Histórias do repórter Zé Grande


01/02/2012


José Côrtes dos Santos, carinhosamente chamado de Zé Grande, devido aos seus quase dois metros de altura, era uma pessoa maravilhosa, bem humorada, gentil, e reverenciava todos os companheiros sempre que chegava aos locais de apuração de um fato. Por ser assim, era alvo de brincadeiras dos colegas, principalmente os da Redação de O Dia, jornal em que iniciou a carreira de jornalista, em 1959 , até se aposentar, após mais de 50 anos de serviço ativo. 

Levando tudo na esportiva, ao final de cada brincadeira ele reagia da seguinte forma, sempre sorrindo:

– Vocês são uns canalhas…
Bombeiro Honorário do Corpo de Bombeiros, Zé Grande, por determinação do comando da corporação era informado em primeira mão sobre todas as saídas para atendimento à população. Numa noite de plantão, calmo, no jornal O Dia, na época funcionando num sobrado da Avenida Marechal Floriano, ouviu um funcionário alertar ao secretário de Redação Raul Azêdo que o prédio estava pegando fogo.Antes de deixar o prédio, às pressas, como todos estavam fazendo, Zé Grande se preocupou em telefonar e avisar aos bombeiros sobre o incêndio no jornal.
– Companheiro, aqui é de O Dia…
Reconhecendo a voz do repórter Zé Grande o plantonista não o deixou terminar a frase.
– Zé, não amola, tá tudo calmo, vai dormir.
Por sua vez, Zé Grande interrompe o bombeiro e fala:
–Tudo calmo é uma porra! O prédio do jornal está pegando fogo! Já to sentindo o calor na minha bunda…
E largou o telefone e saiu correndo. Seu aviso foi fundamental e o fogo debelado, impedindo verdadeira catástrofe.
Alvo de muitas brincadeiras, sadias, Zé Grande terminava seu plantão às duas horas da madruga. Como três repórteres, eu, Ubirajara Moura, Jonas Tavares e Dílson Behrends, iniciávamos jornada a zero hora, não havia necessidade de mobilizar o Zé Grande após esse horário, salvo em casos de extrema necessidade, como foi por ocasião da explosão na refinaria Reduc, em Campos Elísios, Duque de Caxias, quando O Dia já estava instalado na Rua Riachuelo. Zé, então, em sua mesa, tirava um cochilo até 1h45min da madrugada, momento em que era chamado para bater seu ponto, às duas horas da manhã.

Num desses cochilos, com a conivência de toda a Redação, cerca de oito pessoas, Manoel Abrantes, chefe de Reportagem, preparou mais uma brincadeira com o Zé Grande. Pediu para cerrar todas as persianas das janelas e que as luzes fossem apagadas. Pediu que todos procurassem conversar, gritar, chamar uns aos outros, enfim, criar um clima de Redação e espalhou próximo à mesa de Zé algumas cadeiras, De sua mesa ligou para o telefone na mesa de Zé Grande e gritava:

