Glauber Rocha no Cine Macunaíma


24/08/2021


Por Vera Perfeito, Diretora de Cultura da ABI

Filme mostra Glauber como provocador durante a ditadura

Antena da Raça – O Filme (2020), de Paloma Rocha e Luís Abramo, é o filme exibido, hoje, no Cineclube Macunaíma, a partir das 10hs e até segunda-feira. O longa-metragem de 1h16 resgata a memória de Glauber Rocha como questionador e provocador ao recriar a estética do programa Abertura, comandado pelo cineasta na TV Tupi entre 1979 e 1980, período da Lei da Anistia. O longa foi selecionado para o Festival de Cannes ao lado de documentários sobre Wim Wenders e Charles Chaplin e passou pelo Festival Lumière de Lyon (França), uma mostra que antecipa a exibição dos filmes do Cannes Classiques, em novembro de 2020 (data especial do Festival em virtude da Pandemia Covid-19).

Às 19h30, terá início o debate com os convidados: os diretores Alice Andrade, filha de Joaquim, e Luís Abramo, os cineastas Silvio Tendler e Alexandre Gwaz , o pesquisador e crítico Ismail Xavier e o jornalista Ricardo Cota como mediador. No final de 70, Glauber estava à frente do Abertura e suas falas, obras cinematográficas e textos, são parte fundamental da construção do Brasil, políticoe social. E o debate para o atual país, segue. No elenco, estão Glauber, Caetano Veloso, José Dirceu, a atriz Helena Ignez (mãe de Paloma e ex-mulher de Glauber), entre outros. A obra foi selecionada para a Mostra Cannes Classics de filmes e documentários clássicos em 2020. Veja o filme e o debate no canal da Associação Brasileira de Imprensa do YouTube.

Filme

Antena da Raça – O Filme investe no material de mais de 40 anos do programa Abertura, quando o questionador e provocador Glauber Rocha apresentou, entre 1979 e 1980, o programa na TV Tupi. Uma experiência vanguardista marcante da história da TV no Brasil, quando o país ensaiava, após 21 anos de ditadura militar, os primeiros movimentos de uma gradativa redemocratização.

O documentário se apropria e rediscute a realidade brasileira daquela época, a partir dos diálogos, trechos e cenas dos filmes viscerais de Glauber e do seu desejo de “retirar as máscaras”, da nossa saga terceiro mundista. O filme também recria a estética do programa Abertura, quando volta para as ruas, para falar com o povo brasileiro no ano de 2018.

Glauber

Glauber de Andrade Rocha, o cineasta baiano de Vitória da Conquista, foi talvez o mais famoso do Brasil. Ele morreu muito jovem há 40 anos, aos 42 anos, em 22 de agosto de 1981, no Rio. Foi criado na religião protestante e ao mudar-se para Salvador seu talento foi revelado ao escrever peças teatrais, participar de programas de rádio, grupos de cinema e também do movimento estudantil.

Começou a realizar filmes (Pátio, 1959) quando ingressou na Faculdade de Direito da Bahia (195 9/1961) que abandonou pela carreira jornalística em que o foco era sempre sua paixão pelo cinema. Da faculdade foi o seu namoro e casamento com uma colega, Helena Ignez(1959 a 1961), nascendo Paloma Rocha dessa união.

Glauber era visto pela ditadura militar, instalada em 1964 no país, como elemento subversivo porque, sempre controvertido, escreveu e pensou cinema. Queria uma arte engajada ao pensamento e pregava uma nova estética, uma revisão crítica da realidade. No livro 1968 – O ano que não terminou, Zuenir Ventura registra como foi a primeira vez que Glauber fez uso da maconha, bem como o fato de, segundo Glauber, esta droga ter seu consumo introduzido na juventude como parte dos trabalhos da CIA no Brasil.

Em 1971, com a radicalização do regime, Glauber partiu para o exílio, de onde nunca retornou totalmente. Em 1977, viveu seu maior trauma: a morte da irmã, a atriz Anecy Rocha, que, aos 34 anos, caiu em um fosso de elevador.Em 2014, documentos revelados pela Comissão da Verdade indicaram que o governo militar pretendia matar Glauber Rocha, que se encontrava exilado em Portugal. O relatório foi produzido pela Aeronáutica, e descreve Glauber como um dos líderes da esquerda brasileira.

Glauber faleceu vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava havia mais de um mês, na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro, depois de ter sido transferido de um hospital de Lisboa, capital de Portugal, onde permaneceu 18 dias internado. Residia havia meses em Sintra,  cidade de veraneio portuguesa, e se preparava para rodar Império de Napoleão, a partir do argumento escrito em colaboração com Manuel Carvalheiro,  quando começou a passar mal.

