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Muito perto do abismo


24/11/2024


Por Miriam Leitão, em O Globo

Mauro Cid, Almirante Garnier e Bolsonaro

O general Nilton Diniz Rodrigues chefiava até quinta-feira a 2ª Brigada de Infantaria de Selva de São Gabriel da Cachoeira. Na sexta-feira, foi substituído. À época dos fatos, ele era assessor direto do comandante do Exército, Freire Gomes. O coronel Fabrício Moreira Bastos foi chamado de volta de Israel, onde era adido militar, na sexta-feira. Ambos foram indiciados e vão ficar em funções administrativas aguardando os acontecimentos. O tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo era oficial do Estado Maior prestando assessoramento ao comando de Operações Especiais. Não foi indiciado, mas preso na terça-feira e afastado das funções. Nomes como Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira chamam mais a atenção, mas o que realmente preocupa o Exército são os da ativa.

Rodrigo Azevedo pode vir a ser indiciado. Mas ele é um preso “novo”, digamos assim. Nunca havia sido alvo de nenhuma operação. Foi o maior espanto dentro do Exército, na operação da terça-feira, porque os outros já eram visados desde a “Tempus Veritatis”, ocorrida em fevereiro. Azevedo não. Ele não foi ouvido ainda e, por isso, não foi indiciado. As suspeitas sobre ele são de que participou do evento “Copa 2022”, uma conspiração para matar autoridades. Duas semanas depois do cerco feito a Moraes, ele colocou um chip com o seu número em um celular com o IMEI que havia sido usado pela pessoa com codinome “Brasil”. O celular usou outros chips cadastrados em nome de terceiras pessoas e as informações das Estações Rádio Base localizam o aparelho nas imediações da sua casa em Goiânia. Precisa ter explicações para esses e outros indícios.

A contaminação das Forças Armadas exibida agora mostra que o golpismo estimulado por Jair Bolsonaro foi longe. O almirante Almir Garnier, indiciado, aceitou participar do golpe quando era comandante da Marinha. Certamente, não era o único na Força a pensar assim, mas o que se diz na Marinha  é que ele estava isolado.

No Exército, os conspiradores buscavam bons postos. Mauro Cid teria ido no ano passado para o comando do 1º Batalhão de Ações e Comandos, Unidade de Operações Especiais, em Goiânia, se o presidente Lula não tivesse interferido e demitido o então comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, que insistia no nome de Cid. Dá uma ideia do tamanho do risco que o Brasil continuou correndo mesmo após o 8 de janeiro. Tropas a duas horas de Brasília sob o comando de Mauro Cid. Imagina só.

O coronel Hélio Ferreira Lima, quando foi alcançado pela “Tempus Veritatis”, em fevereiro, comandava a Companhia de Forças Especiais em Manaus. Foi afastado, ficou em função administrativa e preso no Rio na última terça. O coronel BernardoRomão Corrêa Neto foi o responsável por chamar outros“kids pretos” para reunião em Brasília. Foi preso em fevereiro, solto e, agora, novamente preso.

Dentro do Exército também houve investigação, porque o que se quer, segundo eu apurei, é que tudo se esclareça e que sejam punidos os responsáveis. Um inquérito policial militar no Exército concluiu que 37 militares estavam envolvidos na “Carta ao Comandante do Exército”, em que oficiais superiores instigavam seus comandantes ao golpe. Três coronéis foram indiciados e um ainda está sob investigação.

Os golpistas estavam no comando no governo Bolsonaro. Eram o chefe da Casa Civil, o ministro da Defesa, o chefe do GSI, o diretor-geral da Abin, o ministro da Justiça, o diretor da Polícia Rodoviária Federal, o comandante da Marinha, o chefe adjunto da Secretaria Geral da Presidência. Mesmo o não indiciado general Luiz Eduardo Ramos exibe até hoje posições extremadas e devoção a Bolsonaro. O general Mourão, isolado pelas intrigas palacianas, é uma pessoa que tem como herói o torturador Brilhante Ustra. Ou seja, mesmo quem não está nos autos, estaria com
Bolsonaro se fosse convocado.

É preciso usar esse processo como fundamento da normalização da relação entre militares e civis. As Forças Armadas são fundamentais para o país, mas é preciso encerrar para sempre a sua interferência na política. O país esteve muito perto do abismo institucional e ainda não está em terreno totalmente seguro. É essencial  investigar tudo sobre a mais grave conspiração militar desde a ditadura. E punir todos os culpados. A impunidade nos trouxe até aqui. Quase 40 anos depois do fim da ditadura ainda tememos os mesmos fantasmas que nos infelicitaram por duas décadas.