As declarações de Konder, entrevistado pelas repórteres Ada Caperuto e Tainá Janone, foram publicadas na edição comemorativa dos 35 anos da Abigraf, número 250, novembro-dezembro de 2010, em texto sob o título “Imprensa livre é garantia de aprimoramento social”, aberto com informações sobre a trajetória jornalística e literária do entrevistado. Diz a matéria:
“Com 45 anos de dedicação ao jornalismo, Rodolfo Konder é atualmente diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em São Paulo e conselheiro do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Aos 72 anos de idade, ele acumula a experiência como secretário municipal da Cultura, de 1993 a 2000; como membro do Conselho da Fundação Padre Anchieta e da diretoria da Bienal de São Paulo; e Presidente da Comissão Municipal para as Comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Autor de 21 livros e merecedor do Prêmio Jabuti (Câmara Brasileira do Livro) de 2001 com a obra Hóspede da Solidão, Konder lançará em dezembro o livro Nosso Rio Marrento e Torturado, no qual registra todas as experiências políticas de conflito com a ditadura durante o regime militar e conta suas experiências em dois períodos de exI1io, fuga, prisão e tortura.
A seguir, reproduzimos a entrevista:DIV>
Abigraf — No final de outubro deste ano, seguindo o exemplo do Ceará, mais três Estados da Federação anunciaram que se preparam para implantar conselhos de comunicação com o propósito de monitorar a mídia, seguindo a recomendação da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009, por convocação do Governo federal. Qual a sua posição sobre isso?
Rodolfo Konder — Eu tenho esboçado posição completamente contra a criação desses conselhos. Muitas pessoas que são a favor, em busca de uma justificativa, costumam criticar a atitude de um ou outro veículo. São argumentos sempre parciais. Ora, não interessa o que fez um ou o outro. O valor da imprensa, sua importância, está na multiplicidade. É no seu conjunto que a imprensa desempenha o papel essencial de preservação da liberdade de informação e de manifestação política. Existem órgãos da imprensa que são mentirosos, que não têm ética, mas existem outros que são corretos, que têm compromisso com a ética e com a honestidade. É do conjunto desses órgãos da imprensa que resulta o espelho onde a sociedade se vê refletida. E a sociedade tem traços bons e maus. Se você busca o aprimoramento da sociedade, a melhor maneira de fazê-lo é preservar a hberdade de imprensa. Esse aprimoramento social, em toda a História, nunca se deu à custa da liberdade de imprensa. Você não pode querer controlar a mídia. Com a liberdade, você prestigia os órgãos que têm compromisso com a ética e repudia aqueles que não têm.
Abigraf — O senhor acredita que a estruturação de conselhos estaduais pode agravar ainda mais a situação, uma vez que cada unidade da Federação terá suas próprias regras?
Konder — A gente sabe que o Governo federal não tem uma visão positiva da imprensa e nem admite críticas a certas posturas. A imprensa é muitas vezes vista como inimiga por discordar do posicionamento oficial. Em minha opinião existe, sim, uma tentativa de montar um tipo de instrumento para controlar os meios de comunicação, com o objetivo mesmo de fiscalizar e controlar as manifestações contrárias aos interesses do Estado. Mas este é um caminho que não engana e as pessoas percebem o que estão tentando criar. Perceberam antes, quando a iniciativa tinha base no plano federal, haja vista que o próprio Governo tinha se comprometido a encaminhar ao Congresso um plano nacional de direitos humanos que envolve o controle da imprensa. Ou seja, já houve uma tentativa de impor um instrumento que prevê o controle oficial da imprensa, mas que não avançou porque a opinião pública, a imprensa e mesmo alguns representantes do meio político não permitiram. Ao que me parece, com os conselhos estaduais, existe a possibilidade de criar-se uma rede que, futuramente, se consolide nacionalmente.
Abigraf — E qual é a posição oficial adotada pela ABI em relação a esse assunto?
Konder — Na ABI-SP, tanto eu como meus colegas conselheiros pensamos do mesmo modo. Todos temos essa preocupação de não fazer concessões no que se refere à liberdade de imprensa. Ontem mesmo [26 de outubro] estive com o Mauricio Azêdo [presidente da ABI] e posso dizer que a posição dele é de critica no que se refere à criação desses conselhos. Não aceitaremos qualquer forma de prejuízo à liberdade de imprensa.
Abigraf — Como a ABI tem se posicionado em relação à não exigência de diploma para exercer a atividade de jornalista?
