Mídia e censura em debate no Rio


03/05/2010


Hérnan Verdaguer, Carlos Alberto Zuloaga, Emilio Palácio e Ricardo Gandour

O quadro de restrições e ameaças à liberdade de imprensa na América Latina foi o tema central do Seminário “Liberdade de Expressão” realizado na manhã desta segunda-feira, 3 de maio, dia Mundial da Liberdade de Imprensa, no auditório da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

O seminário contou com a participação de convidados do Brasil e do exterior como Carl Bernstein, que denunciou o escândalo Watergate com seu colega Bob Woodward, que provocou a renúncia do Presidente Nixon; Carlos Alberto Zulouaga, Vice presidente de operações da Globovision Venezuela; Emílio Palácios, do jornal, El Universo; Hérnan Verdaguer, do jornal Clarín, da Argentina; Jayme Sirotsky, do Grupo RBS, do Rio Grande do Sul; e Ricardo Gandour, de O Estado de S.Paulo.

O evento foi organizado pela Emerj, com a colaboração da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner). Durante o encontro foi prestada uma homenagem especial ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, em decorrência da sua atuação na Corte Suprema e como relator da ação judicial que revogou a Lei de Imprensa, instituída pela ditadura militar. Em seu discurso de agradecimento ele disse que “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade”:
— Acabou a censura prévia no Brasil e isso nos coloca na linha de frente dos países que fazem caminhar juntas liberdade de imprensa e democracia. Quanto maior a liberdade de imprensa, mais densa a democracia, disse o ministro.

Além dos jornalistas convidados como palestrantes, estiveram presentes também ao seminário, o Vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, o Ministro Carlos Ayres Britto, e o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Luiz Zveiter. Representando a ABI, compareceu ao seminário o Conselheiro Arcírio Gouvêa Neto, também é membro da Comissão de direitos humanosde liberdade de expressão da Casa.

De acordo com o Diretor-geral da Emerj, Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, o momento para a realização do seminário não poderia ser o mais apropriado:
— Diante dos preocupantes sinais emitidos por Governos autoritários de alguns países da América do Sul, todos apontando para o cerceamento da liberdade de imprensa, a tão duras penas conquistada em nossos quadrantes, e que constitui, sem sombra de dúvida, um dos mais caros bens imateriais do patrimônio da universalidade dos cidadãos, afirmou o Desembargador.

Riscos

Mediador do painel “O cerceamento às liberdades de expressão na América Latina”, Ricardo Gandour, Diretor de Conteúdo do jornal O Estado de S.Paulo — que continua sob censura prévia por ordem judicial — disse que o progresso de uma nação não pode ficar atrelado apenas ao progresso econômico:
— Vivemos no Brasil uma situação plena de liberdade de imprensa, com problemas sensíveis e ameaças episódicas pontuais que requerem atenção. Temos que ter atenção ao risco de em um país emergente passarmos a confundir progresso apenas com o progresso econômico. A real possibilidade da fluidez de idéias de várias origens ter que ser preservada.

O painel teve como debatedores os jornalistas Carlos Alberto Zuloaga, do canal Globovision (Venezuela), Emilio Palácio, do jornal El Universo (Equador) e Hernán Verdaguer do Clarín (Argentina) apresentaram um panorama dos dramas vivenciados por jornalistas e veículos de comunicação em seus países, por força de cerceamentos á liberdade de imprensa.

Hernan Verdaguer iniciou o seu discurso dizendo que gostaria de compartilhar com o público presente a experiência vivida na Argentina nos últimos anos, onde, segundo ele, o enfrentamento do Governo contra a imprensa independente vem crescendo.

O jornalista argentino disse que o Governo da Argentina vem exercendo uma “pressão oficial e política contra os veículos de comunicação, principalmente na distribuição da publicidade oficial”. Verdaguer apresentou um vídeo com discursos da Presidenta Argentina Cristina Kishner contra os meios de comunicação, em particular contra o jornal Clarín.

