Feliz 2023/24/25/26… Ai, que preguiça!


31/12/2022


Por Maria Luiza Franco Busse,diretora de Cultura  

Salve Macunaíma, grande Macunaíma, personagem que se transformou na constelação que é o caráter múltiplo e diverso de nós, brasileiras e brasileiros, conforme ensinou mestre Ivan Cavalcanti Proença sobre a obra nacional-modernista de Mario de Andrade. Macunaíma só falou aos seis anos com a exclamação: Ai, que preguiça! Matutou mudo sobre o ambiente e soltou o verbo para cunhar palavras sábias de nativo do mato periférico ao centro anglo-saxão de progresso pelo trabalho que nega o gozo, os bens e os prazeres.

Enquanto em 1928 o paulistano Mario contava do Brasil a partir da rede em uma chácara de Araraquara, na Europa de 1880 o franco-cubano Paul Lafargue lançava O direito à preguiça. O socialista, em que pese ser genro de Karl Marx tinha pensamento próprio, sacou nesse panfleto a feroz “moral capitalista, lamentável paródia da moral cristã, (que) fulmina com o anátema o corpo trabalhador; toma como ideal reduzir o produtor ao mínimo mais restrito de necessidades, suprimir as suas alegrias e as suas paixões e condená-lo ao papel de máquina entregando trabalho sem tréguas nem piedade”.

Lafargue e Mario/Macunaíma não se conheceram, mas captaram o mau espírito da coisa capitalista que transformou em algo nobre o que os gregos já haviam informado ser o pior e mais baixo dos castigos: o trabalho. Na Grécia berço da nossa civilização escravo e trabalho eram sinônimos. Seres livres eram destinados aos exercícios físicos que produziam estéticas apolínias e à elaboração de inteligências socráticas. Arbeit macht frei , ‘O trabalho liberta’, encimou o portal de Auschwitz , a mais completa tradução dos inúmeros significados invertidos utilizados por um pequeno grupo que opera sobre muitos uma máquina de moer gente em exclusivo benefício próprio.

O direito à preguiça guarda o extraordinário valor de resistência e “deserção das ordens automáticas”, o que torna possível a emancipação do trabalho servil assim permitindo fazer “do animal humano um ser livre”.

Aos nossos votos de melhores dias nestes próximos quatro anos, expressos por meio de Lafargue e Mario/Macunaíma, agregamos o realismo poético de Mario Quintana: “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”.

Feliz Ano Novo!