Marco Morel lança livro sobre corrupção


31/07/2012


O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará nesta quinta-feira, dia 2 de agosto, o julgamento de 38 acusados, entre ex-ministros, ex-deputados, empresários e banqueiros, suspeitos de envolvimento no maior escândalo de corrupção na política brasileira, conhecido como o caso Mensalão.
 
Nesta data emblemática, o jornalista, historiador e pesquisador Marco Morel, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lança às 19h, na Livraria Argumento (Rua Dias Ferreira, 417, Leblon), o livro “Corrupção – Mostra a sua Cara” (Casa da Palavra), no qual apresenta estudo sobre a corrupção no Brasil desde o início da colonização até os dias atuais, incluindo episódios notórios, personagens que acumularam práticas ilícitas, e uma galeria de cidadãos de reconhecida trajetória no combate à corrupção. Fotos, charges e cartuns ilustram a obra e acentuam o viés crítico da pesquisa.
 
No texto de apresentação, Maurício Azêdo, Presidente da ABI, destaca a relevância histórica do livro e a urgência do debate em torno do tema:
-Marco Morel faz aqui um mergulho no Brasil Contemporâneo, relatando os acontecimentos que marcaram as últimas décadas da vida nacional no campo político e social, em que não foram poucas nem isoladas as manifestações de desapreço à coisa pública e à ética no exercício das funções que deveriam ser honradas e dignificadas e não o foram. Sem falso moralismo, Morel disseca com visível rigor crítico estes tempos em que a improbidade caminha à solta, sem que a cidadania encontre consolo de perspectivas de extinção desses hábitos e de punição de seus agentes mafiosos.
 
O convite para escrever sobre a corrupção no Brasil representou um importante desafio, explica Marco Morel:
—O livro foi uma proposta da Editora Casa da Palavra, aceitei o desafio, mesmo não sendo, até então, minha área de estudos. Pesquisa e redação duraram cerca de um ano. Não realizei nenhuma entrevista. Na verdade é um trabalho de historiador, com estilo jornalístico, entre crônica e noticiário histórico, fora dos padrões acadêmicos. Há muito besteirol histórico publicado por aí fazendo sucesso, como os trabalhos de Laurentino Gomes e Eduardo Bueno. Mudei a linguagem, mas não abri mão dos conhecimentos que adquiri. Baseei-me em documentos dos séculos XVI a XVIII, publicados em livros, bem como em jornais do século XIX, sobretudo os ilustrados. Para o século XX, recorri à minha memória e complementei com novas pesquisas em jornais e livros. Alguns poucos casos em que não tive elementos para fazer denúncias, redigi como ficção. Tive total liberdade de escrever o que quis, a relação com a Editora foi ótima. A publicação tem muitas imagens interessantes, pesquisadas pela historiadora Renata Santos.  
 
Em destaque na capa do livro, a frase de Luís Fernando Veríssimo ”Esse estranho país de corruptos sem corruptores” resume um ponto essencial da corrupção, mas não toda a sua complexidade, analisa Marco Morel:
—A ocultação ou proteção dos agentes corruptores indica algo. A meu ver, não basta acabar com a corrupção (sonhar não custa!) para termos uma sociedade mais justa. A corrupção é causadora, mas também causada pela injustiça, desigualdade e violência. É importante combater ambas, a desonestidade e a desigualdade social.
 
O contexto histórico e sociocultural brasileiro foi determinante para o acúmulo de casos de corrupção ao longo da história do País, frisa o autor:
—A corrupção é um problema da espécie humana, não dos brasileiros apenas. Em cada sociedade ela assume formas, dimensões e características próprias. Em alguns países há mais mecanismos de controle, em outros a corrupção tem pouca visibilidade. Não entendo tal fenômeno como característica genética e hereditária, mas, sim,  historicamente constituído. A corrupção no Brasil tornou-se uma tradição cultural, política e econômica relacionada às formas de exploração e controle do período colonial. Depois foi parte integrante da formação do Estado nacional, de seu modo de funcionar. Mas não há uma linha de continuidade imutável ao longo do tempo, das supostas origens até hoje. O que era ilícito num período, não é em outro. Não adianta jogar a culpa toda no passado. A corrupção é reinventada em cada época.
 
Os episódios de corrupção envolvendo malversação do dinheiro público e o famoso jeitinho brasileiro nortearam os critérios de seleção dos casos observados no livro:
—Se eu fosse fazer uma história da corrupção no Brasil… eu não conseguiria realizar! Seria, infelizmente, uma enciclopédia com dezenas de volumes inacabados… Fiz alguns recortes. Considerei dois tipos de corrupção: mau uso do dinheiro público e pequenos comportamentos do dia a dia, arraigados em nossas vidas. A partir daí tirei alguns padrões: figurinhas carimbadas como Adhemar de Barros e Paulo Maluf mas, também, o envolvimento de Carlos Lacerda com o jogo do bicho, apesar da postura moralista que ele sempre assumiu. Há vários indícios de que o bicheiro Raul Barulho financiou a campanha de Lacerda ao governo da Guanabara.
 