O cineasta teve seis filhos de casamentos diferentes: Ava Rocha, Paloma Rocha, Eryk Rocha, Daniel Jardim Gomes Rocha, Henrique Cavalleiroe Pedro Paulo Lima.

Recebeu vários prêmios como Palma de Ouro de curta-metragem

Carreira

Antes de estrear na realização de uma longa metragem (Barravento, 1962), Glauber Rocha realizou vários curtas-metragens, ao mesmo tempo que se dedicava ao cineclubismo e fundava uma produtora cinematográfica.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) são três filmes nos quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo importado dos Estados Unidos. Essa pretensão era compartilhada pelos cineastas do Cinema Novo, influenciada pelo movimento francês Nouvelle Vague e pelo Neorrealismo italiano.

Glauber Rocha foi um cineasta controvertido e incompreendido no seu tempo, além de ter sido patrulhado tanto pela direita como pela esquerda brasileira. Ele tinha uma visão apocalíptica de um mundo em constante decadência e toda a sua obra denotava esse seu temor. Para o poeta Ferreira Gullar, “Glauber se consumiu em seu próprio fogo”.

Com Barravento ele foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na Tchecoslováquia em 1964. Um ano depois, com Deus e o diabo na terra do sol, ele conquistou o Grande Prêmio no Festival de Cinema Livre da Itália e o Prêmio da Crítica no Festival Internacional de Cinema de Acapulco.

Foi com Terra em Transe que se tornou reconhecido, conquistando o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes, o Prêmio Luis Buñuel na Espanha, o Grande Prêmio do Júri da Juventude de Melhor Filme do Festival Internacional de Cinema de Locarno e o Golfinho de Ouro de melhor filme do ano, no Rio de Janeiro. Outro filme premiado de Glauber foi O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, prêmio de melhor direção no Festival de Cannes (Palma de Ouro) e, outra vez, o Prêmio Luiz Buñuel na Espanha.

Em 9 de setembro de 1980, a briga entre o cineasta brasileiro Glauber Rocha com Louis Malle entrou para história do Festival Internacional de Cinema de Veneza. Com o filme Atlantic City Malle venceu o Leão de Ouro naquele ano junto com o americano John Cassavetes, este premiado por Gloria. Para Glauber Rocha, que participou daquele festival com o seu filme A Idade da Terra, tal resultado foi uma tramoia. Glauber afirmou que Louis Malle venceu porque o resultado estava previamente combinado, pois o filme de Malle teve a produção da Gaumont, uma “multinacional imperialista”. Malle e Glauber encontraram-se no saguão do Hotel Excelsior, onde discutiram e os dois cineastas quase chegaram às vias de fato.

Filmografia

Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe (ambos indicados para Palma de Ouro no Festival de Cannes), O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (melhor diretor no Festival de Cannes e indicado à Palma de Ouro), Cabeças cortadas, O leão de sete cabeças, Câncer, Claro, A Idade da Terra (indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza), A vida é estranha.

De 1959 a 1977, Glauber fez os seguintes curtas e documentários: Pátio, Cruz na Praça, Amazonas, Amazonas, Maranhão 66, Paloma, Paloma, História do Brasil, As armas e o povo, Di-Glauber (prêmio do júri de curta-metragem no Festival de Cannes).

O último filme dirigido por Glauber foi A Idade da Terra (1980), que concorreu ao Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Em 2015, o filme entrou na lista dos Melhores Filmes Brasileiros de Todos os Tempos, pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema.

Convidados

A cineasta, roteirista e continuísta carioca com 32 anos de carreira, Alice Andrade, filha de Joaquim Pedro, estreou na direção de longa-metragem com O diabo a quatro (2004), que participou de diversos festivais, entre eles o Festival de Brasília, onde recebeu o prêmio especial do júri. Tem em seu currículo também Vinte anos, Ópera do malandro, Memória Cubana e Histórias Cruzadas.

O diretor de fotografia Luiz Abramo tem em seu currículo 27 filmes.

Alexandre Gwaz  desenvolveu projetos com o artista plástico Rubens Gershman, os cineastas Sérgio Bernardes, Joel Pizzini, Ricardo Miranda e Paloma Rocha; com a Cia dos Atores e a Fundação Tempo Glauber. Atua como montador e sound designer para cinema e vídeo.

Ismail Xavier  é teórico no campo de estudos cinematográficos e professor de cinema brasileiro, considerado um dos mais importantes pesquisadores da sua área. Publicou mais de 70 artigos em diferentes idiomas, tendo um verbete a ele dedicado no Dictionnaire de la pensée du cinéma (Paris: PUF,2012), organizado por Antoine de Baecque e Philippe Chevalier, aspectos que evidenciam a inserção internacional de seu pensamento.