Foto: Ricardo Stuckert/PR
Ao discursar na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as sanções unilaterais dos Estados Unidos afirmando que o mundo assiste ao aumento do autoritarismo. 

“O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade desta organização [ONU] está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões a política do poder, atentados à soberania, sanções arbitrárias. E intervenções unilaterais estão se tornando regra.”
Para Lula, existe “um evidente paralelo” entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. “O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades. Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas”.
“Em todo o mundo, forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades. Cultuam a violência. Exaltam a ignorância. Atuam como milícias físicas e digitais e cerceiam a imprensa. Mesmo sob ataques sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há 40 anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais”.
Sanções e Soberania
Lula se referia às sanções econômicas aplicadas pelo governo de Donald Trump ao Brasil que impôs uma tarifa de 50% aos produtos nacionais importados pelos EUA. Ele também criticou as tentativas de interferência no Judiciário brasileiro.
Lula disse que não há justificativa para “medidas unilaterais e arbitrárias” direcionadas a instituições e à economia brasileira. 

“A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade.”
Em sua fala, Lula destacou que, pela primeira vez em 525 anos da história do Brasil, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. “Foi investigado, indiciado e julgado. Responsabilizado por seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas”.
“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos autocratas e àqueles que os apoiam. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela. Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral. Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades, a garantia dos direitos mais elementares.”
Combate à pobreza
Lula disse que a pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo.
“A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares. Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo”.
“Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO [sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] a confirmação de que o Brasil voltou a sair do mapa da fome neste ano de 2025. Mas, no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. E cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar”, disse.
Para Lula, a única guerra em que todos podem sair vencedores é a travada contra a fome e a pobreza. “Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20 e que já conta com o apoio de 103 países”, destacou, ao avaliar que a comunidade internacional precisa rever suas prioridades.
Entre as prioridades citadas pelo presidente está reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento, aliviar o pagamento da dívida externa de países mais pobres, sobretudo os africanos, e definir padrões mínimos de tributação global, “para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores”.
Genocídio em Gaza
Ao comentar sobre conflitos em curso durante a abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Lula disse que nenhuma situação é mais emblemática “que o uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina”.
“Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza. Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes.”
“Ali também estão sepultados o direito internacional humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente. Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza, a fome é usada como arma de guerra. O deslocamento forçado de populações é praticado impunemente”, completou Lula.
Em sua fala, o presidente expressou admiração “aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva”.
“O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá como Estado independente e integrado à comunidade internacional. Essa é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem aqui neste mesmo plenário. Mas obstruída por um único veto”.
Ucrânia
Sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, Lula avaliou que já é sabido por todos que não haverá solução militar.
“Um recente encontro no Alasca despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista. Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”.
“A Iniciativa Africana e o grupo Amigos da Paz, criados por China e Brasil, podem contribuir para promover o diálogo”, concluiu o presidente.
América Latina
Lula disse que a América Latina e o Caribe vivem um momento de crescente polarização e instabilidade. 
“Manter a região como zona de paz sempre foi e é a nossa prioridade”, defendeu no discurso na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Lula lembrou que a América Latina é um continente livre de armas de destruição em massa e sem conflitos étnicos ou religiosos. “É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo. A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas”, disse.
“Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento. Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias”, alertou.
O presidente citou ainda que a via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela e que o Haiti deve ter direito a um futuro livre de violência. Lula ainda classificou como inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo.
Big techs
O potencial positivo e os perigos representados pelas chamadas big techs – empresas gigantes de tecnologia – foram citados por Lula.
Segundo o presidente brasileiro, a regulação desse mercado é a melhor forma de evitar que o ambiente virtual se torne uma “terra sem lei”, colocando em risco a vida e a saúde das pessoas. “A democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância.”
Lula lembrou que as plataformas digitais viabilizaram a aproximação das pessoas como jamais havíamos imaginado. “Mas têm sido usadas [também] para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação”, acrescentou.
Segundo Lula, a internet não pode ser uma terra sem lei. “Nesse sentido, cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis”. “Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual. Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia.”
Durante o discurso, Lula explicou que, em meio a esse contexto, o parlamento brasileiro agiu com rapidez para tratar do assunto, o que resultou em uma das legislações mais avançadas do mundo “para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital”. Essa lei foi promulgada pelo presidente na última semana.
“Também enviamos ao Congresso Nacional projetos de lei para fomentar a concorrência nos mercados digitais e para incentivar a instalação de datacenters sustentáveis. Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado”, acrescentou.
Mudanças climáticas
Lula destacou a necessidade trazer o combate à mudança do clima para o coração da ONU e propôs a criação de um conselho para monitoramento das ações climáticas globais.

O presidente reforçou a importância do espaço de multilateralismo cumprido pela ONU há 80 anos e destacou a necessidade de modernização desses espaços, com a criação de um conselho vinculado a Assembleia Geral “com força e legitimidade para monitorar compromissos”, e que, segundo Lula, dará coerência a ação climática. “Bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado. A COP30, em Belém, no Brasil, será a COP da verdade. Será o momento dos líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta”, destacou.
Lula voltou a reforçar a necessidade de os países apresentarem Contribuições Nacionalmente Determinada (NDCs na sigla em inglês) ambiciosas para a redução das emissões de gases do efeito estufa- a exemplo do Brasil, que definiu a meta entre 59% até 67%, em 2035. As NDCs são os compromissos que cada país assume para reduzir a emissão de gases do efeito estufa que aquecem a Terra e são a principal motor das mudanças climáticas. Até o momento, apenas 29 países apresentaram suas NDCs, segundo o Itamaraty. “Sem ter as chamadas NDCs caminharemos de olhos vendados para o abismo”, reforçou.
COP 30 e Fundo para Florestas
O presidente brasileiro lembrou a importância de todos os líderes partirem para a ação climática, indo além da negociação, de forma justa e equilibrada entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
“Em Belém o mundo vai conhecer a realidade da Amazônia. O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento da região nos dois últimos anos”, reforçou sobre a ação promovida na sede onde ocorrerá a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro.
Lula também destacou o lançamento do mecanismo de conservação das florestas tropicais proposto pelo Brasil, como um instrumento de enfrentamento à mudança do clima. “Fomentar o desenvolvimento sustentável é o objetivo do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que o Brasil pretende lançar, para remunerar os países que mantém suas florestas em pé”, disse.
Veja aqui a íntegra do discurso de Lula.
https://www.youtube.com/live/gB0-M0lpk10?si=XH0rftZP8-K8IWU-
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