e outros que ainda despontavam, como João Bosco, Ivan Lins e Alcione, entre outros.

Nos anos 80, dirigiu os três Festivais de Verão do Guarujá, reunindo os veteranos Jackson do Pandeiro, Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga, Jorge Ben Jor, Raul Seixas, e os ainda novatos Djavan, Beto Guedes e Alceu Valença. Mais tarde, produziu a tournée de Milton Nascimento ao Japão (1988); dirigiu Milton e Gilberto Gil na série de concertos Basf Chrome Music(1989). Nos anos 90 assumiu a direção geral das três edições do Festival Carrefour, que revelou nomes como Chico César, Lenine, Sérgio Santos e Zélia Duncan.

Ainda na década de 90, dirigiu no SESC, os shows Ramalhete de Melodias, Lupicínio às Pampas, Raros e Inéditos, a série Ouvindo Estrelas (durante dois anos), os dez espetáculos Aberto para Balanço, comemorativos dos cinquenta anos da entidade, e o concerto comemorativo dos cem anos de nascimento de George Gershwin. Na televisão, apresentou a série Jazz Brasil na TV Cultura e na área fonográfica produziu discos de Jacob do Bandolim, Orlando Silva, Fafá Lemos, Carolina Cardoso de Meneses e Elis Regina, atuando na seleção de repertório do CD Canções Paulistas com os Trovadores Urbanos transformado, em 2007, num DVD do espetáculo”.

Isto tudo nos leva à véspera da morte do nosso Zuza. Ele e a sua querida Ercília celebraram os projetos todos realizados e o que ainda vinha pela frente. E uma revelação não menos emocionada. Poucos dias antes, como se sua missão estivesse cumprida nestes 87 anos, Zuza Homem de Mello anunciava que havia finalizado a biografia de João Gilberto, com um detalhe: o livro não tinha ainda título.

Acho que vou ligar para a Ercilia e sugerir que ela faça uma espécie de concurso pela internet para recolher sugestões e escolher o título da biografia do gênio João Gilberto. Posso até abrir a contagem: “Obrigado, João”.

Com seu sorriso cativante, seu jeito elegante de capitão de veleiro, como diz o amigo Johnny Savala, tenho certeza que o Zuza vai se divertir com as sugestões que irão surgir.

Foto do destaque: Marco Aurélio Olimpio, Agência Brasil