Manifestação contra Marcos Feliciano


Por Cláudia Souza*

26/03/2013


Um ato público reuniu na noite desta segunda-feira, dia 25, na ABI, artistas, parlamentares e lideranças religiosas de vários segmentos em protesto contra a permanência do Deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Durante o evento, realizado no Auditório Oscar Guanabarino, que reuniu mais de 600 pessoas, foram recolhidas assinaturas para um abaixo-assinado entregue nesta terça-feira, 26, ao Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
A mesa de honra do encontro foi formada por dezenas de pessoas, entre as quais Ivanir dos Santos, Presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, e do  Centro de Articulação de População Marginalizadas(Ceap); o Deputado estadual Marcelo Freixo(PSOL); o Deputado federal Jean Wyllys(PSOL); Mario Augusto Jakobskind, membro da Comissão de Direitos Humanos da ABI; Modesto da Silveira, Conselheiro da ABI, membro da Comissão de Ética da Presidência da República; Marcelo Chalreo, representante da OAB-RJ; Kátia Regina Vieira, do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro; Carlos Nicodemos, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos; Amauri Mendes, militante do Movimento Negro; os artistas Caetano Veloso, Dira Paes, Leandra Leal, Wagner Moura, Rita Benneditto, criadora do projeto musical vinculado às tradições religiosas afro-brasileiras; o indígena Daniel Puri, represente da Aldeia Maracanã; os Deputados federal Chico Alencar (PSOL) e Érika Kokay(PT), o Deputado estadual Alessandro Molon(PT), o pastor presbiteriano Marcos Amaral, a representante da religião umbandista Marilene Mattos, representantes budistas; o padre Ricardo Rezende, professor da UFRJ, membro do Movimento Humanos Direitos; o pastor Henrique Vieira, representante da Igreja Batista e vereador(PSOl); Carlos Tufvesson, Coordenador do Ceds(Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual); Cláudio Nascimento Silva, Superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do RJ.
Ivanir dos Santos abriu o encontro saudando as centenas de pessoas que lotaram o Auditório Oscar Guanabarino e chamou a atenção para a importância do ato público.
— Este grupo representado pelo pastor Marcos Feliciano tem um projeto fascista para o Brasil. É necessário que a sociedade se mobilize. Não se trata de disputa religiosa e sim de preservação das liberdades. Por isso, nós, integrantes da Comissão de Combate à intolerância Religiosa, nos unimos à organização deste ato. Gostaríamos de aproveitar o momento para informar que no próximo dia 7 de abril, às 10h, será realizada uma grande manifestação pelo combate à intolerância religiosa, com concentração no Posto 6, na Praia de Copacabana.
Em seguida, Ivanir dos Santos passou a palavra ao jornalista Mario Augusto Jakobskind, membro da Comissão de Direitos Humanos da ABI.
— A Associação Brasileira de Imprensa se sente muito honrada em sediar um ato desta natureza. A Associação, que vai completar 105 anos, tem participado de acontecimentos históricos em defesa da liberdade de expressão, e, neste sentido, não poderia deixar de apoiar este ato. É lamentável que cerca de cinco décadas após o golpe de 1964, precisemos nos manifestar publicamente contra este tipo de arbítrio, que é a presença na Comissão de Direitos Humanos da Câmara deste personagem, não pela sua figura pessoal, mas por tudo o que representa. Aproveito o momento para convidar a todos para a comemoração dos 105 anos da ABI, no dia 8 de abril, com um show quer contará com a participação do cantor e compositor Monarco, e no dia 9, para o seminário “Direitos Humanos – Ontem e Hoje”.
Na sequência, o pastor Marcos Amaral falou sobre os desafios a serem conquistados na busca por uma sociedade plural:
— Os evangélicos precisam entender que a face mais externa é o amor, e que a face mais visível do amor, através de Deus, é a justiça. Não há amor sem justiça. Se a igualdade e a verdade, filhas do amor, não conseguem se fazer ouvir, é preciso lançar mão da justiça. Os seguimentos mais variados da sociedade brasileira estão reunidos aqui neste ato para que possamos clamar por igualdade e respeito. Todo aquele que, como o pastor Marcos Feliciano, evoca palavras contra tudo isso, não tem o Cristianismo como sua base. Precisamos lembra que a pluralidade é vital, e que os homossexuais são como todos nós, assim como os negros, brancos, artistas, policiais, mulheres, homens, nordestinos.
A cantora Preta Gil destacou as conquistas históricas pelos direitos humanos fortalecidos na luta contra o regime militar no Brasil.
— Os jovens dos anos 1960 e 1970 lutaram contra a ditadura e a intolerância. Este exemplo manteve acesa a chama da liberdade. Considero a minha geração muito estagnada e comprometida com valores que não compartilho. Fico feliz em participar deste ato na minha condição de negra e bissexual. Eu não sou a minoria. Vejo mulheres como eu todos os dias. Estou nesta luta ao lado de todos vocês. Não podemos nos calar neste momento.
