Joaquim Nabuco é tema de exposição no Rio


04/09/2009


“Joaquim Nabuco — brasileiro, cidadão do mundo” é o tema da exposição em cartaz no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, em celebração aos 160 anos de nascimento do escritor, jornalista, jurista e diplomata Joaquim Nabuco, um dos maiores abolicionistas brasileiros, cuja obra influenciou pensadores como Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda.

Com curadoria geral de Helena Severo, cenografia de Chicô Gouveia e animação do design Marcello Dantas, a exposição reúne valioso acervo, entre objetos pessoais, fotografias, mobiliário, livros, correspondências e documentos que resgatam a memória de um dos maiores expoentes nacionais.
— O Brasil precisa conhecer seus grandes nomes. Joaquim Nabuco foi um dos homens públicos mais importantes que o país já teve, sobretudo pela brilhante atuação na campanha abolicionista. Até hoje, o pensamento dele é extremamente atual. Em sua época, já falava das desigualdades sociais e da importância da educação, entre outros assuntos relevantes — ressalta a curadora.

O pernambucano Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, nascido em Recife, em 19 de agosto de 1849, e morto em Washington(EUA), em 17 de janeiro de 1910 tem a trajetória cronologicamente apresentada nos módulos intitulados “A Infância e a Formação”; “O Abolicionista e o Pensador” e “O Diplomata e Cidadão do Mundo”.

À homenagem somam-se textos do sociólogo Francisco Weffort, do jurista e diplomata Rubens Ricúpero e de membros da Fundação Joaquim Nabuco, que sublinham o ineditismo, a vanguarda e o liberalismo político do homem que marcou a história do Segundo Reinado, da diplomacia brasileira, e da luta antiescravagista, sua maior bandeira.

“Joaquim Nabuco é uma figura importantíssima, não apenas porque contribuiu para a abolição da escravatura de uma maneira muito decisiva, mas porque ele terá sido talvez o primeiro na elite brasileira a dizer: ‘os negros nos deram um povo’. Algo fortíssimo — conforme as palavras do sociólogo Francisco Weffort, autor do livro “Formação do pensamento político brasileiro”, no qual assinala “o papel essencial e a contribuição intelectual de Joaquim Nabuco na segunda metade do século XIX”.

Uelinton Alves

Para o jornalista e escritor Uelinton Alves, autor de “Cruz e Sousa — Dante Negro do Brasil”, finalista do Prêmio Jabuti 2009 na categoria Biografia, o papel de Joaquim Nabuco, assim como o do pai, o senador Nabuco de Araújo, era a de um estadista, como diplomata e parlamentar:
—Sua missão foi a de dar transparência ao Brasil, sobretudo no exterior, mesmo durante a República, uma vez que era um monarquista ferrenho, defensor do imperador e da política do Império brasileiro. Para a história do Brasil, Joaquim Nabuco deu um corte epistemológico crucial ao propor políticos de integração diplomática, sobretudo no eixo da economia e das relações humanas. Daí a sua obstinada defesa da abolição da escravatura, daí a desenvoltura com que defendia as liberdades sociais, políticos e de expressão.

Infância e Formação

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Joaquim Nabuco aos 7 anos

Filho do Senador José Tomás Nabuco de Araújo, “o Estadista do Império”, e de Ana Benigna Barreto Nabuco de Araújo, irmã do Marquês do Recife, Francisco Pais Barreto, Nabuco passou grande parte da infância no campo, sob os cuidados da madrinha Ana Rosa Falcão de Carvalho, proprietária do Engenho de Massangana, no município de Cabo de Santo Agostinho, a quarenta quilômetros de Recife. Ali, entrou em contato com os horrores do regime escravocrata.

Após a morte da madrinha, mudou-se para a residência dos pais na cidade do Rio de Janeiro, onde estudou humanidades no Colégio Pedro II. Em 1865, iniciou os estudos em Direito na Faculdade de São Paulo, e em 1870, formou-se pela Faculdade de Direito do Recife, onde aprimorou as qualidades de orador e líder que o aproximaram de políticos de prestígio e professores notáveis. Os primeiros passos na política estiveram vinculados a esta liderança junto a acadêmicos ligados ao Partido Liberal.

