Livro celebra trajetória de Ataulfo Alves


01/09/2009


Ataulfo Alves

Em 2 de maio de 1909, nascia em Miraí, Zona da Mata mineira, Ataulfo Alves de Souza, consagrado como um dos maiores compositores da música popular brasileira, notabilizado por canções antológicas, como “Leva meu samba” (sua primeira gravação como cantor, de 1941), “Saudades da Amélia”, “Na cadência do samba”, “Laranja madura”, entre outras.

O centenário de nascimento do autor de “Você passa, eu acho graça”, “Mulata assanhada” e “Tempo perdido”, está sendo comemorado, desde o ano passado, com uma série de homenagens em todo o País, entre elas, a biografia “Ataulfo Alves: vida e obra”, do jornalista, escritor e pesquisador Sérgio Cabral, lançada na noite desta segunda-feira, dia 31, na Livraria da Travessa, em Ipanema, zona sul do Rio. O evento reuniu mais de uma centena de pessoas entre jornalistas, escritores, pesquisadores, artistas e o público em geral. A Associação Brasileira de Imprensa foi representada pelo Presidente Maurício Azêdo e os Conselheiros Zilmar Borges Basílio e Milton Coelho da Graça. Parentes do autor e do biografado também prestigiaram o lançamento, entre eles, Sérgio Cabral Filho, Governador do Estado do Rio de Janeiro, Ataulfo Alves Filho e Aldecir Alves, respectivamente, filho e neto do compositor.

Com mais de cinco décadas dedicadas ao jornalismo e à música popular brasileira, Sérgio Cabral é autor de biografias memoráveis, entre as quais, Pixinguinha, vida e obra” (1977), Tom Jobim” (1987), “No Tempo de Almirante” (1991), “No Tempo de Ari Barroso” (1993), “Elisete Cardoso, vida e obra” (1994), Grande Otelo: uma biografia (2007). No mais recente trabalho, o biógrafo, amigo pessoal de Ataulfo Alves, resgata a trajetória de vida, curiosidades e as grandes obras que consagraram um dos maiores expoentes da música brasileira. O livro apresenta a musicografia do artista que ultrapassa 320 composições, considerada uma das maiores em número e sucessos.
—Conheci Ataulfo provavelmente em 1961, quando comecei a escrever sobre música popular para o Jornal do Brasil, e ele me convidou para acompanhá-lo para um fim de semana em Mirai. Eu não puder ir, em função do trabalho. Depois disso, trabalhamos juntos muitas vezes, porque comecei a escrever programas para a TV e convidava sempre o Ataulfo para participar. Como diretor-artístico do Café Concerto Casa Grande, o atual Teatro Casa Grande, também o convidei para apresentações, conta Sérgio Cabral.

Visionário

Aos oito anos, Ataulfo Alves já fazia versos, incentivado pelo pai, violeiro e repentista. Aos 17, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como entregador, auxiliar de serviços domésticos, prático de farmácia, entre outras atividades, enquanto freqüentava as rodas de samba do Estácio. Conviveu com mestres do samba, como Ismael Silva e em pouco tempo se destacou entre os grandes compositores.

Em 1933, Carmem Miranda foi a primeira a gravar uma de suas composições. Pouco depois, artistas como Sílvio Caldas, Carlos Galhardo e Orlando Silva foram intérpretes de sua obra, além do próprio Ataulfo.

Com espírito visionário e empreendedor, Ataulfo Alves, construiu uma trajetória de sucesso. Foi um dos fundadores da União Brasileira de Compositores (UBC), e criou a própria editora, a Ata Edições Musicais, que ainda hoje administra parte de sua obra. Inovou também ao integrar às suas apresentações o coro feminino conhecido como “As pastoras”, que incluía a sua filha, Matilde Alves. Na década de 50, foi eleito um dos 10 homens mais elegante do Brasil em um famoso concurso feito pelo colunista Ibrain Sued.

Em 20 de abril de 1969, poucos dias antes de completar 60 anos, morreu em decorrência uma úlcera. Nesta época, a carreira continuava em evidência, fato raro entre os compositores de sua geração.
—Ataulfo era vitorioso, tinha um Cadillac, era dos mais elegantes, foi contratado da rádio Nacional até morrer. Dei maior importância a Cartola, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Zé Keti. Eles não tinham dinheiro, precisavam ser conhecidos. Agora, todos morreram, Cartola é sempre lembrado, com justiça, e Ataulfo ficou esquecido, analisa Sérgio Cabral.

Amizade

Entre as dezenas de sucessos, como “Saudade da professorinha”, e “Oh! Seu Oscar”, se destaca “Ai, que saudades da Amélia”, composta em parceria com o ator Mário Lago. Sérgio Cabral conta no livro que a personagem Amélia existiu, era empregada de Aracy de Almeida, e chamava-se Amélia dos Santos Ferreira.

Bernardo Costa

Sérgio Cabral entre a nora e o filho

A homenagem à Amélia, na opinião do Governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, é a canção mais significativa do extenso repertório de Ataulfo Alves:
— Ele era grande compositor. Para os dias atuais, esta música é muito contraditória, pois as mulheres dizem que não têm vocação para Amélia. Na verdade, a canção revela o lado da mulher que é solidária, amiga, parceira, e também moderna, emancipada, e não uma Amélia submissa. Acima de tudo, a música é muito bacana. “Os meninos da Mangueira”, samba de meu pai, em parceria com Rildo Hora, gravado por Ataulfo Alves Júnior, foi a música mais executada nas rádios brasileiras no ano de 1977. As nossas famílias têm uma ligação muito estreita.