Marilene Mattos, representante da religião umbandista, aplaudiu o discurso de Preta Gil, e defendeu a mudança na construção do discurso pelos direitos humanos.
— Como disse Preta Gil, não me considero minoria. Sou umbandista com muita honra. A nossa posição não é contra a pessoa do pastor Marcos Feliciano, mas contra as atitudes. Queremos mudanças nas palavras, na maneira de agir. Não existe intolerância religiosa, mas sim maus líderes religiosos. Jesus Cristo morreu na cruz para unir os homens, entretanto, alguns líderes religiosos querem nos desunir. Não permitamos!
Marcelo Chalreo, representante da OAB-RJ, também repudiou o nome de Marcos Feliciano à frente da Comissão dos Direitos Humanos:
— Lamento que o Congresso brasileiro tenha chegado ao fundo do poço com a escolha de um cidadão como Marcos Feliciano para presidir uma das comissões de maior importância na Câmara dos Deputados. Estamos aqui para registrar o nosso profundo e total inconformismo com a eleição deste senhor. Gostaria de registrar que nós não toleramos a intolerância.
Legislativo
O cantor e compositor Caetano Veloso agradeceu o convite para participar da manifestação e sublinhou a relevância do Legislativo para os avanços democráticos:
— Estou muito honrado em participar deste ato. Gostaria de dizer que é muito óbvio o motivo que nos reúne. Não é possível que esta Comissão de Direitos Humanos do Congresso esteja sendo dirigida por um pastor que expressou nitidamente a intolerância, tanto de ordem sexual quanto de ordem racial. Precisamos estar unidos para defender o que significa termos um Congresso. O maior perigo que tudo isso traz é levar o povo brasileiro a desprezar o Legislativo, criando uma má interpretação do que seja a democracia. Nós estarmos reunidos hoje para dizer que no Congresso não se pode fazer coisas absurdas, e que nós não queremos viver sem um Congresso.
Um dos organizadores do ato público, o Deputado federal Jean Wyllys, afirmou que a eleição de Marcos Feliciano para a Comissão dos Direitos Humanos representa um retrocesso histórico para o País:
— Gostaria de iniciar o meu discurso agradecendo a presença na plateia de Ciro Barcelos e de Bayard, que acabaram de montar o Dzi Croquettes, espetáculo significativo pela força política que conserva. Apesar da redemocratização do País, vivemos novamente um momento de ameaça às liberdades individuais. A ideia deste evento surgiu de conversas minhas com Marcelo Freixo diante das interpelações das pessoas sobre como se posicionar diante desta questão.
Para o parlamentar, a presença de Marcos Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos trouxe à tona um discurso velado:
— Esta retórica já existia nos subterrâneos em defesa do fundamentalismo religioso, que sempre injuriou e atacou sobretudo os adeptos de religiões de matriz africana, com um componente racista neste ataque, e a comunidade LGBT. Os homossexuais são historicamente odiados até nos setores seculares, até por pessoas que não são religiosas. Esta campanha contra mim nas redes sociais é uma tentativa de voltar ao embate entre religiosos e LGBT. Quem bom que o pastor Marcos Feliciano expressou o seu racismo revelando a injúria e a difamação que estamos sofrendo.
Jean Wyllys criticou os parâmetros que definem a atual agenda política no Congresso Nacional:
— Gostaríamos de destituir Marcos Feliciano da Comissão e reequilibrar as proporções entre os partidos e as visões de mundo dentro da própria Comissão. Atualmente o PSC tem cinco vagas titulares e quatro suplências na Comissão dos Direitos Humanos. Somando com as vagas dos outros partidos que abrigam fundamentalistas religiosos, resulta um total de 11 deputados num cenário de 18 membros. Ou seja, uma visão majoritária de mundo é imposta por uma Comissão que sempre se dedicou à defesa dos direitos das minorias. Um dos objetivos da República é a promoção do bem de todos, sem discriminação. É preciso que as minorias sejam respeitadas em suas diferenças e que o acesso ao direito seja igualitário. A presença de Marcos Feliciano, suas declarações públicas e sua atuação legislativa negam os objetivos da República. Todos nós que acreditamos no direito à vida, à liberdade e à felicidade temos de nos opor e lutar pela saída dele da Comissão.
Federação Israelita
Em razão das celebrações da Páscoa Judaica, no dia 25 de março, representantes da Federação Israelita enviaram um documento, especialmente redigido para o ato público na ABI, se posicionando contra a permanência do pastor Marcos Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara.