Para retratar o módulo sobre a infância e a formação, a entrada do Museu Histórico Nacional foi transformada em cenário que remete ao clima de canavial e engenho, sonorizado com cânticos africanos. Imagens de cartões postais das cidades onde Nabuco viveu durante esta fase também ilustram o ambiente.

Abolicionista e Pensador

De formação conservadora, filho de uma das mais tradicionais famílias do país, ligada à economia açucareira e à política, em 1869, Nabuco escreveu o livro “A escravidão” — que permaneceu inédito até 1988, quando foi publicado pela Fundação Joaquim
Nabuco—, e escandalizou a elite local ao defender em um júri o escravo Tomás, que assassinara o seu senhor.

Influenciado pelas idéias de Tobias Barreto, Sílvio Romero e Castro Alves, Nabuco escreveu opúsculos, artigos, e dezenas de livros, como “Camões e Luzíadas”, em 1872.

Lei Áurea

Seis anos depois, foi eleito deputado pela província de Pernambuco, iniciando no parlamento a campanha em favor da abolição da escravatura.
Em 1880, apresentou um projeto de lei propondo a abolição, fundou a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, e se tornou o maior porta-voz do abolicionismo, especialmente junto ao parlamento. No mesmo ano, foi o orador oficial nas cerimônias de comemoração pelo Terceiro Centenário de Camões, no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.
Em função da bandeira abolicionista, Nabuco aprofundou as divergências com o seu partido, o Liberal, e inviabilizou sua reeleição para a Câmara dos Deputados, pela Corte. Decidiu, então, morar durante um tempo na Inglaterra. Publica em 1883 “O Abolicionismo”. Em 1884, conseguiu se eleger deputado por Pernambuco, sempre defendendo a abolição. Apesar de vitorioso, foi expurgado pela Câmara, mas retomou o cargo, pouco depois. Em 1888, participou de audiência particular com o papa Leão XIII para relatar a luta pelo abolicionismo no Brasil, tendo possivelmente influenciado o pontífice na elaboração de uma encíclica contra a escravidão.
— Como deputado e como jornalista, Joaquim Nabuco imprimiu um estilo novo de se fazer política, que passa ao longe da política oligárquica e coronelista vigentes. Ao imprimir tom novo a política que até então praticava, Joaquim Nabuco se destaca nessa cena, e passa a ser uma voz influente para direcionar os rumos do fim da escravidão brasileira. Com a publicação, em Londres, de “O Abolicionismo”, a história da escravidão muda de figura, e ao mesmo tempo o regime feudal recebe os primeiros golpes mortais que o aniquilaria poucos anos depois. Ao lado de líderanças proeminentes como José do Patrocínio e André Rebouças, Nabuco se destaca numa tríade antiescravista típica. A partir de então, passam a ter a certeza da vitória — explica Uelinton Alves.

Princesa Isabel

No módulo da exposição dedicado à luta de Nabuco pela abolição e sua influência na construção do pensamento nacional, o visitante encontra o original da “Lei Áurea”, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, e a réplica do Teatro Santa Isabel, de Recife, onde um importante discurso de Nabuco foi reproduzido com recursos de animação. Complementam o cenário, imagens e objetos que remetem à luta abolicionista e à trajetória na Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual Nabuco foi um dos fundadores, ao lado de Machado de Assis, exerceu o cargo de 1º Secretário-geral da instituição entre 1897 e 1899, e de 1908 a 1910, e fundou a Cadeira nº 27, que tem como patrono Maciel Monteiro.

Diplomata e Cidadão do Mundo

Em 1899, Joaquim Nabuco ingressou na fase diplomática de sua carreira. Neste contexto, redigiu a defesa do Brasil na disputa com a Inglaterra sobre a fronteira da então Guiana Inglesa. Ao receber críticas dos monarquistas por aceitar a nomeação republicana, defendeu-se escrevendo o livro “Minha formação” (1900), onde se proclamou liberal, antes de monarquista.

Estojo com lembranças da Abolição

Em 1900, chefiou a delegação brasileira em Londres, tornando-se, na prática, funcionário da República, no prestigioso posto da maior potência internacional da época, no final da era Vitoriana. Cinco anos depois, ao ser nomeado o primeiro embaixador do Brasil em Washington, estabeleceu excelentes relações com o então Presidente Theodore Roosevelt.