Ataulfo Alves Júnior também sublinha a amizade entre o biógrafo e seu pai:
—Sérgio Cabral é um grande escritor e meu amigo há muitos anos. Ele produziu grandes shows de meu pai no Teatro Casa Grande. Em função desta forte ligação, pedi ao Sérgio que escrevesse o livro, aproveitando o gancho do centenário. Eu me sinto muito orgulhoso por meu pai ter sido maravilhosamente biografado por Sérgio Cabral.

Em relação às homenagens ao compositor, Ataulfo Alves Filho anunciou novidades que envolvem a participação de dezenas de artistas da MPB:
—Os eventos tiveram início no ano passado, nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Mirai, onde inauguramos um mausoléu, recentemente. Ainda neste mês de setembro, será lançado um CD pela gravadora Lua Music, com sucessos de meu pai na vozes de Elba Ramalho, Elza Soares, Beth Carvalho, Amelinha, Alaíde Costa, Fafá de Belém, Ângela Ro Rô, Simoninha, entre outros cantores, que se reunirão em grandes shows, inicialmente em São Paulo. Vale lembrar que Sérgio Cabral assinará também o roteiro de um documentário sobre a vida de meu pai, com lançamento previsto para 2010.

 Sérgio Cabral com parentes de Ataulfo Alves

Adelcir Alves, neto de Ataulfo Alves, também aplaude a parceria de sua família com o jornalista e escritor Sérgio Cabral:
—Precisamos de escritores, biógrafos brilhantes como ele para que a história não morra. A obra de meu avô está sendo eternizada hoje, a partir do lançamento deste livro. Infelizmente, não convivi com meu avô, pois eu tinha apenas um ano de idade quando ele morreu. Contudo, aos 42 anos, estou tendo a oportunidade de ver o resgate desta trajetória, lembrando que o maior legado que ele nos deixou, além da obra musical, foi o caráter, a responsabilidade social. 

Júnior Parente, coordenador dos eventos comemorativos ao centenário de Ataulfo Alves, ressalta a preocupação da família com a preservação da obra do artista:
— Buscamos não apenas o recorte musical, mas todo o contexto representativo de sua história. Todos os membros da família estão envolvidos nos projetos. Pretendemos organizar um calendário anual de eventos para que a memória não fique restrita ao centenário. Vamos criar também a Fundação Ataulfo Alves, cujo objetivo é perpetuar e regar a semente plantada por Ataulfo, com a realização de oficinas de arte, literatura, dança, música, teatro, entre outras atividades.

União

Sérgio Cabral, Maurício Azêdo e Marilka

Para o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o lançamento de “Ataulfo Alves: vida e obra”, celebra a união de dois grandes ícones da cultura nacional:
—Este é um encontro fantástico e alvissareiro de um extraordinário compositor e poeta admirável que foi Ataulfo Alves, com um grande escritor e pesquisador como Sérgio Cabral, que prossegue em sua trajetória fecunda de escrever a história da música popular brasileira através da biografia de suas grandes personalidades, suas grandes expressões como vem fazendo ao longo dos últimos anos.

O jornalista Jorge Roberto Martins, apresentador do programa “Sala de Música”, da Rádio MEC, lembrou, durante o lançamento, que o padrão de elegância de Ataulfo Alves ultrapassava o limite estético e influenciou o comportamento de músicos de várias gerações:
— O que mais me lembro dele é o sorriso. Era um homem muito amoroso. Suas músicas apresentam alta qualidade melódica e a mesma elegância e categoria com que se vestia. Ele sempre foi moderno. Confraternizava com os mais jovens como Chico Buarque e Edu Lobo, e também com os mais antigos, como Pixinguinha e Donga, funcionando como uma ponte entre essas duas gerações. Foi ainda responsável pela introdução do coro vivo, presente, e não apenas funcionando como coadjuvante, ao lançar o conjunto “Ataulfo Alves e suas pastoras”.

O jornalista, que está biografando a vida do bandolinista Joel Nascimento, recordou ainda os laços de amizade entre Ataulfo Alves e seu pai, o compositor Roberto Martins, parceiros em composições como “Foi você”, “Sinhá Maria Rosa” e “Castelo de Mangueira”:
— Eles formavam um quarteto, junto com o Mário Lago e o Carlos Galhardo. Estavam sempre juntos fazendo músicas.

Popularidade

Haroldo Costa e Geraldo Azevedo

Também presente ao lançamento da biografia de Ataulfo Alves, o pesquisador musical Haroldo Costa disse que, apesar do grande talento, Ataulfo só alcançou a popularidade na década de 40, quando passou a interpretar suas próprias canções. Ele  destacou também a contribuição do artista para o carnaval carioca, e nas questões vinculadas a direitos autorais:
— Em parceria com Mário Lago, Ataulfo Alves escreveu sambas que embalaram a cidade nos meses de fevereiro. Gravou vários compositores do Salgueiro, escola de samba da qual foi compositor e Presidente de honra da ala dos compositores. Além disso, teve uma relação amorosa com a grande passista Paula do Salgueiro. Mas, pelo que eu saiba, ele nunca desfilou pela escola. Foi também pioneiro na fundação da Associação Defensora de Direitos Autorais Fonomecânicos (Adaf) e da Ataulfo Alves Edições (ATA), tornando-se editor de suas próprias músicas.

Para o cantor e compositor Geraldo Azevedo, o gênero samba deve a sua notoriedade a Ataulfo Alves:
— Desde que aprendi a tocar violão, aos 15 anos, sempre cantei o repertório de Ataulfo Alves, que me influenciou muito. Ele foi o grande responsável pela abrangência nacional conquistada pelo samba. 

* Colaboração: Bernardo Costa

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