Livro: uma família unida pelo fotojornalismo


13/02/2009


Lançado recentemente pela Publifolha o livro “Caçadores de luz — Histórias do fotojornalismo”, dos irmãos Alan, Lula e Sérgio Marques é uma obra que põe o leitor em contato com algumas das principais reportagens fotográficas veiculadas na imprensa brasileira, nos últimos 30 anos.

O livro é uma coletânea do precioso material fotográfico produzido pelos irmãos Marques e destaca a importante contribuição do fotojornalismo à história política do Brasil. Trata-se de uma narrativa inovadora, com imagens e relatos pessoais dos autores sobre as matérias que marcaram as suas trajetórias como fotojornalistas, atuando nos principais jornais e revistas brasileiros.

Para a jornalista Eliane Cantanhêde, o livro é uma obra de referência para profissionais e amantes da reportagem fotográfica, principalmente para aqueles que se interessam pelo ambiente político do País. “Você lê, lembra daquela foto fantástica e, automaticamente, dos personagens, das circunstâncias, do desfecho. Volta no tempo. É um prazer e uma redescoberta para quem é e para quem não é do ramo”, escreveu a colunista da Folha de S.Paulo

Trajetória

Os irmãos Alan, Sérgio e Lula Marques

A história dos irmãos Marques na fotografia começou com Paulo, o mais velho, que morreu em um acidente de carro, em 1978. Ele era editor de Fotografia do jornal Correio Braziliense, onde Lula e Sérgio Marques iniciaram as suas carreiras como repórteres-fotográficos.

Lula tinha 14 anos de idade quando foi trabalhar como contínuo no Correio. Na primeira oportunidade foi transferido para o Arquivo Fotográfico do jornal e passou a se interessar pela fotografia.

Sérgio Marques lidava com televisão e cinema quando foi convidado pelo então novo editor de Fotografia do Correio Braziliense, Tadashi Nacagomi, para ajudá-la na editoria. Foi Sérgio quem ensinou todos os segredos do fotojornalismo ao Lula.

Lula confessa que de início foi um pouco displicente com o trabalho até que uma ameaça de demissão o fez mudar de atitude. A mudança de comportamento foi compensatória; passou a se dedicar mais à função, alcançou reputação profissional e conquistou vários prêmios.

Ganhou o Prêmio Folha de Fotografia de 1999, com um flagrante de Pedro Malan durante um desfile de 7 de setembro, em Brasília. Em 2000, foi o vencedor do Prêmio Imprensa Embratel de Fotografia e de mais um Prêmio Folha de Fotografia, com a foto que ilustrou a reportagem “Conflito marca festa dos 500 anos”, mostrando a violência policial contra os índios pataxós na comemoração de cinco séculos do descobrimento do Brasil. 

Lula Marques/2000

 500 anos do Brasil

Foto premiada

A foto de Lula Marques sobre a brutalidade da polícia com os índios pataxós, além do destaque nacional foi veiculada mundo afora pelas agências internacionais. Reproduzimos a seguir um trecho do livro em que o fotógrafo relembra o episódio: “Eu só me lembro da cara fechada do comandante da tropa gritando: ‘sai, sai, sai’. Uma ordem para que nós, fotógrafos, saíssemos da sua frente. Erra visível o prazer que a situação dava ao sujeito. ‘Eu gosto disso, eu quero é mais’, urrava o comandante, espingarda apontada para frente, bombas de gás lacrimogêneo atiradas para todos os lados”.

Segundo Lula, o comandante não parava de gritar e de mandar a sua tropa, de arma em punho, avançar sobre os índios. Num desses momentos, foi que o índio Gildo Terena deitou-se no chão, de braços abertos à frente do comandante, tentando impedir o avanço da tropa. Lula — que juntamente com outros fotógrafos estava posicionado entre os soldados e os indígenas — registrou a cena, que acabou se transformando numa das matérias mais tocantes da sua trajetória profissional, e ainda lhe rendeu um prêmio de fotografia: “Voltei para Brasília, na manhã de segunda-feira, e vi o quanto é bom fazer uma boa foto. Todas as agências internacionais compraram aquela imagem. Depois vieram os prêmios”. 

