“Nome próprio”: a paixão segundo Camila Lopes


03/09/2008


Colaboração de Lucas Guedes, jornalista, escritor, fotógrafo e tradutor

Grande vencedor do Festival de Gramado em 2008, “Nome próprio”, de Murilo Salles, não é um filme comum. Baseado nos livros “Máquina de pinball” (2002) e “Vida de gato” (2004), da escritora Clarah Averbuck, e roteirizado por Elena Soárez, tem como protagonista Leandra Leal, que também faturou o Kikito de melhor atriz em Gramado.

O filme retrata os anseios de Camila (Leandra Leal), que vai de Brasília a São Paulo, na tentativa de concretizar o sonho de ser escritora. Blogueira compulsiva — numa época em que os diários virtuais não eram tão populares como atualmente —, ela faz questão de postar na internet tudo o que acontece em sua vida, desde coisas banais até as mais íntimas, que, teoricamente, não interessariam a ninguém.

Já na primeira cena, o espectador saberá se vai ou não gostar do filme. Camila está nua, chorando, enquanto seu namorado Felipe (Juliano Cazarré) tenta expulsá-la da casa onde moram. Traído, a xinga de todos os palavrões possíveis e ainda desfere um tapa no rosto da garota, que, ofendida, revida. Ela sai de casa com seus discos preferidos, poucas roupas e seu computador, que faz questão de instalar assim que chega ao apartamento de um amigo, para ‘blogar’ sobre o fim do relacionamento.

O que Camila não imaginava era que faria tanto sucesso, a ponto de atrair leitores de todo o Brasil. Estes leitores passam a encaminhar e-mails apoiando e/ou criticando a blogueira, por seu comportamento pretensamente “libertário”, quando afirma publicamente, por exemplo, que faria sexo com o primeiro homem que aparecesse à sua frente, ou então que quer beber sozinha num bar. E é desse modo que as tramas se sucedem, emaranhadas a situações inesperadas, como a perda do apartamento, a mudança para outra cidade e os vários homens com que ela se relaciona.

“Nome próprio” foi filmado com câmeras digitais e um orçamento de apenas R$ 1,2 milhão. As tomadas, captadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, foram, em sua maioria, realizadas em apartamentos, ruas e bares reais, no intuito de economizar com locações. Outra estratégia bastante eficiente foi a de divulgação, quase que inteiramente pela internet. Além do blog criado exclusivamente para o filme (http://nomepropriofilme.blogspot.com), foram organizadas várias pré-estréias exclusivas para blogueiros e leitores do blog, além de uma exibição fechada só para usuários da rede social virtual Myspace e e-mails do próprio diretor, criticando o modelo de distribuição cinematográfica e incentivando o público a assistir ao seu filme.

A tentativa de atingir o público que usa a internet funcionou. Em dezenas de blogs foram postadas informações sobre o filme, mas muitas críticas foram negativas. Alguns protestaram, dizendo que o filme nada teria a ver com o universo de um verdadeiro blogueiro, alegando que as situações retratadas ali não passariam de versões deformadas de uma garota mimada. Ou, ainda, que um dos personagens, o Guilherme, interpretado por David Katz (indicado ao prêmio de melhor ator em Gramado), seria o clichê extremista de um nerd, o que poderia criar uma imagem distorcida dos blogueiros.

O ponto forte do filme é a atuação de Leandra Leal. Desprendida de qualquer estereótipo que sua participação em novelas pode causar, a atriz convence com seu jeito simultaneamente de menina revoltada e de mulher independente e bem-resolvida. Tecnicamente impecável, parece que a personagem foi escrita exclusivamente para ela. O texto pode não ter sido exclusivo, mas a própria Clarah Averbuck afirma que a escolha do diretor não poderia ter sido melhor.

Apesar de o roteiro ser baseado em seus livros, Clarah (que é fã do germano-americano Charles Bukowski, do ítalo-americano John Fante e do brasileiro Paulo Leminski) faz questão de esclarecer que o filme não retrata sua vida, assim como seus livros também não. O próprio diretor também explicou algumas vezes que os textos da escritora serviram apenas como base para o filme, mas que há também trechos de outros blogs e da filósofa Viviane Mosé, notadamente aqueles que ocupam a tela enquanto Camila digita em seu computador.

Transitando entre literatura ficcional, poesia e vida real, o filme segue em ritmo acelerado, apesar das várias cenas em que o silêncio se faz necessário. O roteiro colabora para dar à obra um tom cinematográfico cuja narrativa é a da desconstrução, em que pouco importa a ordem dos acontecimentos, tornando algumas cenas atemporais. Fugindo da antiga tendência do cinema brasileiro de mostrar seus morros ocupados por traficantes, ou de intermináveis extensões de novelas televisivas, “Nome próprio” é uma viagem ao interior da personagem Camila, que só quer viver intensamente suas paixões, sobretudo pela literatura e por si mesma.