Morre Abdias Nascimento


24/05/2011


O jornalista e ex-senador Abdias Nascimento, associado da ABI desde 1948, morreu na noite desta segunda-feira, 23, aos 97 anos. Ele estava internado no Hospital dos Servidores, no Centro do Rio, há cerca de dois meses, com quadro de diabetes. Pioneiro na luta pelos direitos dos negros no Brasil, Abdias deixa a mulher Elisa Larkin e três filhos. O corpo deverá ser velado a partir das 18h, do dia 26, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e cremado no dia 27, às 11h, no Cemitério do Caju. Atendendo ao desejo de Abdias, suas cinzas serão lançadas na regilão que sediou o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas.

Abdias Nascimento nasceu em 1914, em Franca-SP. É formado em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro (1938) e pós-graduado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros(1957).

Em 1938, organizou o Congresso Afro-Campineiro e participou do primeiro movimento brasileiro de direitos civis, a Frente Negra Brasileira (1929-37). Fundou na Penitenciária de Carandiru o Teatro do Sentenciado (1943) e lançou o Jornal dos Prisioneiros.

Em 1944, criou o Teatro Experimental do Negro, no Rio, organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e editou o Jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro. À frente do TEN, Abdias organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro em 1950. Na imprensa, fundou o Jornal Quilombo e atuou como repórter do Jornal Diário e em dezenas de periódicos. 

Na Convenção Nacional do Negro (1945-46) propôs à Assembléia Nacional Constituinte a inclusão de um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de Lesa-pátria. Organizou a Conferência Nacional do Negro (Rio de Janeiro, 1949), e o 1º Congresso do Negro Brasileiro (Rio de Janeiro, 1950).

Atuou como curador fundador do projeto Museu de Arte Negra cuja exposição inaugural se realizou no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (1968). Manteve durante décadas contato com os movimentos de libertação africanos e com o movimento pelos direitos civis e direitos humanos dos negros nos Estados Unidos.

Alvo da repressão policial do regime militar, foi aos Estados Unidos em 1968. Não pôde retornar ao Brasil em razão do Ato Institucional nº 5. Durante 13 anos, viveu no exílio nos Estados Unidos e na Nigéria. Militante do antigo PTB, participou desde o exílio na formação do PDT.

Participou de inúmeros eventos internacionais e introduziu a população negra do Brasil em várias reuniões do mundo africano: 6o Congresso Pan-Africano (Dar-es-Salaam, 1974) e reunião preparatória (Jamaica, 1973); Encontro sobre Alternativas do Mundo Africano / 1º Congresso da União de Escritores Africanos (Dacar, 1976); 2º Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas (Lagos, 1977); 1o e do 2o Congressos de Cultura Negra das Américas (Cali, Colômbia, 1977; Panamá, 1980). Neste último, foi eleito vice-presidente e coordenador do 3o Congresso de Cultura Negra das Américas.

Ainda no exílio, desenvolveu extensa obra sobre temas da cultura religiosa da diáspora africana e da resistência do povo negro à escravidão e ao racismo.

Em 1978, voltou ao Brasil e participou de atos públicos e das reuniões de fundação do Movimento Negro Unificado contra o Racismo e a Discriminação Racial (MNU). Participou da criação do Memorial Zumbi, organização nacional de promoção dos direitos civis e humanos da população negra de todo o Pais. 

Em 1981, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros(Ipeafro), organizou o 3º Congresso de Cultura Negra nas Américas (1982), o Seminário Nacional sobre 100 Anos da Luta de Namíbia pela Independência (1984), e criou o curso Sankofa, ministrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1984-95). 

Iniciou a carreira política como Deputado federal pelo PDT de Leonel Brizola, de 1983 a 1987. Liderou em 1981, a criação da Secretaria do Movimento Negro do PDT.

 
Na qualidade de primeiro Deputado federal negro a dedicar seu mandato à luta contra o racismo (1983-87), apresentou projetos de lei definindo o racismo como crime e criando mecanismos de ação compensatória para construir a verdadeira igualdade para os negros na sociedade brasileira. 
Foi o primeiro Deputado Federal negro a defender a causa coletiva da população de origem africana no parlamento brasileiro (1983-86). Atuou em Luanda como consultor da UNESCO para o desenvolvimento das artes dramáticas e do teatro angolanos. Participou da diretoria internacional do Festival Pan-Africano de Cultura (FESPAC) e do Memorial Gorée, sediados em Dacar, Senegal. Participou da diretoria internacional fundadora do Instituto dos Povos Negros, criado em 1987 por iniciativa do Governo de Burkina Faso, com apoio da UNESCO.

