Juiz condena jornalista por publicar mensagem com ofensas de Wassef


11/06/2022


Chico Alves, colunista do UOL

O juiz Fábio Coimbra Junqueira, da 6ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, por danos morais em R$ 10 mil no processo cível movido pela jornalista Juliana Dal Piva, colunista do UOL, que denunciou ter sido ofendida e ameaçada pelo advogado após a publicação do podcast A vida secreta de Jair, que mostrou indícios do envolvimento do presidente Jair Bolsonaro em esquema de desvio de salário de assessores do seu gabinete quando foi deputado federal. No entanto, o magistrado também condenou a jornalista em R$ 10 mil por divulgar mensagens enviadas por Wassef com as ofensas.

Em mensagem no WhatsApp, Wassef questiona a ética profissional da jornalista e faz comentários de cunho sexual, o que motivou a condenação. O magistrado avaliou, porém, que não houve ameaça.

Para Junqueira, é “ilícita a publicação não autorizada da mensagem, não o seu envio a determinada pessoa em particular. Isso porque as comunicações entre particulares são sigilosas”. O magistrado avaliou que a “exposição desnecessária e negativa” de Wassef “foi devidamente comprovada, pois a autora tornou pública uma mensagem sigilosa enviada por um aplicativo de mensagens criptografadas”.

O juiz escreveu que “em nenhum momento, fica implícito ou explícito que ele a ameaça, justamente por dizer, em seguida, que em território brasileiro não ocorre esse tipo de comportamento como nos demais países citados por ele (Cuba, Venezuela, Argentina e Coreia do Norte). Logo, entende-se que o réu não pensa que a autora será perseguida por exercer sua profissão no Brasil”, escreveu o juiz. “Contudo, ao questionar sobre a sexualidade da autora (…) o réu ultrapassa os limites do razoável no que se refere ao seu direito de liberdade de expressão”, continua Junqueira.

A advogada Sheila Carvalho, do escritório Carvalho e Siqueira advogados, que representa Juliana Dal Piva na ação, informa que irá recorrer da sentença. “É muito ruim que não tenha sido enxergado pelo magistrado o dano pela ameaça sofrida pela Juliana. Uma ameaça que se caracterizou de maneira evidente dentro do exercício da profissão que coloca em xeque o direito de liberdade de imprensa da parte autora, considerando que a mensagem que foi enviada ocorreu após uma conversa no âmbito profissional. Não foi uma conversa pessoal ou privada em que estava sendo colocado qualquer tipo de sigilo sobre isso”, explica a advogada.

“Independentemente disso, é muito grave também que o juiz tenha reconhecido um pedido do réu para que a autora fosse condenada por ter divulgado a ameaça sofrida dentro do WhatsApp”, diz Carvalho. “Independente da forma como ocorreu a ameaça, ela pode sim ser divulgada. Inclusive, a divulgação da ameaça é um mecanismo de proteção à jornalista que foi ameaçada até para evitar que a ameaça seja concretizada. Independente de qual meio seja. Então a autora estava completamente legitimada para divulgar uma mensagem que foi feita diretamente no seu WhatsApp, dentro de uma ação que estava realizando enquanto jornalista. E se o juiz reconhece na sentença que houve um dano à honra da autora, ele também tem que legitimar o meio pelo qual foi obtido o acesso a essa ofensa realizada. Há várias incongruências nessa decisão”.

O UOL emitiu a seguinte nota sobre a decisão do juiz: “O UOL recebe com surpresa a decisão proferida no processo movido pela colunista Juliana Dal Piva contra Frederick Wassef, decisão essa que não reconhece o potencial ofensivo das ameaças sofridas pela jornalista e ainda as iguala à tentativa da jornalista de defender-se. No entender do UOL, a sentença deixou de considerar a relevância da atividade jornalística e os riscos específicos a que as jornalistas mulheres estão sujeitas. O UOL manifesta seu apoio à colunista e reitera seu compromisso de garantir segurança e apoio a toda a sua equipe de jornalistas”.

A coluna ouviu também o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa, que comentou o caso. “O objetivo de condenações como essa é intimidar o jornalista para tentar fazer com que ele desista de fazer apurações delicadas”, afirma Costa. “Alguns integrantes do Judiciário entram nesse clima obscuro que estamos vivendo para atacar o jornalismo. Mas eles devem saber que não conseguir esse intento, os jornalistas vão continuar fazendo seu trabalho. Como diz a ministra Cármen Lúcia, cala boca já morreu!”.