Konder — Eu me tornei jornalista em 1965, quando voltei do primeiro exílio. Eu não tinha diploma, mas sabia ler e escrever. Fui trabalhar na [agência de notícias] Reuters. Naquela época, com dois anos de exercício profissional era possível obter o registro de jornalista, então tirei o meu. Sou jornalista profissional, mas não tenho diploma. Entretanto, o diploma foi um avanço e uma conquista na história do jornalismo. No final de 1968 vim trabalhar em São Paulo, “empurrado” do Rio de Janeiro pelo AI-5, para trabalhar na revista Realidade. Pouco tempo depois me tornei professor de Jornalismo na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). A existência dos cursos é algo muito positivo, dá densidade à profissão, coloca-a em outro patamar. Nesse sentido, nós da ABI somos favoráveis à exigência do diploma.
Abigraf — Falando sobre tendências da mídia, o jornalismo segmentado vem crescendo nos últimos anos, algo que pode ser confirmado pelo incremento no número de revistas e também de jornais para públicos específicos. Qual é sua opinião sobre esta tendência?
Konder — Este processo de especialização cada vez maior, com o surgimento de uma visão focada, é inevitável e positivo, mas com uma condição: que não se perca o aspecto global das coisas. Não podemos deixar de prestar atenção ao noticiário geral, pois é nele que se pode encontrar as respostas para muitas das indagações sociais. É no jornalismo cotidiano e amplo, praticado com democracia e liberdade, que se encontram as respostas para estes questionamentos. E se você não tem essa liberdade de expressão no jornalismo geral, se a imprensa é controlada, isso se reverte em todos os órgãos, prejudicando até a mídia segmentada.
Abigraf — Nos últimos anos, com o aumento do poder aquisitivo das classes C e D, vem ocorrendo uma expansão no número de títulos dos chamados jomais “populares” com conteúdo mais apelativo. Como o senhor enxerga este momento dos jornais impressos?
Konder — A violência e o erotismo atraem certos tipos de leitores. Como eu disse, a visão global que devemos ter é: a imprensa é uma espécie de espelho no qual a sociedade se vê refletida; se a sociedade tem coisas boas, estará lá [na mídia], se não tem, não estará. Mas a nossa imprensa é marcada pela heterogeneidade: há órgãos que são muito éticos e outros que exploram esse viés apelativo, muitas vezes sem nenhuma ética. Cabe a nós prestigiar aqueles que trabalham com seriedade.
Abigraf — Outra tendência em crescimento é a de jornais diários gratuitos. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de veículo?
Konder — Eu tenho certo cuidado com as coisas que vêm de graça. Temos que nos perguntar o que está por trás disso. Em tudo o que é grátis, sempre existe por trás o interesse publicitário ou de alguém que está patrocinando e certamente quem paga é quem se beneficia. O compromisso maior não é com a notícia, mas sim com a publicidade. O jornal se torna uma alternativa viável de informação para quem não tem dinheiro para comprar um periódico de grande circulação. Esse tipo de imprensa não pode, evidentemente, substituir a grande mídia. Os cidadãos têm que estar sempre informados, procurar todas as mídias, rádio, TV, revista e jornal, para encontrar as informações necessárias. /DIV>
Abigraf — O Jornal do Brasil recentemente deixou de produzir a sua versão impressa. Como o senhor vê o encerramento da circulação de um dos mais antigos e respeitados órgãos de imprensa do País?
Konder — Vendo as coisas em um plano maior, a verdade é que vivemos um processo de transformação, o qual devemos procurar acompanhar, pois tem havido muitas mudanças e isso traz benefícios e riscos.
Abigraf — O senhor acredita que o jornal impresso poderá deixar de existir no futuro?
Konder — Eu tenho 21 livros publicados, em dezembro sairá o 22º, já traduzi seis livros, prefaciei vários outros e minha vida como jornalista tem relação direta com a literatura. Quando vim trabalhar em São Paulo estava vivendo uma experiência singular entre o casamento do jornalismo e da literatura. A revista Realidade seguia o estilo new jornalism, que era justamente essa junção e foi isso que abriu as portas para eu me tornar escritor. Eu me identifico muito com o livro impresso, que, para mim, é um objeto de ternura e carinho. E ele não vai desaparecer. O digital vem para somar e não para eliminar; não significa que o papel será substituído pelo eletrônico. O processo digital vem para transformar, para acrescentar e é inevitável. Nós estamos vivendo um momento em que “o presente está em declínio, o presente está só”, como diria Jorge Luis Borges. As pessoas estão desligadas do passado, do conhecimento, da História e do processo que nos trouxe aqui Por isso também estão desligadas do futuro, porque não têm mais utopias. A maioria das pessoas não tem sonhos, não persegue uma estrela. Estamos vivendo um período complicado. Os jovens estão aprisionados porque ignoram o passado e não planejam o futuro. E a imprensa é um dos pontos possíveis de recuperação e salvamento.