Hoje é Dia de Livro (e de filme)


31/10/2022


Na ausência da diretora de Cultura, Maria Luiza Busse, segue uma dica de livro e de filme, enviadas pelos conselheiros Érika Werneck e Geraldo Cantarino

Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, nasceu para ser bem-sucedido. Antes mesmo de ter sido lançado, em 2019, o livro recebeu, em 2018, o Prêmio Leya, em Portugal, no qual o autor inscreveu seu manuscrito. Um ano depois, foi publicado no Brasil, pela Editora Todavia. E vieram mais dois prêmios, Jabuti e Oceanos, ambos em 2020. Para o autor, Torto Arado é uma declaração de amor à terra e aos que  trabalham nela, o que salta aos olhos durante a leitura, pela relação das personagens com sua terra, da qual depende seu sustento e de toda comunidade da Fazenda Água Negra, localizada na Chapada Diamantina.  Ali, as irmãs Bibiana e Belonísia são vítimas de um acidente, quando encontram uma velha faca, numa mala guardada embaixo da cama da avó. A partir de então, e para sempre, as vidas das duas estarão ligadas a tal ponto que uma será a voz da outra.

Torto Arado é uma trama romanesca, não bem marcada no tempo, mas cujos problemas persistem ainda hoje em nossa sociedade.  Pelas vozes femininas, sobretudo das duas irmãs, Itamar Vieira Junior enfatiza o protagonismo da mulher forte, e vai contando, com muita sensibilidade, a saga de uma comunidade sem voz, silenciada pela opressão dos donos da terra, que nunca usaram uma enxada. Enriqueceram às custas dos filhos da terra, cujas forças brotam do chão tal qual os alimentos que dela retiram com o trabalho de suas mãos. Editora Todavia.

‘Pisar suavemente na terra’: documentário é um emocionante grito de urgência que ecoa em nossa consciência

Por Geraldo Cantarino*

Há filmes que, simplesmente, passam na tela à nossa frente. Outros, permanecem com a gente. Assim é com o documentário Pisar Suavemente na Terra, que estreou na 46ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, terá mais uma exibição amanhã, dia 2, e segue para o Rio de Janeiro para ser exibido dia 5 no FilmAmbiente, a ser realizado no Espaço Itaú de Cinema e on line.

O filme traz o relato pungente de três lideranças indígenas da Amazônia, duas no Brasil e uma no Peru. São histórias de enfrentamento, resistência e sobrevivência. Registros de uma guerra secular em defesa de seus espaços e tradições em harmonia com a natureza. Uma natureza sistematicamente ameaçada, violada e aviltada por uma cultura predatória em nome do desenvolvimento.

No momento em que se verifica o desmonte da política ambiental promovido pelo atual governo  brasileiro – que facilitou o garimpo ilegal, a mineração e o desmatamento recorde em áreas protegidas –, o documentário é um emocionante grito de urgência que ecoa em nossa consciência.

Pisar Suavemente na Terra é produzido e dirigido pelo brasileiro Marcos Colón. Filho de mãe brasileira e pai norte-americano de origem porto-riquenha, ele é doutor em Estudos Culturais pela Universidade de Wisconsin-Madison e professor da Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos, onde reside.

Colón também dirigiu e produziu o longa documental Beyond Fordlândia (2018), um relato ambiental da aventura do empresário norte-americano Henry Ford na Amazônia.

Depoimentos

O documentário tece o entrelaçamento de depoimentos de três lideranças amazônicas.

Tônkyré Akrãtikatêjê (Katia Silene Valdenilson), primeira líder feminina da etnia Gavião Akrãtikatêjê, reconta o deslocamento forçado de seu povo durante a ditadura militar em função da construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. Ela e os Akrãtikatêjê moram, hoje, na Terra Indígena Mãe Maria, próximo de Marabá (PA), para onde foram levados compulsoriamente.

“O mundo do branco é diferente do nosso mundo. Hoje, querendo ou não, nós temos que socializar. Nós temos que aprender para enfrentar esse mundo, que nada nos favorece. Não somos incluídos nos planejamentos do Estado, do governo. Mas o próprio governo, o Estado, estava por trás quando destruiu a nossa terra, destruiu a nossa aldeia. Não pensou em nós. Nunca vai pensar”, afirma.

Cacique Manoel Munduruku, liderança indígena da Aldeia Ipaupixuna e coordenador do Conselho Munduruku do Planalto, representa quatro aldeias do povo Munduruku e um território do povo Apiaká.

Sua base é Santarém (PA), onde está localizado o Terminal da Cargill, multinacional de produção e processamento de alimentos e maior exportadora de soja e milho do Brasil. Munduruku conta que o terminal foi construído onde antes era uma aldeia indígena. “Para nós é uma situação complexa. Porque a gente lutou tanto contra esse grande empreendimento e hoje está aqui instalado”, lastima.

Como se não bastasse, a empresa está agora com projeto de construção de um novo porto de embarque e desembarque de soja dentro do Lago do Maicá, um santuário ecológico, berçário natural de diversas espécies, na beira do rio Amazonas. “Vai ser outra destruição, vai ser outra poluição”.

José “Pepe” Manuyama, também conhecido como o Homem da Água, é professor de origem indígena Kukama. Ele faz parte do Comitê em Defesa da Água, da cidade de Iquitos, no Peru. Junto a milhares de cidadãos, participa da defesa do rio Nanay, um afluente do rio Amazonas, que fornece água potável para 500 mil habitantes.

Dança das palavras

Permeando os depoimentos, estão as falas de Ailton Krenak, uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro. Ambientalista, filósofo e professor da etnia Krenak, ele é autor de livros como Ideias para adiar o fim do mundo. Com sua dança das palavras, Krenak emprega ao filme uma voltagem ética e poética. Inspira reflexão. Transborda sabedoria.

“O futuro é ancestral. Ele é tudo que já existiu. Ele não é o que está lá em algum lugar. Ele é o que está aqui. Ele é presença. Porque a vida só está em mim agora. Depois ela não vai estar mais aqui. É preciso perseverar num modo de estar no mundo que é pisar suavemente na Terra”, sugere, emprestando ao documentário o título do filme.

Krenak nos convida a sonhar com uma realidade alternativa, em que pessoas educadas pela floresta desejam um outro mundo, um mundo que produz possibilidade de afeto entre humanos e não humanos.

“A gente não veio ao mundo para comer o mundo. A gente veio para dançar a vida. (…) A gente tem que aprender com a Terra. Aprender a escutar a Terra. Aprender a lição da Terra.”

Pisar Suavemente na Terra é um filme potente. Tomara possa mudar o mundo.

Assista ao trailer do documentário. E acompanhe a trajetória pelo Instagram.

YouTube: Pisar Suavemente na Terra

Link: https://www.youtube.com/watch?v=HmLzXvJ9crg

Instagram: pisarsuavementenaterra

Link: https://www.instagram.com/pisarsuavementenaterra/

Site: Pisar Suavemente na Terra

Link: https://pisarsuavementenaterra.com.br

Revista: Conexão Planeta

Link: https://conexaoplaneta.com.br/blog/pisar-suavemente-na-terra-documentario-e-um-emocionante-grito-de-urgencia-que-ecoa-em-nossa-consciencia/