Morre o editorialista econômico Robert Appy


10/06/2013


Robert Appy ajudou a funda a editoria de Economia do Estadão. (Crédito: Milton Michida/Estadão)

Robert Appy ajudou a funda a editoria de Economia do Estadão. (Crédito: Milton Michida/Estadão)

Na manhã deste sábado, 8 de junho, foi celebrado o velório do economista e editorialista Robert Eugène Appy. Ele faleceu na última sexta, 7 de junho, no Hospital Sírio-Libanês, de falência múltipla dos órgãos, aos 87 anos. Nascido na França, Appy vivia no Brasil há 60 anos, para onde veio a convite de Julio de Mesquita Filho para escrever sobre economia no jornal O Estado de S. Paulo. A missa de corpo presente foi celebrada na Capela Francesa, em Vila Clementino, São Paulo.

Appy foi um dos pioneiros do jornalismo econômico no Brasil. Ao lado de Alberto Tamer e Frederico Heller, foi responsável pela composição núcleo da editoria econômica do “Estadão” na década de 1960, uma das primeiras da imprensa nacional. Casado duas vezes, deixa quatro filhos, entre eles o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. O jornalista foi indicado pelo jornalista Gilles Lapouge, hoje correspondente em Paris, para substituí-lo após decidir voltar para a França, depois de três anos de trabalho na redação do jornal.

A entrevista para o emprego foi feita pelo historiador francês Fernand Braudel, que mais tarde deu nome ao instituto que Appy ajudou a fundar. O primeiro texto, poucos dias depois, foi uma análise da economia soviética sob Gheorghi Malenkov, dividida em dois artigos, publicados em 15 e 18 de novembro de 1953.

Antes que o ano terminasse, Appy já havia escrito comentários sobre assuntos tão diversos quanto o Congo Belga e os capitais estrangeiros, o entesouramento de ouro no mundo, a crise econômica da companhia cinematográfica brasileira Vera Cruz e a ofensiva japonesa nos mercados internacionais. Não foram poucos os ministros da Fazenda do Brasil que procuraram conhecer sua opinião a respeito dos mais delicados problemas econômicos do País.

Appy também era um interlocutor frequente dos diretores-gerentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), a tal ponto que se tornou um dos primeiros jornalistas a antecipar que a reunião de Toronto (Canadá), em 1982, mudaria de maneira irreversível a relação entre os países industrializados e os emergentes.

Formação

Robert Appy nasceu no dia 1.º de junho de 1926 em Cavaillon, cidade do departamento de Vaucluse, na França, que guarda vestígios das invasões romanas. Fez o curso de Letras na Faculdade de Grenoble. Era também formado em Filosofia Escolástica pela Faculdade Católica de Lyon e em Economia pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).

Começou sua carreira no jornal Combat, da capital francesa. Inicialmente, era redator especializado em questões universitárias. Foi depois promovido a secretário de redação.

A seriedade que dedicava a cada matéria permitia que suas opiniões fossem baseadas numa ideia muito realista das questões e em dados precisos, que recolhia no seu arquivo pessoal, cuidadosamente organizado.

Sua atuação tornou-se ainda mais efetiva com a criação pelo Estado, em 1957, da seção Atualidade Econômica, a primeira editoria de Economia da imprensa brasileira, dirigida pelo jornalista austríaco Frederico Heller.

Apesar de ter-se integrado muito rapidamente ao Estado e ao Brasil, Appy manteve colaborações nas revistas francesas Esprit e Revue des Sciences Politiques. Foi ainda correspondente dos jornais franceses Le Monde e L’Information Économique e Financière.

Exerceu, durante anos, o cargo de conselheiro econômico do Banco Francês e Italiano para a América do Sul. Trabalhou ainda na revista Visão e foi conselheiro do banco Sudameris.

Militância

Recebeu uma série de comendas e condecorações internacionais e brasileiras. Entre outras estão a Legião de Honra, concedida pelo governo francês, a Ordem Nacional do Mérito da França, o Premio Presaenza d’Italia in Brasile, do Circolo Italiano, o Prêmio Abamec e o Prêmio BNP Paribas de Cidadania.

Na juventude, Appy participou da resistência à ocupação alemã da França. No Brasil, ajudou amigos presos durante a ditadura militar.

Em 1987, lançou, pela Editora José Olympio, o livro Capital Estrangeiro & Brasil: um Dossiê, cuja apresentação começava com uma frase polêmica: “Este livro é a favor do capital estrangeiro, ou melhor… do Brasil.” E, ao longo da obra, explicava a aparente contradição: no sistema capitalista, o capital não tem pátria e sua função é contribuir para o desenvolvimento da economia, independentemente da localização geográfica.

Manteve amizade próxima com autoridades que conheceu ao longo da carreira, como o ex-presidente francês Giscard d’Estaing, o ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors e os ex-diretores do FMI Michel Camdessus e Jacques de la Rosière.

Embora já escrevesse no jornal desde 1953, Appy ingressou oficialmente no Estado em outubro de 1957, como tradutor. Em maio de 1964, passou a redator da Editoria de Economia, tornando-se o editor da seção em dezembro de 1974. Depois passou assumiu a função de editorialista. Aposentado em fevereiro de 1996, foi recontratado no dia seguinte, no mesmo cargo.

Mesmo com dificuldades de locomoção, comparecia diariamente à sede do jornal para a reunião dos editorialistas com Ruy Mesquita, que faleceu no dia 21 de maio. Manteve essa rotina até um dia antes de ser internado. Chegou a enviar vários editoriais do hospital e de casa.

Tinha atuante participação em diversas entidades. Era membro dos conselhos da Associação Comercial de São Paulo, da Fecomércio, do Liceu Pasteur e colaborava com uma organização não governamental (ONG) Projeto Quixote, que cuida de crianças em situação de risco. Apesar de reservado, não abria mão do bom humor.

*Com informações dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.