Ética e segurança na cobertura jornalística


09/12/2011


O encontro tinha como principal objetivo reunir profissionais da mídia (editores, repórteres e fotojornalistas) para debater sobre os rumos da cobertura policial, que na opinião dos profissionais da categoria está cada vez mais perigosa. Mas no decorrer do debate “O jornalista no meio do tiroteio: a necessidade, o risco e os limites das testemunhas oculares” foram debatidos também os seguintes temas: ética no Jornalismo e fatores de violência e miséria nas favelas.
 
 
Com uma platéia formada por jornalistas, estudantes de Jornalismo e líderes comunitários, o debate foi realizado na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício sede da ABI, no Centro do Rio. A Mesa que conduziu os trabalhos foi formada por Jorge Antonio Barros (O Globo), Alcyr Cavalcânti (ABI/Arfoc), Guillermo Planel (documentarista), Edna Del Pomo (NUESC/UFF) e Leonel Aguiar (PUC-Rio), com mediação da Diretora de Jornalismo da ABI, Sylvia Moretzsohn (ABI/UFF). O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, também esteve presente ao evento, que foi promovido pela entidade, em parceria com a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro (Arfoc).
 
 
Antes da apresentação de cada um dos palestrantes, Alcyr Cavalcânti, que é fotojornalista e antropólogo, apresentou um estudo sobre a cobertura fotográfica nos morros cariocas desde a década de 1970. O trabalho reúne um farto material fotográfico sobre violência e miséria em morros e favelas cariocas, como Maré, Rocinha, Parque Alegria, entre outras, registradas entre os anos 70 e 90, além da “ocupação desses territórios” pelo Exército nos anos de 2002 e 2006. Ele disse que reportagem policial existe, porque o seu conteúdo, de imagem ou texto, é uma realidade que deve ser mostrada:
— O nosso papel (do jornalista) é mostrar o que existe de bom e de ruim para que a sociedade reflita e tome as suas providências, afirmou o fotojornalista que também é Conselheiro da ABI.
 
 
Com a experiência de quem já trabalhou em quase todos os jornais do Rio e de São Paulo, além algumas revistas e agências do exterior, Alcyr Cavalcânti defende a teoria de que existe uma diferença grande entre a cobertura jornalística desde a época que ele começou, há 40 anos, com a de hoje.
 
 
Segundo o fotojornalista, houve uma questão que desequilibrou muito a questão das chamadas áreas segregadas ou favelas: foi a entrada maciça da cocaína a partir de 1984, que resultou na necessidade de proteção de território. Alcyr disse que na visão dos criminosos essas áreas territoriais precisam ter uma proteção bélica para enfrentar invasões policiais ou de outros grupos criminosos. Por isso, a atuação do jornalista nessas áreas é sempre extremamente difícil:
— Algumas ações da polícia têm sido combinadas previamente, para que não haja confronto, para que não haja mortes. No morro do Alemão, que eu não participei, parece que deu possibilidade de fuga pros chamados gerentes ou chefes do morro, vários deles fugiram. Na Rocinha, o chefe não teve a mesma felicidade e acabou preso de forma inusitada. Então, o grande dilema é esse, na favela Antares, onde me parece foi uma invasão combinada, mas com muitos riscos, pois houve um grande confronto que acabou provocando a morte do cinegrafista Gélson Domingos, afirmou Alcyr.
 
 
“Munição”
 
 
Alcyr Cavalcânti lembrou a tese da ensaísta e escritora norte-americana Susan Sontag que compara a câmera a uma arma de fogo, sempre apontada e carregada para o objetivo. Susan vê a câmera de uma forma negativa ou pessimista, a exemplo de vários outros autores, segundo Alcyr:
— Achando que a fotografia viola a intimidade, porque ela mostra as pessoas como elas não querem ser vistas, ou seja, a foto é tremendamente invasiva. Susan tem um pouco de razão. No jargão do fotojornalismo, fotografar muito e com rapidez chama-se metralhar. O filme e hoje o cartão de memória são chamados de munição e o botão que aciona todo o mecanismo, por analogia direta, se chama disparador. Então a ensaísta é extremamente feliz quando faz essa analogia entre a arma de fogo e a câmera.
 
