12/12/2016
A Folha de S.Paulo publicou entrevista com o juiz federal e professor universitário Pedro Luís Piedade Novaes, autor do livro “Tutela do Direito de Sigilo da Fonte Jornalística”, lançado em 2012. Na reportagem, ele fala sobre duas decisões judiciais, em São Paulo e em Brasília, que avançaram contra jornalistas com o objetivo de revelar a identidade de suas fontes.
Murilo Ramos, da revista “Época”, e Andreza Matais, do jornal “O Estado de S. Paulo”, tiveram seus sigilos telefônicos quebrados por determinação de juízes para descobrir com quem os jornalistas conversavam.
Pedro Luís Piedade Novaes afirma que essas decisões afrontam a Constituição, que protege o direito de o jornalista manter sua fonte sob anonimato.
Folha – O senhor lançou seu livro em 2012. O direito do sigilo da fonte jornalística sofre risco hoje?
Pedro Luís Piedade Novaes – Poderia dizer que o sigilo da fonte jornalística sempre sofre risco, pois as notícias divulgadas por esse instrumento têm origem no jornalismo investigativo. A Constituição de 1988, ciente disso, tornou o sigilo da fonte jornalística uma garantia constitucional.
As duas decisões recentes estão de acordo com o texto constitucional?
Se os propósitos das decisões judiciais citadas são simplesmente identificar a fonte sigilosa, sem que o jornalista esteja mancomunado com possível prática criminosa, entendo que há flagrante violação direta ao artigo 5º da Constituição Federal.
Como o Judiciário deve tratar esses casos, na sua opinião?
O magistrado deve analisar se o jornalista está inserido ou não na prática criminosa. O sigilo da fonte serve como proteção à liberdade de imprensa, mas jamais pode ser escudo para práticas ilícitas. Se o jornalista está mancomunado com o vazamento de informações sigilosas, deve ser investigado. Agora, se a informação que vem para o juiz é de que o jornalista apenas divulgou a notícia, deve prevalecer a proteção, pois a notícia publicada é de interesse público e verdadeira.
Infelizmente, há decisões que não fazem essa análise criteriosa. Ressalto que todas as vezes em que o STF [Supremo Tribunal Federal] se pronunciou sobre a questão, foi incisivo em manter intacta a garantia constitucional do sigilo da fonte jornalística.
No livro, o sr. diz que o direito ao sigilo da fonte não é apenas um direito do jornalista, mas da sociedade. Em que ponto a sociedade é atingida?
O sigilo da fonte não se trata de um privilégio do jornalista ou do veículo de informação. A sua existência é fundamental para que todas as notícias de interesse público e verdadeiras sejam publicadas, o que ocasiona na plenitude do direito à informação. Sem o sigilo da fonte, notícias envolvendo corrupção, crime organizado ou outros fatos obscuros jamais viriam à tona, pois ninguém se arriscaria a contar algo relevante ao jornalista. Certamente essa pessoa e sua família sofreriam represálias, ameaças e até poderiam ser assassinadas.
Com o sigilo, o jornalista publica a matéria sem mencionar a fonte e divulga a notícia. Ganha a população, que fica informada, ocasionando um pluralismo de ideias, oxigenando a democracia.
Há uma recorrente discussão sobre vazamentos de informações de operações como a Lava Jato. Os jornalistas podem ser atingidos durante a apuração desse tipo de vazamento?
Se o jornalista agir conforme o preceito constitucional e utilizar o sigilo da fonte quando necessário para a divulgação da notícia, afirmo que a imprensa não pode ser responsabilizada.
Não pode haver qualquer tentativa de quebra de sigilo do jornalista ou do veículo de informação. Quem, em tese, comete crime é a pessoa que passa o vazamento ao profissional da imprensa. O jornalista está fazendo o seu trabalho: divulgar notícia verdadeira e de interesse público. A única responsabilidade do jornalista é com a veracidade da notícia, devendo também, por questão ética, manter o sigilo de sua fonte.
Como é a garantia do sigilo da fonte no Brasil, comparado às grandes democracias?
O Brasil é o país mais avançado, pois tem a garantia expressa na Constituição. Nos EUA, as coisas mudaram após os atentados de 11 de setembro de 2001. Em 2005, a jornalista Judith Muller ficou 80 dias presa por não divulgar o nome de sua fonte e, assim, não colaborar com o governo. Essa situação jamais ocorreria no Brasil, pois o sigilo é protegido pela Constituição.
Quando investigações avançam contra poderosos, não é raro que eles se voltem contra seus denunciadores. Isso acontece com juízes, promotores e jornalistas. Como o senhor vê este momento?
O momento é crítico. Veja, por exemplo, a iminência do Congresso aprovar uma lei de abuso de autoridade de juízes, delegados e promotores. Há também projetos de lei para tornar a delação premiada menos eficaz. Não defendo aqui excessos que possam ser cometidos, mas há a tentativa clara de intimidar autoridades. Afinal, a quem interessa um Judiciário fraco e amedrontado?