“Governo trata com brutalidade aposentados e pensionistas da Varig e Transbrasil”


Por Alcyr Cavalcanti

06/08/2013


Foto: Alcyr Cavalcanti

Foto: Alcyr Cavalcanti

“Treze aposentados ocupam a sede da Aerus no centro do Rio. Estão confinados desde o final de junho e só pretendem sair quando seus direitos forem restabelecidos. Eles são pilotos, comissários de bordo, trabalhadores de companhias de aviação que contribuíram durante anos para um fundo de aposentadoria complementar, na esperança de uma aposentadoria digna no final de suas vidas. O grupo é liderado pelos diretores do Sindicato dos Aeronautas Zoroastro Ferreira e Marcelo Bona. Zoroastro tem 82 anos e atualmente recebe apenas 8% do que deveria receber.

Após décadas de contribuição, os antigos trabalhadores da empresa recebem remuneração pífia: José Manuel da Costa, 67 anos, comissário de bordo, deveria receber R$ 8 mil de salário, mas recebe apenas R$ 600,00; sua esposa, Maria Irene, também comissária de bordo, percebe R$ 300,00 por mês; quando deveria perceber R$ 5 mil mensais. Dos 22 mil trabalhadores que contribuíram para o Fundo Aerus, 852 morreram ao longo dessa disputa judicial, em que Executivo e Judiciário ignoram os direitos desses trabalhadores.

A Varig foi fundada em 27 de maio de 1927 em Porto Alegre pelo alemão Otto Ernst Meyer com o nome de Condor, trocado pelo Presidente do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, para Viação Aérea Riograndense-Varig.  A troca de nome foi feita porque Condor poderia ser associado a um símbolo nazista e porque vários funcionários da empresa eram nascidos na Alemanha mas naturalizados brasileiros. Para o pesquisador Felipe Fernandes Cruz não havia a menor duvida quanto à influencia nazista. Os primeiros pilotos fizeram treinamento sob a orientação da Luftwaffe, a máquina de guerra do nazismo. Um de seus primeiros colaboradores, Ruben Berta, passou a presidente em 1941, e anos depois conseguiu a transferência de seu controle acionário para uma fundação de funcionários da empresa, cujo nome foi mudado para Fundação Ruben Berta.

A Varig foi durante muito tempo uma das companhias de aviação mais importantes do mundo, com mais de 120 aviões, com vôos para 36 países, 20 mil funcionários e rede hoteleira. Sua agonia começou no final do Governo Fernando Henrique, com o acúmulo de uma divida enorme com a Infraero e com a Petrobras. Havia também uma divida de 4,7 bilhões de reais do Governo Federal com a empresa.

Veio o Governo Lula em 2009 e novas esperanças surgiram; afinal era um governo de trabalhadores, mas uma serie de disputas internas aceleraram a crise, os bilhões de reais que salvariam o grupo Varig foram esquecidos e o Governo, para não pagar a divida tentou uma fusão da Varig com o grupo TAM Linhas Aéreas. O projeto da fusão fracassou.   Em 20 de julho de 2006 depois de inúmeras tentativas de recuperação sua parte estrutural e financeira saneada foi transferida para a Varig Logística S/A através da VRG Linhas Aéreas. Em 9 de abril de 2007 é transferida para a GOL Linhas Aéreas e  passa a se chamar VRG GOL.

O Instituto Aerus de Seguridade Social foi criado em 20 de outubro de 1982 pela Varig, Cruzeiro e Transbrasil como instrumento de recursos humanos voltado para os profissionais de aviação, uma Entidade Fechada de Previdência Complementar. No final de 2012, para reduzir despesas, sua sede administrativa saiu da Praia do Flamengo para a Rua do Ouvidor, no Centro do Rio. Atualmente o Aerus está sob intervenção. Pilhas de processos, perfazendo 300 volumes e dezenas milhares de paginas, estão na 1ª Vara Empresarial no Forum do Rio à espera de uma solução.