Em 1991, tornou-se o primeiro senador afrodescendente a dedicar seu mandato à promoção dos direitos civis e humanos do povo negro do Brasil. O Governador do Rio de Janeiro, Leonel de Moura Brizola, o nomeou titular da nova Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (1991-1994). Assumiu em 1999 a nova Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Participou da organização da participação brasileira na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo (Durban, África do Sul, 2001) e no Fórum das ONGs dessa Conferência foi um dos palestrantes principais (Keynote Speaker).

Academia

Abdias do Nascimento é descrito como o mais completo intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX. É Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal da Bahia; Universidade de Brasília; Universidade do Estado da Bahia; Universidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, Nigéria.

É Professor Emérito da Universidade do Estado de Nova York (Buffalo,EUA), onde fundou a Cátedra de Culturas Africanas no Novo Mundo do Centro de Estudos Porto-riquenhos, Departamento de Estudos Americanos. Foi professor visitante na Escola de Artes Dramáticas da Universidade Yale (1969-70); Visiting Fellow no Centro para as Humanidades, Universidade Wesleyan (1970-71); professor visitante do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade Temple, Filadélfia (1990-91) e do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas da Universidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, na Nigéria (1976-77).

Recebeu título de doutor honoris causa pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em função da militância no combate à discriminação racial no Brasil. Professor benemérito da State University of New York, em 2001, o Centro Schomburg de Pesquisa das Culturas Negras, Biblioteca Pública Municipal de Nova York em Harlem, dedica-lhe o Prêmio da Herança Africana Mundial. No mesmo ano recebe o prêmio UNESCO na categoria “Direitos Humanos e Cultura” (2001). Dois anos depois, é agraciado com o Prêmio Comemorativo da ONU por Serviços Relevantes em Direitos Humanos. Em 2004, Ano Internacional de Celebração da Luta contra a Escravidão e de sua Abolição, a UNESCO cria o prêmio único Toussaint Louverture para homenagear Abdias Nascimento e Aimé Cesaire, pela luta contra a discriminação racial. Em 2006, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva o condecora com a Ordem do Rio Branco no grau de Comendador. Em 2007, o Ministério da Cultura lhe outorga a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural; Em 2008, o Conselho Nacional de Prevenção da Discriminação, do Governo Federal do México, outorga-lhe um prêmio pela prevenção da discriminação racial na América Latina. Dois anos depois, recebe do Ministério do Trabalho a Grã Cruz da Ordem do Mérito do Trabalho. 

Desenvolveu vasta produção intelectual como pintor, escritor, poeta e dramaturgo. É autor de dezenas de obras, entre as quais, “O quilombismo”; “Orixás: os Deuses vivos da África”; “A luta afro-brasileira no Senado”; “Brazil: mixture or massacre”; “Povo negro: A sucessão e a Nova República”,”Axés do sangue e da esperança: Orikis”; “Racial democracy” in Brazil: myth or reality”.

Democracia
 
O Senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou requerimento nesta terça-feira, 24, à Mesa do Senado pedindo voto de pesar pela morte de Abdias:
—Ele deixa a esposa Elisa Larkin, filhos e milhares de seguidores pelos quatro cantos do nosso país que reconheciam nele uma referência e o tinham como estrela guia de coragem e de dedicação aos direitos humanos. Abdias Nascimento não é um patrimônio só do Brasil. É de toda a humanidade. E faço de suas palavras um pouco das minhas: quando o assunto é a igualdade racial, o debate já é uma vitória!
 

DIV>Marta Suplicy (PT-SP) também lamentou a morte do colega:

—Ele foi um gigante na luta contra o racismo.
 
O Senador João Pedro (PT-AM) lembrou o papel de Abdias na luta pela democracia:
—Um grande brasileiro que teve ao longo de sua vida dedicação e compromisso com a luta em defesa do povo negro, e com a história social e política dos negros. Que não calou no período da ditadura militar.
 
