Leda e Jair


21/04/2021


Leda Nagle e Jair Bolsonaro  Foto: Reprodução/ Youtube

Por Eliara Santana

O dito “equívoco” seguido de um pedido de desculpas da ex-jornalista Leda Nagle não me convenceu. Ontem, ela publicou o pedido após ter lido, num vídeo, o tuíte de uma suposta conta do diretor da Polícia Federal Paulo Maiurino – a conta é falsa, e o perfil já foi denunciado. Nesse tal tuíte, o suposto delegado  falava em planos – imaginem só! – do ex-presidente Lula, em conluio com o STF, para matar… ele mesmo, Jair Bolsonaro.

No texto com as desculpas esfarrapadas, Leda diz que repassou a informação em uma live de um grupo fechado, no qual ela comenta as notícias, que não teve tempo de checar a informação e que alguém, de má-fé, vazou o trecho.  Bem, eu assisti ao video, e a leitura dela é bem assertiva, bem convencida pelo que está lendo. Não expressa dúvidas nem a determinação de quem vai checar a informação. Ademais, ninguém com mais de um ano de profissão divulga algo com esse teor, neste momento do país, sem apurar “melhor”.

Eu quero só colocar alguns detalhes para nós pensarmos mais a fundo sobre isso tudo, porque tenho o feeling de que atos como o da antiga apresentadora do Jornal Hoje não serão coisas isoladas para 2022.

– o ecossistema de fake news como ocorre no Brasil não tem nada de aleatório ou equivocado
– Além de grupos especificamente contratados para isso (vcs podem conferir vários sites que recebem grana pública), há influencers que receberam, recebem e receberão para fazê-lo
– O tal tuíte do suposto delegado teria pouca influência se fosse deixado ao léu, sem criar polêmica, sem ser debatido, sem circular
– A ex-jornalista em questão tem afinidade com Jair

– Em momentos críticos (primeira reunião da CPI será no dia 27, e o foco será vacinas e compra de medicamentos; relatório do TCU divulgado já dá um cacete), Jair precisa insuflar as massas, Trump fazia o mesmo, é da cartilha de Steve Bannon. É preciso haver complôs assassinos e histórias de perseguição para atiçar a massa que o apoia, dando elementos para desacreditar o que se apura, por exemplo. Ou seja, coisas desse tipo vêm a calhar. E melhor ainda é que não estão saindo da boca de Jair – tem uma voz de autoridade (suposto delegado da PF) que afirma e outra voz de autoridade (a ex-jornalista) que divulga
– E então, quando a bomba estoura, há sempre um culpado externo, “alguém do grupo que por má-fé vazou”
– Vejam: a conta falsa usa o nome do diretor da PF, ou seja, não é um zé ruela qualquer que está falando em planos mirabolantes conspiratórios, mas alguém que tem a autoridade institucional para fazê-lo. E a ex-jornalista, que tem mais de 40 anos de profissão, lê algo assim e não se dá o trabalho de ligar para a fonte e questionar?? Não estamos falando na compra de leite condensado, mas em planos de assassinato.

Nem vou entrar aqui no mérito da profunda irresponsabilidade que grassa soltinha em extensas fatias do jornalismo brasileiro, que diz ou lê ou mostra o que quer, quando quer, da forma que quer, privilegiando uns e prejudicando imensamente outros sem qualquer responsabilização.

Quero mesmo destacar esses pontinhos para já pensarmos sobre e para não sermos pegos de calça curta. Outra vez.

Eliara Santana é uma jornalista brasileira e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com especialização em Análise do Discurso. Ela atualmente desenvolve pesquisa sobre a desinfodemia no Brasil em interlocução com diferentes grupos de pesquisa.