Defendeu uma política pan-americana baseada na Doutrina de Monroe e recebeu títulos de Doutor Honoris Causa de várias universidades americanas. Sua defesa de um sistema continental americano contribuiu para a criação da União Pan-americana, embrião da futura Organização dos Estados Americanos (OEA).

A fase da diplomacia durou até a sua morte, em 17 de janeiro de 1910, nos EUA.

Segundo o jurista e diplomata Rubens Ricúpero, ninguém superou Joaquim Nabuco no vigor e originalidade com que apreendeu a realidade internacional em evolução e propôs, dentro das limitações de poder brasileiro da época, uma política exterior adequada à defesa dos interesses nacionais:
— Ele foi um dos raros que souberam aliar à força do pensamento, as qualidades de execução e desempenho inseparáveis do agente diplomático. Dos seus sucessores nos Estados Unidos, somente Oswaldo Aranha chegou perto na capacidade de somar à influência em alto nível na capital americana a irradiação política e cultural própria junto aos meios dirigentes brasileiros.

O ponto alto da atuação de Nabuco, lembra Ricúpero, foi a 3ª Conferência Internacional Americana, realizada, por sua influência, no Rio de Janeiro, em 1906, e a qual presidiu:
— Ele convenceu seu amigo, o secretário de Estado Elihu Root a comparecer à reunião, tendo sido essa a primeira visita de um secretário de Estado norte-americano ao exterior.
Nabuco foi não só cronologicamente o primeiro, mas o maior de todos os embaixadores brasileiros. Dele se poderia dizer o que escreveu Federico García Lorca a respeito de Ignacio Sánchez Mejia: ‘Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace / un andaluz tan claro, tan rico de aventura’.

Imprensa

Caneta e carteira

Após a formatura em Direito, em 1870, Nabuco retornou ao Rio de Janeiro para trabalhar no escritório de advocacia de seu pai. Neste período, iniciou as atividades na imprensa, no jornal A Reforma, onde estreitou relações com importantes figuras da vida literária brasileira, como Machado de Assis, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, de cujo convívio nasceria a Academia Brasileira de Letras, em 1897. 

Em fevereiro de 1882, derrotado nas eleições para a Câmara dos Deputados, pela Corte, como representante dos abolicionistas, decidiu partir para a Europa. Viveu em Londres como advogado e jornalista, escrevendo para o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. Em 1884, publicou um dos seus principais livros, “O Abolicionismo”.
Em janeiro de 1886, novamente derrotado em eleição para a Câmara dos Deputados, desta vez por Recife, Nabuco volta a se dedicar ao jornalismo escrevendo uma série de opúsculos, como “O erro do Imperador”, “O Eclipse do Abolicionismo” e “Eleições liberais e eleições conservadoras”, fazendo críticas ao governo.

Em 1891, Nabuco passou a ser colaborador do Jornal do Brasil, recém-fundado por Rodolfo Dantas. No período entre 1893 e 1899, dedicado a intensa atividade intelectual, Nabuco escreveu vários livros e artigos para jornais e revistas. Algumas obras foram publicadas em formato de capítulos em jornais e na “Revista do Brasil”. Entre elas, “Balmaceda”, de 1895, sobre a guerra civil no Chile; “A intervenção estrangeira na Revolta de 1893”, publicada em 1896, na qual analisa o confronto entre Saldanha da Gama e Floriano Peixoto; “Um estadista do Império” (1896), sobre o pai, senador Nabuco de Araújo e a condição política, econômica e social do Brasil; e “Minha formação”, publicado parcialmente na imprensa e reunido em livro em 1900. 

Busto de Nabuco feito por Rodolfo Bernardelli

—Joaquim Nabuco foi mais jornalista do que escritor. Seus laços de amizade com Lúcio de Mendonça, intelectual que concebeu a Academia, e Machado de Assis, então o escritor mais conhecido da sua época, o levou à fundação da ABL. Seus livros de temáticas direcionadas eram calcados na sua experiência parlamentar e jornalística. Intelectual influente, ditou os rumos da cultura. Respeitado pelos seus pares, era uma voz ouvida com atenção nas rodas literárias e políticas. O Brasil deve muito a ele no campo da concepção do que o Estado brasileiro precisava pensar para se desenvolver como nação. Ainda há muito o que dizer e conhecer a respeito de Joaquim Nabuco, e esta dívida o povo brasileiro tem para com ele e seus descendentes, conclui Uelinton Alves.