O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro lançou no último dia 10, a primeira edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, que vai aplaudir a produção de conteúdos jornalísticos que contribuam para a prevenção, o combate às desigualdades raciais e a eliminação de todas as formas de manifestação do racismo. 
 
Criado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), o prêmio é uma das atividades da agenda carioca de eventos 2011, declarado Ano Internacional dos Afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas (ONU).  
A mesa de honra do evento contou com as presenças de Luiza Barrios, Ministra Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir); Ana Toni, representante da Fundação Ford; Elisa Larkin, mulher de Abdias, doutora em psicologia, professora e diretora do Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afrobrasileiros); Suzana Blass, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro; e Angélica  Bahsti, coordenadora do Prêmio e da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (Cojira-RJ). 
Na ocasião, Abdias foi homenageado com uma placa sobre a sua filiação ao Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, em 1941, que foi entregue ao seu filho Henrique Abdias e à Elisa Larkins, pelo ex-Senador e ex-Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio e membro da ABI, Carlos Alberto de Oliveira, o Caó. Abdias não compareceu à cerimônia por estar hospitalizado.
 
O poeta Ele Semog, biógrafo de Abdias, falou à ABI sobre a importância da trajetória do líder negro: 
—Abdias, de fato, é uma referência de luta do Movimento Negro do século passado, e continua sendo neste século e enquanto o racismo não for superado no Brasil. Ele conseguiu, ao longo de sua vida, nunca fraquejar em relação às lutas do povo negro. E também em relação à consciência de uma identidade racial de matriz africana, com a responsabilidade que ele tinha como cidadão na construção da democracia brasileira. O mais bonito da vida dele foi ter conseguido ser um líder quase que unânime para todos nós do Movimento Negro.

Em nota, o Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, lamentou a morte de Abdias: “Ele foi um grande homem e pioneiro na luta pelos direitos dos negros no Estado do Rio de Janeiro, servindo de exemplo para todo o país. Foi, durante toda a sua brilhante trajetória de vida, um ativista incansável. É incontestável que Abdias Nascimento tenha exercido papel fundamental na garantia dos direitos à população negra. A sua morte é uma perda para toda a sociedade, mas o seu exemplo e as suas conquistas serão para sempre reconhecidos”, diz o comunicado.
 
A Secretaria de Igualdade Racial divulgou comunicado sobre a morte do primeiro Deputado federal negro do País, no qual descreve Abdias do Nascimento como “grande ativista na luta contra o racismo e as desigualdades raciais no Brasil e no mundo”.
 
Veja a íntegra da mensagem da Ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Igualdade Racial:
“Faleceu hoje, no Rio de Janeiro, aos 97 anos, Abdias Nascimento, a maior liderança das lutas pelo fim do racismo no Brasil. Desde os primeiros anos de sua militância cultural e política antecipava temas que viriam a marcar a atuação do movimento negro de décadas depois: a violência policial contra os negros; a valorização da história, da memória e da cultura negras; a organização das trabalhadoras domésticas e a importância da imprensa negra  como fator de afirmação política.

Numa sociedade cuja história foi marcada por obstáculos à plena expressão dos talentos da pessoa negra, Abdias foi ator, artista plástico, poeta, jornalista e dramaturgo. Além disso, teve presença marcante como Senador da República, Deputado Federal e Secretário de Estado no Rio de Janeiro. Foi de sua autoria o primeiro projeto de lei sobre políticas afirmativas. 

Nos seus 12 anos de exílio, em conseqüência da ditadura militar, Abdias não só se tornou um porta-voz dos negros brasileiros no plano internacional, como forjou uma sólida perspectiva pan-africanista que, mais tarde, muito contribuiria para a articulação das lutas negras no Brasil com os processos de libertação dos países africanos e de afirmação dos direitos civis nos Estados Unidos. No retorno ao país, participou intensamente dos debates do período  de redemocratização oferecendo o Quilombismo como um projeto político dos negros para a sociedade brasileira. 

A trajetória de Abdias Nascimento é exemplo único de como aliar múltiplas formas de resistência ao racismo, mesmo em condições as mais adversas. Seu legado permanecerá em cada conquista das novas gerações de mulheres e homens negros, empenhados em realizar o que foi a essência de sua entrega à construção de um Brasil justo e racialmente democrático.” 

*Com o Globo, Agência Senado, SEPPIR.
 
 

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