Lula não precisa de conselhos


02/11/2022


Por Octávio Costa, em Ultrajano

Desde a histórica vitória de domingo, vários analistas políticos concentraram seus comentários no fato de a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter conquistado a maioria no futuro Congresso. Segundo eles, isso vai exigir que o líder petista faça concessões ao Centrão e, já na formação de seu Ministério, abra espaço para quadros técnicos das mais variadas correntes políticas. Dizem que só assim ele conseguirá o necessário apoio às reformas que pretende fazer para pacificar e reconstruir o país.

Diante de tantos conselhos, parece até que Lula é marinheiro de primeira viagem. Ou seja, um político inexperiente e inseguro, que não sabe o que fazer com o mandato que recebeu das urnas. Chega a soar engraçado. Pode ser de propósito, mas o fato é que os analistas parecem ignorar que Lula governou o Brasil por oito anos, com resultados expressivos em todas as áreas. Deixou o Palácio do Planalto em janeiro de 2011 com uma aprovação recorde e transmitiu a faixa para a sucessora que escolheu: Dilma Rousseff. E agora vai cumprir seu terceiro mandato presidencial.

Quando analistas falam hoje sobre a importância estratégica de um ministério técnico, sem predomínio do PT, estão chovendo no molhado. Deveriam fazer uma rápida pesquisa para relembrar o que Lula fez logo em seu primeiro mandato, em 2003. E veriam alguns exemplos marcantes de realismo e sensibilidade política, principalmente na escolha de nomes para a área econômica. Assim, o ex-presidente mundial do Banco de Boston, Henrique Meirelles (que havia sido eleito para a Câmara pelo PSDB de Goiás) foi nomeado para a presidência do Banco Central. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) coube ao empresário Luiz Fernando Furlan, um dos donos da Sadia.

Para a Cultura, foi convidado Gilberto Gil, do Partido Verde. Miro Teixeira, do PDT, tornou-se ministro das Comunicações e Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional. O renomado advogado Márcio Thomas Bastos assumiu o Ministério da Justiça. Consultor Geral da República no governo João Goulart, Waldir Pires foi convidado para chefiar a Corregedoria Geral da União (CGU).

São, portanto, escolhas ecléticas que mostram o amplo jogo de cintura do presidente Lula. Perdem tempo os analistas políticos que querem ensinar a missa ao vigário. Lula vem de longe e sabe exatamente o que fazer. Desta vez, em razão da nova legislação, terá de conviver com o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que ainda tem dois anos de mandato. Mas tudo indica que haverá um bom relacionamento com o neto de “Bob Fields”.

A área econômica será restaurada, com as três pastas tradicionais, Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Dá-se como certo que Lula nomeará para a Fazenda um político (talvez um ex-governador), repetindo o modelo de 2003. Para o MDIC, provavelmente convidará um empresario (em 2007, Furlan foi substituído pelo jornalista Miguel Jorge, vice-presidente do Banco Santander).

Enfim, os conselhos ao experiente presidente são ociosos. Os comentaristas políticos podem dormir tranquilos. Ao indicar seu vice Geraldo Alckmin para coordenar o processo de transição, Lula deu uma pista do perfil que terá seu ministério. Lula conhece muito bem o caminho das pedras.