Morre em São Paulo Leon Cakoff


14/10/2011


Um dos maiores símbolos da militância político-cultural no Brasil durante a ditadura, Leon Cakoff, fundador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, morreu nesta sexta-feira, dia 14, às 13h, no Hospital São José, em São Paulo, onde estava internado há duas semanas em tratamento contra um câncer. O corpo do cineasta será velado no Museu da Imagem e do Som -MIS de São Paulo, (Av. Europa, 158 – Jardim Europa) até às 12h deste sábado, 15, quando seguirá para o Memorial Parque Paulista (R. Dr. Jorge Balduzzi, Nº 520,Jardim das Oliveiras – Embu das Artes), onde será cremado.
 
Leon Cakoff foi casado durante 22 anos com Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo desde a 13ª edição do evento, em 1989. Ele deixa os filhos Jonas e Thiago, do casamento com Renata, e Pedro e Laura, do primeiro casamento.
 
Leon Cakoff nasceu Leon Chadarevian em Alepo, na Síria, em 12 de junho de 1948. Veio para o Brasil com a família aos oito anos de idade e formou-se pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Por problemas com o regime militar, adotou o pseudônimo Cakoff. Iniciou a carreira em 1969, como jornalista e depois crítico de cinema nos Diários Associados. A partir de 1974, dirigiu o Departamento de Cinema do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e iniciou a programação de mostras e ciclos no museu.
 
Em 1977, para comemorar os 30 anos do Masp, Leon criou a 1ª Mostra Internacional de Cinema, com 16 longas e 7 curtas nacionais e internacionais, que tinha como marca o prêmio com o voto do público, que na primeira edição foi para “Lúcio Flávio, passageiro da agonia”, de Hector Babenco. Na ocasião, um artigo do Jornal do Brasil registrou que a Mostra era o único lugar onde se podia votar no País.
 
Leon enfrentou a censura imposta pelo regime militar trazendo filmes inéditos no Brasil de países como China, Cuba, União Soviética e França, até por meio de malas diplomáticas de embaixadas e consulados. Em 1984, Leon desligou-se do MASP, mas prosseguiu com o projeto, então na 8ª edição, que foi marcada por alguns dos maiores embates contra a censura política. Após a sessão do filme “O Estado das Coisas”, de Wim Wenders, no Cine Metrópole, Leon subiu ao palco para anunciar a ordem federal de fechamento do cinema e interrupção do festival. Com a grande repercussão do fato na mídia internacional, as projeções reiniciaram quatro dias depois.
 
Em 2004, Leon organizou na 28ª Mostra o filme “Bem-Vindo a São Paulo”, uma seleção de curtas sobre a cidade, dirigidos por Caetano Veloso, Phillip Noyce, Maria de Medeiros, Daniela Thomas, Amos Gitai eTsai Ming-Liang. Na 35 edição do festival, Leon Cakoff produziu “O Mundo Invisível”, com curtas de Manoel de Oliveira, Wim Wenders e Atom Egoyan.
 
Ao longo dos 35 anos da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Leon introduziu no Brasil o cinema de grandes autores que dificilmente chegariam ao público nacional, e entre eles, se destacam amigos pessoais de Leon, como o português Manoel de Oliveira, 102 anos, o cineasta mais antigo em atividade, o iraniano Abbas Kiarostami, diretor de “Gosto de Cereja” e “Cópia Fiel”; e o israelense Amos Gitai, diretor de “Kadosh” e “Alila”.
—Atravessam-se continentes e oceanos para perceber que estranhamente, nas profundezas do planeta, um amigo que pertence a uma cultura radicalmente diferente da nossa fala muito mais à vontade a nossa língua e a nossa linguagem do que nossos próprios compatriotas, comentou Abbas Kiarostami sobre a amizade com Leon.
 
Outros importantes cineastas se apresentaram nas edições do evento, como o americano Quentin Tarantino com seu primeiro filme, “Cães de Aluguel”, em 1992, na 16ª Mostra; o espanhol Pedro Almodóvar, que abriu a 19ª Mostra em 1995 com o filme “A Flor do Meu Segredo”; o americano Dennis Hopper, que veio a São Paulo em 1984 apresentar “O Último Filme”; o alemão Wim Wenders, que participou das 32ª e 34ª Mostra; o diretor de fotografia mexicano Gabriel Figueroa, que trabalhou com John Huston e Luís Buñuel, e foi um dos convidados em 1955, da 19ª Mostra; o iraniano Jafar Panahi, atualmente mantido em prisão domiciliar pelo Governo do Irã; o sérvio Emir Kusturica e o finlandês Aki Kaurismaki, entre outros.
 
Em 2000, Leon fundou a distribuidora Mais Filmes, especializada em filmes de autor. No ano seguinte, com Adhemar Oliveira, Renata Almeida, Patrícia Durães e Eliane Monteiro, criou o Unibanco Arteplex, primeiro cinema do Brasil a usar o conceito de multiplex para incluir filmes de arte da programação. Nos últimos anos, mantinha com Renata de Almeida a distribuidora Filmes da Mostra, com lançamentos de filmes e coleções em DVD, em parceria com a Livraria Cultura.
 
Vanguarda
 
—Estou chocada com a morte de Leon Cakoff, uma perda irreparável. Em toda minha vida e formação, ele foi nome de referência. Acompanhei as suas mostras, ele orientava  para o que havia de mais importante no cinema do mundo todo, comentou a Ministra da Cultura, Ana de Hollanda.
 
O cineasta Walter Salles ressaltou o viés político-social da trajetória de Leon Cakoff:
—A história da Mostra Internacional de São Paulo é o relato de uma batalha constante contra a censura, as leis arbitrárias, o descaso pela cultura. É, finalmente, uma luta pela criação e preservação da memória coletiva.
 
O talento vanguardista do cineasta foi destacado pelo crítico de cinema Rubens Ewald Filho:
—Admiro as pessoas que têm visão, um sonho, a coragem e a determinação de não apenas realizá-lo, mas também de perseverar, não deixá-lo morrer. É o caso do Leon, que foi o primeiro de nós a viajar para o Festival de Cannes, onde nasceu e começou a ser germinada a ideia de realizar um festival de cinema na cidade de São Paulo.
 
Em nota, o Programa Cinema do Brasil© e o Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) lamentou a morte do cineasta: “Cakoff abriu para muitas gerações a chance de conhecer um cinema que não chegava ao Brasil. Nos anos 70 e 80, a cidade de São Paulo não tinha a efervescência cultural de hoje e simplesmente os filmes não chegavam por aqui. Enfrentou a censura e o ‘bom mocismo”, apostava em novidades que, em alguns casos, seriam consagradas anos depois. Uma figura fundamental no cenário cultural da cidade e do país. Nascido na Síria, Cakoff chegou ao Brasil aos oito anos de idade e dedicou a sua vida ao cinema. Influenciou várias gerações de cinéfilos e colocou São Paulo no mapa das grandes cidades que tem uma perspectiva cinematográfica própria, com foco no debate, na crítica e na produção de filmes. Aos familiares, amigos e colegas, o nosso sincero pesar.”
 
Homenagem
 
 A TV Cultura vai reapresentar nesta sexta-feira, 14, às 22h, uma entrevista com Leon Cakoff no programa “Provocações”. Em seguida, às 22h30, a apresentadora Marina Person faz uma homenagem a Leon Cakoff. Na sequência, será exibido o filme “O Escafandro e a Borboleta”, que integrou uma das edições da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.