Missa em homenagem a Maurício Azêdo é marcada pela emoção


Por Cláudia Souza e Igor Waltz

04/11/2013


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Parentes, amigos, colegas de profissão e admiradores do jornalista Maurício Azêdo  reuniram-se no final da manhã desta quinta-feira, 31, na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no Centro do Rio, onde foi celebrada a missa pelo 7º dia do passamento do Presidente da ABI.

O jornalista morreu no último dia 25, após sofrer uma parada cardíaca, no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio, onde ele estava internado há cerca de duas semanas.

Em clima de tristeza e emoção, os companheiros lembraram a densa trajetória de luta de Maurício Azêdo em defesa da democracia e do povo brasileiro.

Amparada pela filhas, Maria Ilka e Ana Luíza,  a mulher de Maurício, Marilka Azêdo, muito emocionada, destacou a coragem e o espírito combativo do companheiro nos momentos mais violentos e decisivos da história política do País:

— Maurício é o amor da minha vida e sempre dediquei cada momento de minha existência para apoiá-lo em sua batalha incansável pelo bem comum.

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A filha Maria Ilka lembrou que o espírito de generosidade e humildade do pai permeou toda a vida:

— Ele preservou sua essência de menino. Sua atuação na luta pelos Direitos Humanos mostra que ele nunca negou a origem humilde, pois foi através dessa vivência que ele compreendeu: todos merecem, acima de tudo, viver com dignidade. Acredito que essa foi sua principal bandeira durante a sua caminhada.

Os esforços de Maurício Azêdo em busca do fortalecimento dos direitos e das liberdades no País foram ressaltados durante a liturgia nas palavras do padre Luciano Borges Basílio, que frisou a dedicação ao próximo como o maior legado de Maurício Azêdo.

— Como não agradecer ao Senhor por uma vida como a de Maurício Azêdo? Um homem que lutou e que deixou de exemplo a todos que apenas lutando conquistamos qualquer coisa. Um garoto de origem humilde, que alcançou uma importante posição, fruto de seu esforço, e não se acovardou nem mesmo nos momentos mais sombrios da nossa História recente.

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União

Presente à missa, o funcionário mas antigo da ABI, Adalberto do Nascimento Cândido, carinhosamente conhecido como Candinho é, filho de João Cândido, heroi da Revolta da Chibata, movimento deflagrado em 1910 contra os castigos físicos impostos pelos oficiais aos marinheiros. Recentemente, Candinho completou 60 anos de trabalho na Associação. Neste período conviveu com presidentes importantes, como Herbert Moses, Barbosa Lima Sobrinho e Maurício Azêdo.

— Meu relacionamento com Maurício Azêdo e com sua família sempre foi muito próximo. Ele estava sempre pronto a ajudar as pessoas. A morte dele representou um duro golpe para mim. Lamentavelmente perdemos um herói que dedicou a vida ao povo brasileiro.

Apesar do clima de tristeza, Candinho acredita que a ABI vai retomar o seu papel de destaque na sociedade brasileira:

— Precisamos nos inspirar no caráter e na seriedade de Maurício Azêdo, um ser humano querido por todos. Tenho esperança de que as desavenças políticas vão acabar e de que todos permanecerão unidos pelo bem da ABI.

O sambista Monarco, que trabalhou na ABI durante a adolescência, na gestão de Herbert Moses, enfatizou seu carinho por Maurício Azêdo.

— Ele era um grande amigo para mim. Enquanto Presidente da ABI,  me rendeu uma bonita homenagem, que foi uma das mais emocionantes que  já recebi, pois veio de uma instituição onde eu trabalhei ainda garoto. Rezo para que a família dele encontre conforto.

 

Leia abaixo o texto de autoria de Maria Ilka Azêdo, filha de Maurício Azêdo, exaltando a trajetória do pai.

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“É difícil falar de alguém que era considerado um mestre na oratória. As palavras mal nascem e já tentam cumprir o desejo de serem bem sucedidas, seja como homenagem ou como forma de agradecimento. As pessoas presentes aqui nesse momento certamente tiveram papel importante na vida de Maurício Azêdo através de diferentes origens. As duas principais figuras que se construíram ao longo de sua vida foram a de homem público íntegro e a de jornalista que atuou em diversas frentes de luta e mobilização. Na linha entre as duas, estiveram inúmeras atuações, todas com uma mesma característica: o alto nível de comprometimento e identificação que ele tinha com o povo. Sua reivindicação comum dentro de ambas é um substantivo cheio de valor semântico: liberdade. Ela e todos os predicados que lhe são próprios: de expressão, de livre manifestação, de pensamento. Maurício Azêdo foi um homem em busca da liberdade sem adjetivos.