Em seguida falou sobre os efeitos da nova legislação que regula a comunicação no país:
— A lei é um controle muito forte do Governo aos meios de comunicação, somente os veículos estatais preponderam nas mensagens veiculadas em cadeia nacional sem restrições. A legislação atenta contra a indústria nacional dos meios de comunicação. A limitação à produção de conteúdo é um afronta. A cláusula que limita a produção dos grupos midiáticos não tem precedente em outro lugar do mundo. Sem meios sustentáveis não existe imprensa independente”, afirmou Hernan Verdaguer.

Restrições e ameaças

Convidado para participar da mesa que debateu o cerceamento á liberdade de expressão e de imprensa, Gillero Zuloaga, dono da Globovision, único canal aberto da Venezuela, não pode comparecer ao evento porque está proibido de deixar o país. Em março do ano passado ele foi preso e ficou detido por mais de oito horas, porque fez críticas ao Governo Hugo Chavez, acuando-o de perseguição aos meios de comunicação. Em seu lugar, Gillermo enviou seu filho, Carlos Alberto Zuloaga.

Vice-presidente de Operações da Globovisión, Carlos divulgou números de ataques sofridos por jornalistas na Venezuela. Segundo ele somente no ano passado foram registrados 110 ataques a repórteres, e um total de 29 veículos foram atingidos. Segundo ele a perspectiva é de que esse número aumente no decorrer de 2010:
— Buscam controlar e limitar essas opiniões porque sabem que vão haver conseqüências dessas expressões. O mais grave é que esse tipo de coisa gera uma autocensura.

Já o equatoriano Emilio Palácio — que está sendo processado pelo sob acusação de ofensa a uma autoridade pública, no caso o presidente Rafael Correa — disse que houve um tempo no Equador em que a imprensa tinha liberdade e independência junto ao poder político.

Citando o caso da sua prisão e o processo ao qual responde, Emilio Palácio disse que atualmente o Governo equatoriano personaliza os ataques a jornalistas e meios de comunicação, diferentemente do que acontece na Venezuela e na Argentina:
— Correa fechou rádios indígenas e depois teve que voltar atrás devido às reações negativas. Todas as suas ofensivas contra a liberdade de imprensa tiveram uma reação. Mas se eu for condenado ele vai mostrar à opinião pública que tem respaldo para manter a sua posição. Por isso ele tenta dar exposição pública ao processo.

Controle

Carl Bernstein

Último debatedor a se apresentar no seminário, Carl Bernstein fechou o debate com uma palestra sobre o tema “Tendência mundial de controle da comunicação”. Segundo ele o processo de desencadeamento de cerceamento aos meios de comunicação não se restringe à América Latina, é um fenômeno mundial, que ocorre inclusive nos Estados Unidos.

O famoso repórter disse que no desfecho do caso Watergate, que levou à renúncia do então Presidente Nixon, deve-se ressaltar a conduta do jornal Washington Post que enfrentou a intimidação da Casa Branca e divulgou o relatório do caso, e obrigou o sistema americano de defesa das liberdades, representado pelo Congresso, a funcionar, quando um juiz federal concluiu que “nenhum cidadão americano está acima da lei”.

Bernstein citou a primeira Emenda dos Estados Unidos, que proíbe a censura à liberdade de expressão e de imprensa, na qual a Justiça se baseou para julgar o caso Watergate:
— Esse é o coração da nossa democracia, tentaram minar essa democracia, mas não conseguiram. Esse direito para uma imprensa livre e independente está sacramentado na nossa cultura e em instâncias legais.

Carl Bernstein disse que aprendeu esses princípios quando iniciava a carreira de repórter:
— Há 50 anos no jornal Washington Star eu aprendi o que tem de sublime no nosso trabalho é informar o público, que a imprensa existe para o bem público, com a função de dar ao leitor a melhor visão possível da realidade, um conceito simples e difícil de acordo com o comprometimento dos executivos da mídia.

Lembrando que em alguns países o acesso à Internet ainda é restrito ou até proibido, Bernstein disse que o novo modelo de cerceamento à liberdade de imprensa é online:
— Jornalistas da internet estão mais presos do que qualquer outro tipo. Eles podem voar, o que eles escrevem não pode ser interceptado facilmente.