 
Alcyr lembrou uma análise de Michael Foucault, que diz que o fotógrafo em área de risco tem que dominar a situação, preferencialmente ver tudo o que ele quer fotografar, mas sem que seja visto:
— Essa seria uma das condições básicas para que um fotógrafo em área de risco possa fotografar e sair vivo. No caso Gelson, que é um caso bastante específico, pelo pouco que eu vi o bandido estava muito bem protegido, nas sombras, e infelizmente o PM e o cinegrafista posicionados em plena luz do dia. Foucault diz que a visibilidade é uma armadilha. Porque quem tem que estar visível, que é um dos princípios da fotografia, é o objeto. Ou seja, o bandido. Mas no caso Gelson, infelizmente, foi diferente. O criminoso, que mal se percebe o rosto dele, estava com a visão perfeita tanto dos policiais, quanto do cinegrafista que eram alvos perfeitos.
 
 
O fotógrafo e documentarista Guillermo Planel falou sobre a mudança ocorrida no fotojornalismo nas últimas décadas, e disse que a sua opinião é de que a sociedade depende de uma testemunha ocular dos problemas gerados pela violência nas favelas:
— É importante fazermos uma reflexão com mais calma sobre o que está acontecendo, antes de tirarmos conclusões simplesmente banais sobre a cobertura fotográfica em situações de conflito, declarou.
 
 
Planel é fotógrafo desde 1978, formou-se em jornalismo em 1986, mas nunca exerceu a profissão de jornalista em redação. Fez uma pós-graduação em imagem na PUC e ali eu criou um projeto chamado “Abaixando a máquina”, que deveria ser um projeto de registro do fotojornalismo, sobre o ponto de vista ético, profissional e sentimental. Com base nos depoimentos que colheu, Planel acabou realizando um filme, e a partir disso foi desenvolvendo uma série de trabalhos ligados à fotografia como o documentário “A imagem do jongo”, e mais recentemente o filme “Vivendo o outro olhar”.  
 
 
Defesa
 
 
No documentário “Abaixando a máquina” ele trata sobre a questão da ética, da abordagem e de como se realiza uma cobertura jornalística nas situações de conflito dentro dos morros e das favelas. Foi uma forma que o documentarista encontrou de mostrar como a favela vê a si mesma, como os fotógrafos dessas comunidades vêem a sociedade formal, como eles olham a grande mídia e a imprensa que os retrata.
 
 
Na opinião de Planel, está acontecendo uma mudança no fotojornalismo de uma forma que talvez pouca gente esteja percebendo:
— No meu entendimento, é uma necessidade urgente, básica, de se fazer essa cobertura, a sociedade precisa e depende de uma testemunha ocular que é o fotojornalista e o cinegrafista, que estão trabalhando no dia-a-dia pra poder mostrar, bem como defender a população das comunidades atingidas. Como diz o Nilton Claudino (fotógrafo) no “Abaixando a máquina”, o advogado mais barato que a comunidade tem é o jornalista, porque está ali sempre também pra defender a comunidade.
 
 
Planel diz que desde a morte do Gelson Domingos muita coisa tem sido dita em relação a essa questão:
 — Mas eu acho que é importante fazer uma reflexão com um pouco mais de calma do que simplesmente banir a profissão, ou a atuação da fotografia de conflito armado, porque é uma questão de testemunha. É sempre bom lembrar que se a Guerra do Vietnã acabou naquele momento, foi por causa de uma fotografia. Foi a partir daquela imagem da menina com o corpo em chamas que o mundo percebeu a gravidade do que estava acontecendo. Inclusive os Estados Unidos perceberam a partir da imagem da menina toda queimada pela bomba napalm de que realmente do outro lado do mundo estavam acontecendo algumas atrocidades, declarou.
 
