Livro relata os últimos dias da Última Hora


02/12/2009


Acaba de chegar às livrarias “A rotativa parou — os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer” (Ed. Civilização Brasileira, 2009), do jornalista Benicio Medeiros, que é Conselheiro e Diretor de Jornalismo da ABI.

Para o autor a oportunidade de escrever este livro gerou um prazeroso retorno ao período em que dava os seus primeiros passos no jornalismo, na redação do jornal criado por Samuel Wainer. A obra é um relato bem estruturado sobre os últimos anos de funcionamento da Última Hora, que sofreu um duro revés com a ditadura militar, implantada no País com o golpe de 64, que praticamente decretou a sua venda em 1971.

De acordo com Benicio Medeiros, um dos principais motivos que o levou a escrever livro foi o fato de ter testemunhado um episódio que ele considera importante para o conhecimento da nova geração de jornalistas:
— A partir do momento que a gente se torna testemunha ocular da história certas coisas podem ter importância para as novas gerações. De início eu pensei em escrever um artigo para o Jornal da ABI, dando um testemunho do que foi o jornal Última Hora do Samuel Wainer. Mas foram surgindo tantas lembranças que eu senti a necessidade de contextualizá-las historicamente e assim nasceu a idéia do livro.

Nessas lembranças de Benicio Medeiros contadas no livro aparece o período em que Samuel Wainer era o diretor da revista Diretrizes, que circulou durante o Estado Novo:
— Era uma publicação voltada para os problemas da realidade brasileira, que tinha como colaboradores Aníbal Machado, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Joel Silveira e o próprio Lacerda, que veio a se transformar em inimigo do Samuel. Deixou de circular porque publicava matérias que não agradavam ao Governo Getúlio.

Curiosamente conforme registrado no livro para fundar a Última Hora Samuel Wainer contou com o beneplácito do próprio Getúlio Vargas, de quem se aproximara quando era repórter de O Jornal e fez com ex-Presidente a famosa entrevista que gerou a matéria “Eu voltarei como líder das massas”.

Samuel Wainer folheia a primeira edição da <i>UH</i>

Benicio Medeiros diz que considerava Samuel Wainer um visionário, que depois da fundação da Última Hora no Rio, em 1951, lançou o jornal em São Paulo e acabou, na década de 1960, controlando uma rede que fazia circular o jornal em sete estados do País:
— O golpe de 64 veio para acabar com o seu sonho, mas ele também não media muito as conseqüências e construiu um império de alicerces claudicantes na base do improviso, até que depois de muitas tentativas, inclusive do exílio, de manter o jornal, com a ditadura militar a Última Hora foi decaindo até ser golpeada definitivamente em 1971.

Autor do texto da orelha do livro o jornalista Jânio de Freitas escreveu que não se trata de um livro de memórias, mas de lembranças de um jovem jornalista “perceptivo, talentoso e consciente” que “colhe aqui uma figura interessante, ali uma tarefa, um episódio interno, ora um boato, ora histórias, o cômico e o dramático, o lamentável e o saudoso, as tensões infinitas — e aí estão as pinceladas que afiguram a vida de redação”.

Para o colunista da Folha de S.Paulo, o livro de Benicio Medeiros ressalta um singular depoimento de alguém que experimentava um momento singular da sua vida como profissional, bem como as situações graves e dramáticas que levaram ao fechamento do jornal, com espaço para aquelas que podem ser consideradas como cômicas, que ele também testemunhou.

No momento em que a prática jornalística vem passando por significativas transformações tecnológicas, e crescem também as discussões sobre os padrões éticos, o cenário traçado por Benicio Medeiros sobre a Última Hora funciona como uma viagem no tempo, por meio dos episódios relatados pelo autor sobre o dia em que a rotativa do jornal parou.

Vejamos então como a cena foi contada pelo próprio Benício Medeiros: “A paciência da redação ia-se esgotando. E decidiu-se por uma paralisação, no horário do fechamento, em sinal de protesto contra uma situação que se revelava insustentável. Coisa inédita em quase vinte anos de contínua atividade: a redação da UH, nesse dia, parou por um interminável minuto. Samuel trabalhava normalmente no seu aquário, subindo e descendo os seus óculos como sempre, quando percebeu uma estranha calmaria. Levantou-se e viu a cena chocante. Estavam todos de pé, num silêncio lutuoso, pois nada, na verdade, precisava ser dito. Samuel parecia não acreditar no que via, disfarçava, não sabia onde pôr as mãos, o que dizer ou fazer. Me deu pena ver o seu olhar atônito, por trás do vidro do aquário. Não era o olhar do patrão nem do jornalista, mas o olhar de um homem comum diante da própria ruína, diante do fim da sua grande aventura.”

Para chegar ao bom resultado que conseguiu alcançar para contar o pior momento vivido pela redação da Última Hora, Benicio pesquisou e colheu depoimentos para resgatar fatos e nomes relevantes à época e fez uma preciosa seleção de fotos, inéditas ou pouco conhecidas, que ilustram livro:
— Recorri a alguma pesquisa e a alguns pouco depoimentos, mas o que tenho de verdade a acrescentar a tudo o que já se escreveu sobre a Última Hora é pura matéria de memória — diz Benicio. — Um material precioso para quem quer conhecer um pedaço importante da história recente do Brasil.

Depois de sua passagem pela Última Hora, Benicio Medeiros atuou em algumas das redações mais importantes do Rio de Janeiro. Entre outras funções, foi repórter e crítico literário da revista Veja, redator da revista IstoÉ, editor do “Jornal da Globo”, editorialista do Jornal do Brasil e editor-executivo da revista Manchete. Atualmente, é Conselheiro e Diretor de Jornalismo da ABI e editor da Revista do Livro da Biblioteca Nacional. É autor de “A poeira da glória” (Relume Dumará, 1998) e “Brilho e sombra” (Bem-Te-Vi, 2006), sobre a vida e obra de Otto Lara Resende.