Governo de SP apresentará projeto para prédio do DOI-CODI em 90 dias


10/09/2021


Por Moacyr de Oliveira Filho, conselheiro da ABI, foi preso e torturado no DOI-CODI, em maio de 1972

 

Participei na quinta-feira (9), junto com cerca de 50 ex-presos políticos, da Audiência de Conciliação entre o Ministério Público de São Paulo e a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, convocada pelo juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara da Fazenda Pública, na ação civil pública impetrada pelo MP, que pede a transferência do complexo arquitetônico onde funcionou o DOI-CODI,  entre as Ruas Tutóia e Tomás Carvalhal, na Vila Mariana, em São Paulo,  para a Secretaria de Cultura, e a sua transformação num Centro de Memória. A audiência foi realizada num dos prédios do complexo arquitetônico. 

Foi um dia histórico. 

Pela primeira vez, aquele espaço, que abrigou um dos mais cruéis centros de tortura e extermínio da ditadura, recebeu a visita da Justiça e sediou uma ação judicial.

              

Foto divulgação SP                                              Foto folha.uol.com.br

Nunca é bom voltar ali. Sempre dá um nó na garganta,  um aperto no peito, um suor frio. Mas hoje foi diferente. 

Foi histórico acompanhar o juiz, que fez questão de conhecer os locais onde ficavam as celas e as salas de tortura, em dois dos prédios daquele espaço, alguns deles totalmente descaracterizados por reformas, a partir de 2003.

Foi emocionante, como sempre, reencontrar velhos companheiros –  Ivan Seixas, Maurice Politi, Adriano Diogo, Décio Ferroni, Ary Costa Pinto, Marcelo Chueiri (Turco) e tantos outros –  sobreviventes daquele inferno, e que continuam na luta. Somos a prova viva de que nós vencemos. Vencemos porque sobrevivemos à prisão, à tortura, ao exílio e continuamos lutando em defesa da liberdade e da democracia.

Foi animador e gratificante conhecer pessoalmente a historiadora Deborah Neves, da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico, relatora do processo de tombamento daquele espaço pelo CONDEPHAAT;  o advogado Flávio de Leão Bastos Pereira, do Núcleo de Preservação da Memória Política; e os promotores Eduardo Ferreira Valério e   Anna Trotta Yaryd, autores da Ação Civil Pública, grandes entusiastas e defensores dessa causa.

Infelizmente, o Governo do Estado de São Paulo, representado pelas Procuradoras da Fazenda do Estado, Amanda Modeotti e Paula Dionísio, e pelo Delegado Gilson Silveira, que representou a Delegacia Geral de Polícia, foram insensíveis, num primeiro momento, aos pedidos da ação, com argumentos frágeis e até mesmo hilários, como o de que um dos planos do governo do Estado para aquele espaço é a instalação de uma Academia de Polícia, onde se ensinaria Direitos Humanos (pasmem) ou de um Centro de Polícia Técnica, desconhecendo que o complexo arquitetônico já está tombado, e que uma liminar do juiz proíbe qualquer intervenção arquitetônica ou administrativa naquele espaço,  como a instalação de novos órgãos ou serviços. 

Ao ouvir isso, um dos ex-presos políticos comentou baixinho comigo: “Já pensou a manchete: Doria quer transformar antigo DOI-CODI em Loucademia de Polícia”. Rimos baixinho. 

Outro argumento esdrúxulo apresentado pelas Procuradoras da Fazenda foi de que não era aconselhável a instalação de um Memorial ali porque os visitantes poderiam ter sua segurança ameaçada pelos presos perigosos da Delegacia. A Procuradora esqueceu ou fingiu não saber que a carceragem da 36.a DP foi desativada em 2003 e que, desde dessa data, não existem mais presos custodiados ali.

As Procuradoras citaram, ainda, mais um argumento estranho: o de que a Secretaria de Cultura não vê necessidade de um outro Centro de Memória, uma vez que já existe o Memorial da Resistência, no prédio do DOPS, desconhecendo que as situações e os objetivos dos dois Memoriais são totalmente diferentes.

Como esses argumentos foram enfática e vigorosamente rebatidos, tanto pelo companheiro Ivan Seixas, que falou em nome dos ex-presos presentes, como pelo Promotor, Dr. Valério, os representantes do governo do Estado, decidiram pedir o adiamento da ação por 90 dias, para que apresentem uma proposta concreta de acordo, que possa ser aceita tanto pelo Ministério Público,  quanto por nós,  sobreviventes daquele antro de terror.

Vamos aguardar. 

Mais um passo foi dado.

A luta continua!