Inconformismo e saudade dos trens


03/10/2008


Colaboração de Genésio Pereira dos Santos, sócio da ABI, advogado e Diretor de 
Administração e Finanças do Movimento de Preservação Ferroviária (e-mail:
gimam@ig.com.br)

Por mais que queiram negar, é inegável que não há como esquecer o passado das ferrovias, quando se reporta ao tempo dos românticos trens de passageiros, que trafegavam por diversos trechos por esses Brasis afora, de Norte a Sul do País.

No trecho da Linha Auxiliar, por exemplo, de Japeri a Três Rios (passando por Governador Portela a 635 metros de altitude), o traçado é muito íngreme, cheio de curvas e bonito, pois é adornado por uma cadeia de montanhas; e as locomotivas a vapor soltavam fumaça, num visual poético, à noite, sob um luar de encantar a quantos puderam contemplar o que a natureza ainda provê por aquelas bandas.

O jornal O Globo do dia 14 de setembro, caderno “Rio”, página 22, publicou uma matéria interessante, sob o título “Testemunhas da história das ferrovias”, da lavra de Cláudio Motta, que versa sobre o inventário das pontes que não têm uso operacional e que pertenciam ao patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA), que foi passada à União por força da Lei nº 11.483/07.

Segundo declina o jornalista Cláudio Motta, especialistas contratados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estão analisando as estações de passageiros construídas no início dos séculos XIX e XX, com vista ao aproveitamento turístico-cultural, e não podia ser outra a atitude desse órgão.

O Iphan pretende celebrar convênios com as prefeituras, que se disporão a ser as gestoras dessas atividades, notadamente daqueles que os futuros prefeitos e Câmaras de Vereadores tiverem uma visão do que representam esses imóveis, muitos de rara beleza artística e arquitetônica.

O Instituto vem mantendo entendimentos no sentido de vir a gerenciar a famosa Estação de Barão de Mauá, da saudosa E. F. Leopoldina, onde há razoável área predial disponível e alguns quilômetros quadrados de espaço em seu entorno inativo e ocioso, que poderia ser adaptado para abrigar o Museu Ferroviário, que está enjeitado lá próximo do Engenhão, juntamente com o Centro de Referência da Memória Ferroviária, titulação essa denominada pelo Iphan..

É possível que haja entrosamento no sentido de que se venham a conciliar todos os interesses em benefício do patrimônio histórico-cultural, a fim de prover a população de mais uma opção de lazer, devendo ser cogitado junto ao futuro prefeito que seja feito um projeto de reurbanização de toda aquela grande área, pelo que representarão, para a cidade do Rio de Janeiro, a Área Ferroviária, São Cristóvão, Quinta da Boa Vista e alhures.

Por outro turno, é preciso que esses projetos estejam afinados com o do futuro trem-bala, para uma convivência turístico-cultural, para que não se conflitem com toda a logística operacional desse trem de alta velocidade. Os estudos devem ser conjugados para se evitarem os “descarrilamentos” político-econômico-socioculturais.

Há um inconformismo da sociedade brasileira com a degradação a que foi levado o modal ferroviário oficial ainda existente e que causa profunda tristeza e decepção, notadamente aos integrantes da Diretoria do Movimento de Preservação Ferroviária (MPF), que há dez anos procuram manter acesa a política preservacionista do bem corpóreo e de todo o acervo arquitetônico, cultural e bibliográfico da ex-RFFSA, ao longo dos trechos concedidos. Também o Movimento de Preservação Ferroviária busca caminhos para uma revitalização dos trens de passageiros nos ramais “desestatizados.” Há um clamor social pela volta desses trens, porque o sentimento de saudade deles ainda é muito visível.

A Prefeitura de Miguel Pereira-RJ, através da Lei Municipal nº 1582, de 01-09-97, tombou vários bens, por interesse urbano, social e paisagístico, dentre esses as pontes ferroviárias de Vera Cruz (citada na reportagem), Monte Líbano, Arcádia e Santa Branca.

A Ponte Paulo de Frontin, segundo a matéria, “só serve para a contemplação e a esportistas, que a usam para fazer rapel num vão de 34 metros (…)” de seu gomo central, pois a sua extensão total é de 82 metros, por sobre o Rio Santana, na localidade de Vera Cruz. Trata-se de uma obra de engenharia linda e que encanta a quantos a virem.

O que nos anima sobremaneira é o que informa o Superintendente do Iphan, Carlos Andrade, ao afirmar que o órgão de preservação histórica e artística está avocando para si as análises da situação das 350 estações remanescentes da ex-RFFSA, incluindo-se a de Barão de Mauá, como passíveis de serem reurbanizadas paisagIsticamente, para deleite das comunidades onde estão construídas.

O MPF, por seus diretores, ferroviários e ferroviaristas, está a braços com esse propósito do Superintendente do Iphan e, além de aplaudi-lo, se coloca à disposição para, juntos, salvarem o que ainda resta do acervo da ex-RFFSA. O professor Victor José Ferreira, operoso e abnegado Presidente do MPF, preocupado com essa situação, já se manifestou reiteradas vezes sobre a necessidade de se processar urgentemente, técnica e cientificamente, a preservação do patrimônio arquitetônico, artístico, histórico e bibliográfico, no tempo e no espaço, por sua importância para o futuro cultural do País.

Nós outros estamos inconformados com o desaparecimento dos trens de passageiros e deles sentimos muita saudade. Que o trem-bala seja a célula viva e saudável para que os de velocidade mais lenta venham a circular em outros ramais e itinerários desativados.