– Zé ! Acorda! Atenda o telefone…
Sonolento, Zé atende o telefone, com tudo escuro. Ouvindo vozes dos colegas, não enxergando nada, se levanta da mesa e tropeça nas cadeiras colocadas ali por Abrantes; apavorado, em desespero – ele tem uma reação alucinada:
– Abrantes, Abrantes, fiquei cego… estou cego!
]
Nunca se riu tanto e tão alto como naquela madrugada. Já com as luzes acesas, Zé Grande, bem humorado, reagiu como sempre:
– Vocês são uns canalhas…
Zé Grande, também funcionário público, sempre preferiu morar perto dos terminais dos ônibus. Isso porque, trabalhando na repartição até às l8 horas, para se recuperar tinha como reforço os cochilos tirados entre meia-noite e duas horas da manhã na Redação, e também no trajeto de O Dia até sua casa. Com isso ele eliminava a possibilidade de, dormindo, passar do local onde deveria desembarcar. No ponto final era acordado pelo cobrador. Zé se recolhia assim que chegavam os repórteres das madrugadas, eu, Ubirajara, Jonas e Dílson. E certo dia nova brincadeira foi preparada para ele. Na época as máquinas de escrever tinham a parte de cima móvel para colocação e substituição de fita e, também, para retroceder a fita, porque em muitas máquinas esse processo tinha que ser manual, no “dedômetro” mesmo.O Zé roncava e o Abrantes retirou a parte de cima da máquina e a colocou sobre o telefone. Voltou à sua mesa e de lá ligou para o ramal do Zé. Como ele demorasse a acordar, Abrantes, aos gritou, mandava-o atender o telefone.
– Atende, Zé, pode ser uma informação boa. Uma manchete!
Sem perceber, Zé Grande pega a tampa da máquina e a coloca no ouvido.Olhos fechados, parecendo ainda dormir, vira-se para o chefe e diz:
– Calma, chefia, calma, tá tudo sob controle, já estou apurando…
Foram as gargalhadas dos colegas na Redação que fizeram Zé perceber que fora alvo de mais uma chacota. 
Certo dia, eu, então repórter do Jornal do Brasil, telefonei para O Dia e informei que estava indo para a Baixada pois um ladrão e estuprador havia sido preso, linchado e estava amarrado a um poste. Cheguei ao local a tempo de fotografá-lo amarrado. Zé Grande chegou quando o preso já estava dentro da caçapa do camburão. Avisei a ele que tinha a foto do preso no poste. Zé se dirigiu ao policial e pediu que o preso fosse retirado do carro pois queria entrevistá-lo. Insistiu e conseguiu que o policial retirasse o ladrão da caçapa. . Pegou o preso e levou-o até o poste. Amarrou-o, chamou seu fotógrafo e disse:
– Rápido! Bonequeia ele logo! 
A seguir o desamarrou e o entregou ao policial .Sorrindo de orelha a orelha, virou-se para mim e parafraseou:
– Obrigado, meu amigo Bira. Você é um canalha, mas é meu amigo. Vamos tomar uma…
Zé Grande, um dos maiores repórteres de Polícia da cidade, era muito conhecido no Rio e Estado do Rio, principalmente nas áreas carentes. Por sua maneira de lidar com as pessoas, em cada local de apuração ele fazia amigos e admiradores. Gentil, atencioso, bem humorado, cativava aquelas pessoas que geralmente vão aos locais de crimes, de tragédias, enfim onde ocorrem fatos que necessitem da presença de polícia, bombeiro , médicos etc…. 
Certo dia, em campanha política para reeleição a deputado federal, o empresário Chagas Freitas, dono do jornal O Dia, se surpreendeu ao ser interpelado por um menino na Baixada Fluminense, que acompanhava a passeata da comitiva, querendo saber quem era ele, Atencioso como deve ser um candidato, Chagas respondeu ao menino que era deputado e também dono do jornal O Dia, naquela época o matutino de maior penetração nas áreas populares. O menino, sem entender a resposta de Chagas Freitas , então, voltou a interpelá-lo com a seguinte pergunta:
– Então o senhor trabalha no jornal do Zé Grande ?
Entre risos das pessoas da comitiva que assistiam à conversa, Chagas admitiu que sim, era empregado no jornal do Zé Grande.
Zé Grande foi um apurador de invulgar talento, companheiro fidalgo que eu chamava de Voz do Além. É que ele , também relações-públicas do Cemitério do Caju, nos dias de Finados era o locutor do serviço de divulgação do cemitério. Apelidei a mesa do Zé de quitinete. Ali, entre outras coisas, ele guardava seu macacão de cetim vermelho e preto, cores da Sociedade Carnavalesca Clube Tenentes do Diabo, com sede na Praça Tiradentes, para onde ele ia no período de carnaval.