Greve de fome

José Manuel da Costa, 67 anos, ex-comissário de bordo, trabalhou 32 anos na Varig e recebe hoje R$ 600,00 quando deveria receber em torno de R$ 8 mil de salário; sua esposa, Maria Irene, também comissária de bordo, recebe pouco mais de R$ 300 por mês, quando deveria receber R$ 5mil mensais. José resolveu protestar de maneira inusitada em um lugar que conhece como a palma de sua mão, o saguão do Aeroporto Santos Dumont, em greve de fome contra o descaso das autoridades, à espera de uma decisão favorável do Supremo Tribunal Federal e conseqüentemente do Ministro Joaquim Barbosa obrigando a União a assumir os pagamentos, como foi decidido em maio de 2013. A recusa em se alimentar e a decepção derrubaram José, que foi internado com pneumonia. Suas despesas agora são ainda maiores, e ele não sabe de onde virão os recursos. Mas ainda resta um fio de esperança, um parecer favorável ainda a tempo de gozar os benefícios, ao contrário dos 852 companheiros que faleceram ao longo da disputa judicial. Vinte e duas mil pessoas contribuíram para o Fundo de Pensão de Empresas do Setor Aéreo-Aerus,  entre elas a Varig. O comissário de bordo é um dos milhares de aposentados que recebem uma aposentadoria ínfima, e mesmo assim corre o risco de ficar sem nada, o direito assegurado pode expirar em agosto. A demora na solução do caso tem tirado o sono daqueles que esperam um desfecho favorável onde a media de idade é de 75 anos.

Barbosa diz não

A Ministra do STF Carmem Lucia reconheceu que o Estado deve pagar indenização monetária de mais de R$ 3 bilhões para cobrir prejuízos causados pela politica econômica para conter a inflação no final dos anos 80 durante o Governo Sarney e inicio dos anos 90 com o Plano Collor. Para a ministra “É importante que o Estado deva ser responsabilizado por atos lícitos quando dele decorrerem prejuízos ao concessionário em condição que os desiguala aos demais”.

O Presidente do STF Joaquim Barbosa, em recente decisão, reduziu a chance de uma solução favorável para os milhares de aposentados. No dia 5 de julho ele indeferiu o pedido de tutela antecipada para que a União assumisse o pagamento das aposentadorias, embora em 2012 o juiz Jamil Oliveira, da 14ª Vara Federal de Brasília, tivesse dado sentença favorável.

Marcelo Bona, ex-funcionário da Transbrasil, culpa os Governos que se sucederam há décadas pela omissão deliberada, em não cobrar, em não fiscalizar, embora estimulem as aposentadorias complementares sempre sob a alegação de um déficit de recursos da Previdência Social. Para Marcelo, desde 2006, quando foi decretada a intervenção no Fundo, as aposentadorias diminuíram progressivamente até atingirem valores irrisórios. Alguns recebem menos que um salário-mínimo. A pior situação é dos 8.170 trabalhadores que aderiram ao Plano 01 da Varig, que só tem caixa para alguns meses. A maioria vive á míngua, após terem vivido dias de glória na década de 1970; não tem dinheiro para comprar remédios para mitigar o sofrimento pelas perdas sucessivamente acumuladas.

Durante a entrevista com Marcelo Bona ele mostrou no computador com o qual se comunica com companheiros aposentados a espera de uma decisão favorável a noticia da morte de mais um que não conseguiu resistir.  Luciano Ferreira, de 68 anos, faleceu em Praia Grande de AVC hemorrágico. Foi mais uma cruz a ser colocada na longa fila de espera.

Acordo, mas…

As tentativas de resolver a crise que vai vitimando os aposentados remanescentes em busca de uma solução continuam. Suas aposentadorias em vez de complementar anos e anos de dedicação têm deixado milhares de pessoas à beira da miséria. No dia 16 de julho passado, os representantes dos aposentados Graziella Baggio e Zoroastro Ferreira Filho, com apoio dos Senadores Paulo Paim e Ana Amélia Lemos estiveram reunidos em Brasília com o Ministro-Chefe da Advocacia-Geral da União-AGU Luís Inácio Adams e com Carlos Eduardo Gabas, Secretário-Executivo do Ministério da Previdência Social em busca de uma solução.

O Ministro-Chefe garantiu que o Governo tem interesse em realizar um acordo que vai resolver a questão que se arrasta há alguns anos, mas ressaltou que só será possível depois do julgamento da ação de defasagem tarifaria. Para acelerar a decisão foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial com representantes da AGU, da Previdência Social, da Presidência da Republica e dos milhares de aposentados que continuam à espera de reaver seus direitos.

A crise da Varig vem mostrar as deficiências do setor aéreo nacional, que já foi um serviço bastante eficiente, mas que tem-se apresentado caótico, sendo considerado um dos piores do mundo, pondo em risco milhares de passageiros, principalmente em época de megaeventos como a recente Jornada Mundial da Juventude, a Copa de Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016.”