José Maria Rabelo, o jornalista, o militante, e também o cupido


29/12/2021


Por Rosa Freire D’Aguiar, viúva do Celso Furtado, em sua página do Facebook.

Foi-se o José Maria Rabelo. Estou passada. Conheci Zé Maria pouco depois que ele chegou do Chile e iniciou, ao lado de Thereza e dos sete filhos, um segundo exílio, desta vez na França. Mais adiante, Zé Maria juntou-se ao projeto da livraria brasileira em Paris. Essa livraria foi a continuação da Livraria Portuguesa que Mario Soares manteve muitos anos aqui, até voltar para Portugal, depois da Revolução dos Cravos em 1974. Ficava na rue des Écoles, em pleno Quartier Latin, onde hoje funciona a L’Harmattan. Zé Maria era a alma da livraria. Que sempre foi muito mais do que um estabelecimento comercial. A Livraria dos Países de Língua Espanhola e Portuguesa — seu pomposo nome — era um ponto de encontro, era o palco onde, entre as bem fornidas prateleiras, se multiplicaram os debates políticos sobre o Brasil.

Zé Maria recuperou a linda cave de pedra do subsolo e ali instalou um pequeno auditório para palestras, bate-papos com brasileiros de passagem por Paris, exilados de outros países, franceses vindo manifestar sua solidariedade aos perseguidos pelo regime militar.

Para nós, jornalistas brasileiros, Zé Maria era alguém da família. Conhecia, literalmente, todo mundo! os exilados, claro, mas também políticos, sindicalistas e intelectuais franceses, portugueses, italianos, os escritores de várias partes do Terceiro Mundo. Sempre generoso, solidário, pronto a ajudar, ele nos dava os nomes, os telefones de quem queríamos entrevistar. Voltava a ser o jornalista combativo que dirigiu o “Binômio” em Belo Horizonte antes do golpe de 64. Sugeria outros nomes, perguntas a fazer, dava-nos o background do futuro entrevistado: era encontrar Zé Maria e já sair com a pauta prontinha!

Quando Leonel Brizola deixou o Uruguai e começou, nos idos de 78, a viajar por países europeus, Zé Maria é que estava sempre a seu lado, sendo depois um dos fundadores do PDT. Lembro-me especialmente da primeira viagem de Brizola a Paris, num inverno com muita neve, em que Zé Maria cuidou de tudo, desde o jantar que lotou as várias salas de um restaurante em Montmartre até o encontro com François Mitterrand e toda a cúpula do Partido Socialista.

Outros rememorarão, aqui, o Zé Maria político, antes e depois da ditadura, o militante, o jornalista.

Conto, num registro mais pessoal, que foi Zé Maria quem me apresentou a Celso Furtado, convidados que fomos, Celso e eu, para uma inenarrável feijoada na casa de Zé Maria e Thereza, nos idos de um sábado gelado de março de muitos anos atrás. Zé Maria, quem diria, até cupido foi!

Um abraço carinhoso para os filhos, em especial para Fernando, Monica e Patricia.

P. S. Recomendo vivamente o livro que Zé Maria e Thereza escreveram, “Os caminhos do exilio”, editado pela Geração Editorial. Esse misto de reportagem, recordações, reflexões, é dos melhores relatos para se conhecer a vida daqueles tristes anos do exílio a que foram forçados tantos brasileiros.