Perdido 

         Sérgio Marques/1997

     Itamar Franco perdido na ONU

A intimidade de Sérgio Marques com imagem vem desde os 17 anos, quando estudava cinema e trabalhava em televisão. No início dos anos 80, foi convidado para trabalhar na Fotografia do Correio Braziliense e desde então não largou mais a profissão.

Sérgio Marques trabalha desde 1984 na sucursal do Globo em Brasília, onde há 20 anos é o editor de Fotografia. Ele é o autor de um dos mais interessantes registros da então toda poderosa Ministra de Economia do Governo Collor, Zélia Cardoso de Mello no dia da sua demissão.

Mas uma de suas fotografias que mais impressionam no livro, pela visão jornalística e pelo senso de oportunidade, é a que mostra o ex-Presidente Itamar Franco perdido em um plenário da ONU, “totalmente desorientado”, na definição do próprio fotógrafo.

Sérgio Marques diz que foi algo realmente surpreendente a imagem de Itamar Franco sem saber o que fazer diante das bancadas, procurando os delegados brasileiros que participariam da reunião. Segundo ele, o registro que fez desse momento foi a sua foto de maior destaque para o jornal O Globo/EM>: “O congelamento dessa imagem em fotografia foi o que de melhor consegui fazer e publicar, com excelente destaque, na primeira página do jornal O Globo”. 

Lambendo a cria 

Na busca da boa foto, conseguir estar sempre no lugar certo e no momento idem é o creme do creme para qualquer fotojornalista. Melhor ainda, segundo Alan Marques, é quando a pauta se refere a um escândalo político: “Quer ver um fotógrafo ficar feliz? Diz para ele que acabou de explodir um grande escândalo em Brasília”.

Segundo o fotógrafo quando isso acontece os jornalistas se agitam e vibram porque o clima na Capital começa a ficar mais eletrizante. Alan Marques diz que essa atmosfera dá “oportunidades (ao fotógrafo) de fazer o nome na cidade, porque o político que está atolado na lama quando coloca a cabeça para respirar, é recebido por uma saraivada de flashes”.

Acostumado ao frenezi de Brasília, ao entra-e-sai dos gabinetes, às tensas reuniões nos plenário da Câmara e do Congresso, quando foi cobrir as investigações sobre a Máfia dos Sanguessugas Alan Marques resolveu inovar. Voltava para a redação do jornal, depois de ter feito “uma foto burocrática de gabinete”, quando um temporal desabou sobre a cidade, com raios e trovões que pareciam que iam implodir os prédios da Praça dos Três Poderes.

 Allan Marques/2006

Alan então teve a idéia de registrar um raio caindo na direção do Congresso Nacional, imagem que traduziria com muita fidelidade a turbulência que se passava internamente naquela Casa parlamentar. No livro o fotógrafo conta como conseguiu a foto: “A idéia era construir um cenário de filme de terror ou algo assim”.

O fotógrafo conta que a foto somente foi conseguida depois da quinta tentativa: “Uma seqüência rompeu a escuridão desenhando veias brancas no céu. Quando eu olhei para a tela da câmera digital, a imagem era melhor do que eu queria ter feito”.

A foto, apesar de não ter sido pautada, entusiasmou o diretor da sucursal da Folha em Brasília, que negociou a sua publicação com São Paulo. No dia seguinte, para a felicidade de Alan, a fotografia foi publicada nas primeiras páginas da Folha de S.Paulo e do Correio Braziliense, que comprou a imagem da Folhapress: “A sensação de dever cumprido foi mais gratificante do que os vários elogios que recebi. Lambi bem a minha cria”.

Ao ler “Caçadores de luz — histórias de fotojornalismo” o leitor logo percebe que a fotografia para os irmãos Marques é um algo que lhes dá muito prazer. E que, independentemente das suas características pessoais, como observa Eliane Cantanhêde, os três têm como ponto comum a competência profissional. “Eles têm garra, mas sobretudo alma e coração”, afirma a jornalista.