Para citar exemplos representativos da corrupção no Brasil, o autor buscou referências em sua prática de pesquisa e nas reportagens de seu avô, Edmar Morel, um dos jornalistas mais combativos da história da imprensa brasileira, e de seu pai, o também jornalista Mário Morel.
—Fugi da lógica dos “grandes escândalos” e das revelações bombásticas, que já não constituem novidade, somos com frequência bombardeados com esse tipo de notícia. O conteúdo do livro se restringiu a meu próprio universo de pesquisa, dentro dos critérios que falei. Citei casos de corrupção corrosiva, isto é, com dimensão social, como desvio de verbas para remediar a grande seca de 1877 e das secas de 2011, já no governo Dilma. Citei a famosa reportagem sobre a égua Farpa, de meu avô Edmar, quando havia racionamento de leite para toda a população, menos para os cavalos do Jockey Clube Brasileiro. Lembrei da matéria feita por meu pai Mário sobre a corrupção na polícia, um dos principais escândalos do governo JK, quando pela primeira vez se comprovou tal prática através da imprensa. Sem esquecer a marcante confusão entre público e o privado, incluindo situações bem atuais, como a maneira de se conduzir no trânsito, ou o plágio nos trabalhos escolares e universitários.
 
O compromisso com os valores democráticos e de incentivo à cidadania pode viabilizar o combate à corrupção no Brasil a partir de esforços isolados e iniciativas de grande mobilização social, sublinha Marco Morel:
—Vivemos numa sociedade de consumo onde tudo pode se tornar descartável, inclusive os afetos, as memórias e as informações. Não adianta jogar toda a culpa apenas nos “políticos” lá de cima. Cada um de nós é político em sua área de atuação pessoal. Não tenho uma fórmula ou solução para problema tão vasto, e acho pouco provável que alguém tenha. Em linhas gerais, vejo que as transformações só podem vir da sociedade, não de governos ou Parlamentos. A partir de tomada de consciência coletiva e mobilização efetiva, podem surgir esperanças. Há também uma tradição anticorrupção no Brasil que precisa ser levada em conta, assinalo isso no livro, que termina com uma lista de pessoas, notórias ou anônimas, que tiveram oportunidade para se apropriarem do dinheiro alheio e não o fizeram. A lista é encabeçada pelo nosso saudoso Barbosa Lima Sobrinho. E tive o orgulho do Prefácio do livro ter sido escrito pelo jornalista Maurício Azêdo, presidente da ABI, que leva adiante esta linhagem democrática e ética.
 
O autor assinala ainda o papel decisivo da imprensa no combate à corrupção através do exercício pleno da liberdade de expressão:
—Nós jornalistas temos esta responsabilidade. Hoje em dia a liberdade de imprensa se confunde, em certos espaços, com o laissez-faire de grandes empresas de enormes negócios, articuladas a grupos políticos conservadores. Estão preocupadas com o monopólio da informação e em vender visão de mundo única e fechada. Ainda assim, a liberdade de expressão, repito, é crucial. Como diziam os anarquistas na Guerra Civil espanhola, “el bien más preciado es la libertad”. Os jornalistas, como seres humanos, não estão imunes às contradições. Conto no livro o caso da primeira caricatura impressa no Brasil, em 1837: retrata o brilhante jornalista e escritor Justiniano José da Rocha recebendo dinheiro para escrever a favor do governo – o que na época, parece, causava escândalo. Justiniano acabou admitindo que era pago por ministros para redigir jornais, algumas vezes recebeu o pagamento em escravos africanos. Trazendo para os tempos atuais, existe o risco do cinismo e do pessimismo crônicos (embora às vezes compreensíveis), mas isto decorre da sociedade de consumo e da defesa dos padrões capitalistas que buscam desmobilizar as pessoas e roubar-lhes a esperança. As medidas governamentais e parlamentares neste sentido, hoje, são restritas e insuficientes. Mas concordo com o poema de Bertolt Brecht, “nada é impossível de mudar”. Como historiador, avalio que os livros não fazem revoluções, mas podem, quem sabe, ajudar na mobilização de consciências. Um livro é sempre uma contribuição limitada, mas faz parte de um momento, de um contexto em que cresce a insatisfação com a corrupção no Brasil. Pode ser um bom começo.