Medo de morrer


02/06/2021


Por Norma Couri, diretora da ABI


Execução primária, racismo, violência e execução contra pessoas de origem africana que sobrevivem na extrema pobreza: foram essas as denúncias que a Comissão Arns enviou às Nações Unidas para pedir ontem uma investigação independente urgente da chacina do Jacarezinho que deixou 28 ou 29 mortos embora o governo só considera o termo “execução” no caso do policial morto na ação. Este o retrato que o Brasil tem lá fora, um país de cadáveres, da Covid por displicência ou do abuso de policiais cobertos pela política genocida. Imagem tétrica que só se agrava com o desrespeito às áreas dos indígenas protegidas e a todas as 3,5 mil comunidades quilombolas depois que o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, revogou ontem a Instrução Normativa de 31 de outubro de 2018 que definia proteção ambiental nesses territórios.

“A situação é grave, a Polícia Civil já está pedindo o arquivamento da chacina da comunidade do Fallet, que foi nosso primeiro caso de denúncia pelas 15 mortes em 2019, e tememos que o mesmo possa acontecer com o Jacarezinho”, diz Laura Greenhalgh, jornalista e diretora executiva da Comissão Arns.

A petição foi encaminhada ontem e a Comissão prevê o pior se a sociedade civil não estiver alerta em relação às omissões e agressões crescentes do governo. “Temos que fazer as instituições funcionarem no Rio de Janeiro, trabalhando junto com órgãos como a OAB e outros que lutam pela democracia e antes que isso se esgote estamos apelando para as organizações internacionais”, diz Laura.

O ex-ministro da Fazenda, Luis Carlos Bresser Pereira, membro da Comissão, cita o ciclo infernal que envolve o Brasil desde que o presidente Bolsonaro foi eleito.

“O país já estava conquistando uma posição melhor em relação aos Direitos Humanos mas depois da posse deste governo estimulador de violências, abrindo guerra nas favelas, tudo vem piorando. Está mais do que claro que o problema é político, e a lógica da polícia é a da violência na Fallet, no Jacarezinho”.

Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena lastima até hoje não sabermos o número exato dos mortos no Jacarezinho – 28? 29? –, apenas que a justificativa usada foi o aliciamento de jovens e crianças para o tráfico de drogas.

“Assim foi feita a chacina, todos negros ou pardos, a maioria muito jovem, e apenas três deles tinha passagem pela polícia. Assim mesmo, o presidente Bolsonaro parabenizou a operação. A operação foi uma forma de zombar da Suprema Corte e da determinação de limitar as operações para casos especiais, e acompanhadas do Ministério Público”

A Comissão é contra qualquer tipo de discriminação, de povos indígenas, comunidades LGBT+, da população negra. O reitor e acadêmico da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, reclama da prática comum na polícia de “atirar primeiro, perguntar depois”.

“Medo e racismo estruturado define o que envolve o negro brasileiro, que não tem direito à cidadania. A juventude negra é o alvo preferencial, basta ver que quase 70 % das pessoas recolhidas nos cárceres são negras – sendo que os negros somam 50% da população”.

A grande maioria dos pobres brasileiros é formada de negros, ocupantes dos morros, das comunidades, alvo do olhar discriminatório da polícia e da violência.

“A polícia transgride, ataca, estão diante de ‘suspeitos’, ‘marginais’, ‘é tudo bandido’”.

Assim, até hoje, quase um mês depois do 6 de maio,  não se conhece os detalhes dessa operação, acobertada e permitida.

Luis Carlos Bresser Pereira comenta os 118 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro engavetados no Congresso.

“Enquanto o presidente tinha apoio de 30%  dos brasileiros estava mais difícil, mas agora, depois das manifestações desse 29 de maio, a popularidade dele está caindo, e até as benesses compradas no Congresso têm um limite. Ou seja, ficou mais fácil. A Comissão não pode muito mas insiste, já encaminhou seus crimes de responsabilidade ao Tribunal Internacional de Haia. A Comissão Arns está presente , faz parte dessa luta”.