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Investigação sobre os mortos e desaparecidos da ditadura será retomada pelo governo Lula


03/09/2024


Em solenidade no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, na sexta-feira (31/08), foi reinstalada oficialmente a Comissão Nacional dos Mortos e Desaparecidos Políticos que havia sido encerrada no final do governo Bolsonaro. A mesa, presidida pelo ministro Sylvio Almeida, foi composta pelo juiz Gabriel da Silveira Matos, secretário-geral do CNJ, e pela procuradora Eugênia Gonzaga, coordenadora da Comissão.

Fortemente emocionado, o ministro Silvio Almeida salientou o compromisso do governo Lula em apurar toda a verdade sobre as atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro durante o período da Ditadura Militar.

A retomada das investigações em torno do desaparecimento de adversários do regime militar, inclusive o levantamento das vítimas entre os camponeses, indígenas e quilombolas foi uma das principais questões levantadas durante a reunião.

A ABI foi representada pelo diretor em Brasília, Armando Sobral Rollemberg. Em nome da ABI. Rollemberg apresentou um resumo da situação que a Comissão dos Mortos e Desaparecidos deverá enfrentar em sua nova fase, elaborado pelo diretor de jornalismo, Moacyr de Oliveira Filho, que foi preso no Doi-Codi, em maio de 1972, e integra o GT Memorial Doi-Codi, que pretende transformar o complexo arquitetônico onde funcionou o Doi-Codi, entre as ruas Tutóia e Thomaz Carvalhal, em São Paulo, num Memorial.

Leia o Relatório:

1. A Comissão Nacional da Verdade identificou em seu Relatório Final, 434 mortos e desaparecidos políticos sob a
responsabilidade do Estado brasileiro durante a ditadura. Destes,  foram 191 mortos, 210 ainda estão desaparecidos e apenas 33  corpos já foram localizados.

2. Entre eles estão pelo menos duas dezenas de jornalistas – Mário Alves, Luiz  Ignácio Maranhão Filho, Antônio Benetazzo, Jayme Amorim de  Miranda, Ieda Santos Delgado, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Vladimir Herzog e
Orlando Bomfim Jr., entre outros.

3. O relatório final da CNV apontou, também, a necessidade de se  investigar os casos de camponeses e indígenas alvos da repressão e que até hoje não foram reconhecidos individualmente como vítimas do Estado. Estima-se que 1.196  camponeses e 8.300 indígenas seriam vítimas também da  repressão da ditadura brasileira.

4. Existe, ainda, em aberto, a discussão sobre a necessidade de se ampliar a  investigação, incluindo na contagem das vítimas as populações  de favelas e periferias, dado que o Estado brasileiro já possui  muitas evidências de que nestes locais pessoas também foram  vitimadas pela violência do Exército e das polícias na ditadura.

5. Esses dados acima referidos comprovam, sobejamente, a importância da recriação da Comissão dos Mortos e
Desaparecidos Políticos, extinta no  governo Bolsonaro.

6. A Associação Brasileira de Imprensa, além de festejar a recriação da CMDP para continuar investigando os horrores cometidos pela Ditadura, destaca a importância da transformação  dos espaços utilizados pelos órgãos de
repressão em Centros de Memória, uma  das recomendações da Comissão Nacional da Verdade (como já foi feito com o Memorial da  Resistência, no antigo DOPS, em São Paulo, e se anuncia fazer  com a Casa da Morte, em Petrópolis).

7. No entanto, cabe-nos ressaltar que o mais emblemático deles – o DOI-Codi do II  Exército, em São Paulo, ainda espera pela sua transformação  num Memorial.

8. Vale apena recordar que a inicialmente conhecida como Operação Bandeirantes (OBAN) foi  criada em 2 de julho de 1969 e instalada no quartel do 2º Batalhão  de Reconhecimento Mecanizado da Polícia do Exército, na Rua Abílio  Soares. Em setembro de 1969 a OBAN foi transferida para o complexo de  prédios entre as ruas Tutóia, 921, Thomaz Carvalhal, 1030 e Coronel  Paulino Carlos, no bairro do Paraíso, pertencentes ao Governo do  Estado de São Paulo, nos fundos do 36º DP, que ali funciona até hoje.

9. Em junho de 1991, esse complexo arquitetônico foi oficialmente  devolvido pelo Exército ao Governo do Estado de São Paulo. Em 2014 foi tombado pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio  Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado.