Após a leitura do texto, muito aplaudido pelos presentes, o Padre Ricardo Rezende observou que a postura do pastor Marcos Feliciano, não sintetiza, em sua opinião, o pensamento da sociedade brasileira:
— O que nos une neste momento é a compreensão de que somos iguais. Marcos Feliciano fala em nome do mesmo Jesus em quem acredito, mas temos uma forma muito diferente de compreendê-lo. Jesus foi julgado e condenado no tribunal religioso e no tribunal político-militar. Marcos Feliciano lê a Bíblia de uma forma fundamentalista e todo fundamentalismo é perigoso. Não aceitar o outro em sua diferença é sempre uma tragédia. Jesus nos ensinou a aprender com a diferença.
Fundadora da ONG Movimento Humanos Direitos, a atriz Dira Paes falou em seguida sobre o seu trabalho como militante pelos direitos humanos e a proximidade com os problemas que atingem as populações menos favorecidas:
— O que mais tem me tocado é como a expressão “minoria” vem sendo tratada pela Comissão de Direitos Humanos. Os seres humanos excluídos são maioria, os pobres são maioria. O que está acontecendo na Comissão é um acinte ao povo brasileiro. Quero manifestar a minha indignação. Gostaria de entender como isso aconteceu na nossa frente. Não é só uma questão de destituição de cargo, mas uma questão de reflexão. Precisamos pensar nas razões que nos levaram a conceder o poder a essas pessoas, enquanto há outras com posturas claras sobre o assunto. Parece que ainda estamos vivendo na ditadura. Naquela época havia uma faceta, hoje eles vivem escondidos e quando a gente desperta eles já ocuparam os lugares.
Essas regras do jogo político teriam contribuído para o esvaziamento do papel da Comissão de Direitos Humanos, no entendimento do Deputado federal Chico Alencar:
— Este ato público é ecumênico, plural. Tudo o que falta na Comissão, alías, na omissão dos Direitos Humanos, porque ela perdeu o “c” de credibilidade. A Comissão se transformou em sinônimo de omissão por causa dos partidos que historicamente tinham identidade com a pauta dos direitos humanos, mas que, por uma série de razões, acabaram cedendo vagas na Comissão. Há 18 anos os partidos progressistas faziam mais força para integrarem a Comissão dos Direitos Humanos. As razões de poder, o pragmatismo atual e o fato de a comissão não mexer com grana fez com que muitos de nós não a priorizássemos. É uma lição. Eles querem acabar com a terra quilombola, querem reduzir as terras indígenas já conquistadas. E não são os únicos, pois o Presidente da Comissão de Finanças tem os bens bloqueados por corrupção; o Presidente da Comissão de Educação é acusado de levar grana de empresa privada de educação; e ainda podemos citar um conhecido desmatador, o rei da soja, que preside a Comissão do Meio Ambiente do Senado. Como Marcos Feliciano disse que só sai da Comissão quando estiver morto, desejamos matá-lo politicamente.
Resgate
Para a Deputada federal Érika Kokay, os protestos em todo o Brasil contra a atual presidência da Comissão dos Direitos Humanos representam a força da cidadania:
— Este nosso movimento vai resgatar e devolver a Comissão para o povo brasileiro, pois ela nos foi tomada. Fizemos o luto do colonialismo, o luto da escravidão, o luto da ditadura. Hoje estamos tropeçando nos pedaços da ditadura, do colonialismo e da escravidão através da imposição deste projeto de poder que pressupõe a inexistência da democracia e rompe a laicidade do Estado. Quando falamos em direitos humanos, falamos de cidadania, dignidade humana, liberdade e felicidade. Não vamos permitir que eles naturalizem a homofobia e o racismo.
Representante da Aldeia Maracanã, o indígena Daniel Puri revelou perplexidade diante do posicionamento político do Congresso Nacional em relação às questões emergentes no Pais:
— Cresci em meio aos pedaços do que sobrou da cultura de meus avós. Muitos índios deixaram de ensinar a nossa cultura aos filhos. Estamos fugindo dos pistoleiros que querem tomar nossas terras para fazer fazenda de café, de soja, de cana de açúcar e de boi. Os mandantes estão no Congresso e não têm medo da lei porque são os dono do poder. Na última sexta-feira, tivemos um exemplo de tudo isso quando fomos expulsos da Aldeia Maracanã, para nós um local sagrado no qual sempre expressamos e lutamos pelos direitos humanos, digo isto em nome de 305 etnias.
Antes do encerramento do evento, o ator Wagner Moura comemorou a mobilização social pelos direitos humanos e ressaltou o papel das várias instâncias do poder:
— Este encontro é absolutamente democrático. Ele é contra a homofobia, contra a discriminação racial, contra a intolerância religiosa, mas também a favor do Congresso, como ressaltou Caetano Veloso em seu discurso. Não podemos esquecer que o Legislativo é um pilar muito importante na democracia.
O deputado Marcelo Freixo, um dos organizadores do ato público encerrou as atividades reafirmando a importância da luta pelos direitos humanos:
— Nós estamos aqui para dizer que não abriremos mão da Comissão, espaço de todas as nossas resistências. No próximo dia 7, vamos no multiplicar na manifestação em Copacabana, às 10h.