Livro conta a história do frevo pernambucano


31/01/2008


“O frevo, palavra exótica, tudo que é de bom diz, exprime. É inigualável, sublime, termo raro, bom que dói… vale por um dicionário, traduz delírio, festança, tudo salta, tudo dança, tudo come, tudo rói…” (jornal A Província, 1913). Textos como este, sobre o mais popular ritmo carnavalesco pernambucano, estão reunidos no livro “Frevo —100 anos de folia” (Ed. Timbro). A edição, patrocinada pela Petrobras e a Prefeitura do Recife, é bilíngüe (português e inglês), tem capa dura e, em 240 páginas, destaca a trajetória do frevo de 1907 até 2007, ano do seu centenário.

Na obra há reproduções de pinturas de Portinari, Vicente do Rego Monteiro, Heitor dos Prazeres, Lula Cardoso Ayres, Augusto Rodrigues e J. Borges, entre outros. E textos de grandes escritores, sociólogos e compositores, como Clarice Lispector, Mário de Andrade, Antônio Maria, José Lins do Rego, Gilberto Freyre e Caetano Veloso, além do relato de especialistas no tema, como Valdemar de Oliveira, Leonardo Dantas Silva e Rita de Cássia Barbosa de Araújo:
— Notamos que havia espaço para uma publicação que valorizasse o registro visual e textual do assunto — diz Camilo Cassoli coordenador editorial do trabalho. — A publicação foi estruturada a partir dos ensaios fotográficos do carnaval do Recife feitos, nas décadas de 50 e 60, para a revista O Cruzeiro, por Pierre Verger e Marcel Gautherot. 

Passado e presente

               Jean Manzon

                 O Cruzeiro, 1945

Depois vieram outras fotos, as obras de arte e os textos, com a idéia de propiciar ao leitor um passeio pela história da festa ao longo de cem anos:
— No capítulo final, relacionamos as imagens antigas com as atuais, reforçando a presença constante do frevo no carnaval recifense, com as características que permaneceram ao longo de décadas e as diferenças que surgiram com o tempo, como o aumento da presença das mulheres na folia — conta o coordenador.

Convidado pelos organizadores do livro para contribuir com imagens do atual carnaval pernambucano, o repórter-fotográfico Leo Caldas fez ampla cobertura da festa em fevereiro de 2007, especialmente no dia 9, quando se comemorou o centenário do frevo:
— Escolhi como ponto principal para fotografar o Pátio de São Pedro, local de apresentação e encontro de grandes blocos. Inclusive, foi na Igreja de São Pedro dos Clérigos que integrantes do Ministério da Cultura, entre eles o Ministro Gilberto Gil, atestaram o frevo como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Participar dessa empreitada e contar um pouco do que é esse ritmo, por meio de imagens, foi muito gratificante. Saber que o seu trabalho será utilizado como fonte de informação para outras pessoas é o que mais dá prazer no trabalho do fotojornalista.

Pesquisa minuciosa

“Frevo — 100 anos de folia” foi editado a partir de um levantamento de dados que durou cerca de um ano e meio e foi realizado por jornalistas e historiadores, em acervos públicos e particulares de todo o País:
— Com isso, chegamos a materiais inéditos em publicações do gênero, como uma imagem de Carmem Miranda usando um turbante de sombrinhas no filme hollywoodiano “Romance carioca”, em que ela dança uma coreografia inspirada no frevo, ao som de uma música que cita “Evoé”, hino do carnaval de Pernambuco — destaca Cassoli, explicando ainda que o livro não se restringe ao estado.

Na capital baiana, por exemplo, foram encontrados detalhes da influência do frevo na criação dos trios elétricos, que remetem a um histórico desfile do bloco dos Vassourinhas, em 1951:
— Esta imagem de Salvador está reproduzida na obra. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma minuciosa pesquisa, com destaque para a parte iconográfica. Encontramos material raro também em São Paulo e no Rio de Janeiro — conta Luiz Augusto Falcão, um dos autores do livro.

Polêmica

O Rio é lembrado na narração da polêmica em torno da marchinha o “Teu cabelo não nega”, que seria uma adaptação de Lamartine Babo do frevo “Mulata”, dos irmãos pernambucanos Raul e João Valença. A música foi gravada pela RCA Victor, que deu crédito apenas a Lamartine como compositor. O reconhecimento da co-autoria dos irmãos Valença só ocorreu depois de processo judicial. No livro aparecem reproduzidos pela primeira vez os selos dos discos da RCA “antes e depois da polêmica”, em 1932. O material foi encontrado no acervo do jornalista e pesquisador José Ramos Tinhorão, que atualmente pertence ao Instituto Moreira Salles.

É nesse contexto que “Frevo — 100 anos de folia” representa uma obra de inestimável valor histórico, em que é possível encontrar outras preciosidades, como o manuscrito original da letra de “Frevo de Orfeu”, parceria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes para o filme “Orfeu do Carnaval”, de Marcel Camus.

 Camilo Cassoli

Referência

Na opinião de Camilo Cassoli, por se tratar de uma coletânea inédita de imagens e textos, “Frevo —100 anos de folia” é um documento permanente e de referência para os estudiosos e o público em geral. Além de mostrar os vários festejos promovidos pela Prefeitura do Recife, para celebrar o centenário do frevo, a obra fala de sua renovação e de sua influência na música brasileira. Nesse aspecto, é destacada “uma nova geração de músicos que introduziram no ritmo inovações, fusões, batidas contemporâneas, efeitos de música eletrônica e remixagem nas gravações”:
— A presença de dezenas de orquestras todos os anos nas ruas da cidade e o surgimento constante de novos grupos, como a Spok Frevo Orquestra e a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, além, é claro, dos milhões de foliões que brincam o carnaval ao som de sua música, são provas incontestes da permanência e do sucesso do frevo ao longo desses cem anos.