10. Em junho de 2021, o Ministério Público de São Paulo entrou com  uma Ação Civil Pública, na 14.a Vara da Fazenda Pública, requerendo a  transferência desses prédios da Secretaria de Segurança Pública para  a Secretaria de Cultura e o início do processo de criação naquele local de um Centro  de Memória. A ação aguarda uma proposta a ser apresentada pelo  Governo do Estado de São Paulo. Em 9 de setembro de 2021 foi  realizada uma histórica audiência de conciliação dentro do antigo  DOI- CODI, mas o governo de São Paulo pediu um prazo de 90 dias
para apresentar uma contraproposta, o que até hoje, lamentavelmente, não aconteceu.

11. O DOI-CODI atuou intensamente na repressão política até  1976, quando ocorreu sua última grande operação – a Chacina da  Lapa, como ficou conhecido o episódio em que policiais  invadiram a casa que ficava na Rua Pio XI, 767, no bairro da Lapa,  São Paulo, que servia de sede para o Comitê Central do Partido  Comunista do Brasil (PCdoB). Na operação, Angelo Arroyo e Pedro  Pomarforam assassinados pelos agentes e sete  integrantes do PCdoB – João Batista Drummond, Elza Monnerat, Aldo  Arantes, Haroldo Lima, Wladimir Pomar, Joaquim Celso de Lima e  Maria Trindade –foram presos e levados ao prédio da Tutóia. João  Batista Drummond foi assassinado na tortura, nas dependências do  DOI.

12. Considerado o mais violento e emblemático órgão de repressão da ditadura militar, o DOI-CODI funcionava como uma espécie de comando geral do aparato  repressivo de todo o país, segundo dados de uma monografia do  tenente-coronel Freddie Perdigão Pereira, apresentada à Escola de  Comando e Estado-Maior do Exército, em 1977 –O Destacamento de  Operações de Informações (DOI) – Histórico Papel no Combate à  Subversão – Situação Atual e Perspectivas. No período de 1969 a 1977, um total de 2.541  pessoas foram presas pelo DOI-CODI, sendo que 914 foram encaminhadas para  lá por outros órgãos, 3.442 prestaram declarações e foram liberadas  e 54 foram mortas ou desaparecidas .

13. Ainda conforme dados coletados pela Comissão Estadual da  Verdade Rubens Paiva, pela Comissão Nacional da Verdade e pelo jornalista Marcelo Godoy, em seu livro A Casa da Vovó, mais  de 7 mil brasileiros foram capturados pelo DOI-CODI. Desse total, 78 foram mortos por ação direta dos agentes, durante as as sessões de  tortura, executados em operações de rua ou em outrocentros  clandestinos (como o Sítio 31 de Março, a Casa de
Itapevi, conhecida  como Boate, utilizada a partir de 1974, e a Casa da Morte, em  Petrópolis).

14. A grande maioria dos assassinatos acontecidos nas dependências do o DOI-CODI ocorreu sob o  comando do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, entre  setembro de 1970 e janeiro de 1974 – 43 mortos (72 %).

15. Em 1º de dezembro de 2023, o ministro Sylvio Almeida  visitou o local, participou de uma roda de conversa com ex-presos  políticos e com integrantes do GT Memorial DOI-Codi – do qual faz  parte o diretor de Jornalismo da ABI, Moacyr Oliveira Filho, que foi  preso no DOI-Codi em maio de 1972. O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, nesta oportunidade, se reuniu com pesquisadores,  promotores públicos, familiares de mortos e desaparecidos  políticos, historiadores e integrantes do projeto de pesquisa de  arqueologia que ali vem sendo desenvolvido, e
conheceu onde  ficavam as celas, as salas de tortura e o sobrado onde, durante algum  tempo, morou o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra, que  comandou o órgão de setembro de 1970 a janeiro de 1974. (Ustra  residiu no local com sua esposa Maria Joseíta e a filha Patrícia,  então com apenas 3 anos de
idade).

16. Finalmente, encerrando este breve sumário da tragédia que manchou indelevelmente a História do nosso País, a ABI espera ansiosamente que o Ministério dos Direitos Humanos e da  Cidadania participe da negociação com o governo do Estado de São  Paulo para que se encontre uma solução que viabilize a  transferência daquele complexo arquitetônico que sediou o DOI- Codi, ainda hoje no âmbito da Secretaria de  Segurança Pública, para a Secretaria de Cultura (ou para algum  órgão federal), para que se inicie, efetivamente, a sua transformação em  Memorial, para que as novas gerações de possam conhecer a verdade sobre a tragédia ocorrida durante aquele vergonhoso
período da nossa História.

Brasília, 30 de agosto de 2024
Armando Sobral Rollemberg, diretor da ABI em Brasília

Moacyr de Oliveira Filho, diretor de Jornalismo da ABI