Agora eu gostaria de compartilhar um pouco com vocês o lado do Maurício que eu, como filha, conheci. O lado pessoa no sentido de indivíduo, outro que não o homem público. O que posso dizer de meu convívio é que mesmo quando estava fora do “horário de trabalho”, Maurício nunca tirou o seu pensamento do coletivo. Era um homem simples, sem grandes ambições materiais, e por essas mesmas razões sempre foi bastante generoso com os demais. Não foram poucas as vezes que escutei de pessoas que eu sequer conhecia: “Sou muito grato ao seu pai”. Com toda a suavidade que se deve aplicar ao termo, acho que meu pai teve muitas das características de um franciscano – humildade e generosidade.

Sei que muitos de vocês conheceram o Maurício com fama de brigão. Um filho de pernambucana arretada não poderia fugir à sua filiação. No entanto, ao longo desses anos em que ele me criou, sempre me tratou com imensa doçura. Não havia um dia em que, quando chegava em casa e eu lhe perguntava como estava, ele não me dissesse em meigo tom: “Melhor agora, que você chegou”. Meu pai me convenceu de que era realmente fiel aos princípios de Ernesto: endurecia, mas não perdia a ternura.

Prova de sua sensibilidade é que adorava poesia. Já quase aos 80 anos, ainda conseguia declamar perfeitamente os sonetos aos quais havia sido apresentado no sexto ano, na aula do professor Serafim, de cujo nome ele também não esquecia. Podia recitar com vigor Antero de Quental, Fernando Pessoa ou Cecília Meireles. Gerava real comoção em quem estava presente. Um de seus poemas favoritos era “Ode ao Dous do Julho”. Maurício sempre se emocionava ao ouvir os seguintes versos: “Lá do campo deserto da batalha, uma voz se elevou clara e divina. Eras tu – liberdade peregrina! Esposa do porvir – noiva do sol”. Naquela combinação de palavras, Castro Alves acertava em cheio o seu coração.

Aliás, coração é um tema peculiar na vida de Maurício. Flamenguista enérgico, já foi personagem de algumas das célebres histórias que se contam sobre o jornalismo e o futebol dos velhos tempos. Épocas de Maracanã com capacidade para 200 mil pessoas, momentos da história que dificilmente se repetirão. A dona do coração rubro-negro era Marilka, esposa devotada que esteve incansável ao seu lado até seus últimos suspiros de vida. Ela faz uma reparação ao extinto ditado “Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Marilka, que mais do que esposa, foi uma parceira, conclama uma verdadeira justiça linguística: É – ao lado – do grande homem que está a grande mulher.

Já quase no fim de minha fala, volto ao falar do Maurício menino, pois acredito que ele preservou a sua essência. Nunca deixou de ser aquela criança cujo caderno escolar era feito de papel de embrulhar pão; menino que trocava de sapatos com o irmão na estação de trem. Sua atuação na luta pelos Direitos Humanos mostra que ele nunca negou as origens humildes, pois foi através dessa vivência que ele compreendeu: todos merecem, acima de tudo, viver com dignidade. Acredito que essa foi sua principal bandeira durante a caminhada.

Tendo sido sempre coerente com seus ideais, Maurício deixou a marca de que, frente a tudo que hoje acontece em nossa sociedade e em nosso mundo, ainda é possível existir um homem digno, SIM! Amante da literatura e do jornalismo, nos deixou um grande acervo. Mas em nosso favor, foi legada uma biblioteca ainda mais significativa: um extenso rol de bons exemplos. Eu e minha irmã Ana Luísa, sua filha caçula, compartilhamos uma certeza: a de que queremos seguir o caminho do nosso pai, em busca da verdade e do bem.

Uma insuficiência cardíaca começou a comprometer a trajetória de lutas, e foi assim que terminou a sua história. O corpo de Maurício passou a carregar o símbolo daquilo que eu, Maria Ilka, acredito ser a base do seu espírito: um coração enorme.

Agradeço a presença de todos vocês que estiveram na jornada do meu pai. Vocês foram fundamentais nessa caminhada. Peço que nos ajudem a preservar a memória de Maurício Azêdo!

Maria Ilka Azêdo

Rio de Janeiro, 31-10-2013”