 
No caso do Rio de Janeiro, Planel vê o desenvolvimento de um processo positivo: a abolição das armas de guerra. Mas levantou uma questão importante ao comentar a implantação das UPPs nos morros da Zona Sul:
— Está-se criando um cinturão de segurança que a grande mídia está apoiando, mas com uma postura editorial que dá as costas ao que está acontecendo na Zona Oeste, por exemplo — ponderou Planel. — abandonar o resto é o mesmo que abandonar a sociedade, declarou.
 
 
Planel criticou uma proposta que foi lançada no meio dos setores de segurança, sobre o uso de helicópteros para fazer a captura das imagens, em substituição aos fotógrafos. Segundo ele, o papel da mídia é preservar e denunciar com critérios tudo o que está acontecendo:
— Cada fotojornalista que documenta os problemas de segurança pública está cumprindo um papel importante para a sociedade de maneira geral, afirmou o documentarista.
 
 
Planel apresentou um trecho de um documentário de sua autoria chamado “Abaixando a máquina — Ética e dor no jornalismo carioca”, que reúne imagens fortes e depoimentos de vários repórteres-fotográficos sobre a cobertura policial diária da imprensa carioca. Entre os entrevistados estão Marcos Tristão, Custódio Coimbra, Wilton Jr. e Domingos Peixoto. Nilton Claudino também é um dos depoentes: ele que teve que abandonar a família e foi obrigado a viver na clandestinidade, por causa de uma reportagem para o jornal O Dia sobre milicianos na favela do Batam, na Zona Oeste, onde estava infiltrado, juntamente com uma repórter e um motorista do jornal. A equipe foi descoberta, torturada e sofreu ameaças de morte dos criminosos.
 
 
 
Reflexão
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Para a professora da faculdade de Comunicação Social da UFF e Diretora de Jornalismo da ABI, Sylvia Moretzsohn, o filme de Planel é um documento muito útil para que seja feita uma reflexão sobre o exercício do fotojornalismo.
 
Ela contou que na UFF foi promovida uma discussão no mês de novembro, praticamente logo depois do episódio que vitimou o cinegrafista da Bandeirantes, Gelson Domingos, e que segundo ela foi o motivo pelo qual surgiu a ideia da realização do debate na ABI. Não se queria perder a oportunidade de fazer o debate por causa de todas as questões que foram levantadas a partir daquele fato, que coincidiu com uma semana acadêmica na UFF, na qual houve a organização de um seminário voltado para a prática do jornalismo chamado “Controversas”:
— Uma dos paineis foi justamente sobre jornalismo policial e um dos participantes da mesa, que está agora na chefia do Extra, declarou o seguinte: “Eu não mando meu repórter pra cobrir tiroteio porque lá não tem notícia”. Eu fiquei impressionada com aquela declaração porque na verdade tem dois aspectos que me parecem contraditórios aí nessa frase. De fato não tem notícia ali se você pensar a notícia no estilo Datena, no estilo Vagner Montes, ou seja, o tiroteio pelo tiroteio, o espetáculo, a ideia que você está ali pra cobrir aquele monte de tiros, e imagens impactantes, afirmou Silvia.
 
 
Sylvia Moretzsohn disse que discordou do colega, porque acha que inevitavelmente esse tipo de cobertura dá notícia na medida em que se há um tiroteio pode ter vítimas e a prática de abusos. Lembrou que nesse tipo de cobertura jornalística existe uma série de aspectos de ultrapassagens de determinados limites, a necessidade do risco e os limites da testemunha ocular (o jornalista) que é necessária:
— Agora como é que ela vai trabalhar? Então eu queria abordar essa discussão como uma proposta. Tem ou não tem notícia nesse tipo de cobertura, é ou não é necessário o jornalista estar presente, e se for necessário, de que maneira ele pode atuar? A questão que está conjugada com esta que é estarmos discutindo como é a cobertura, o que o repórter pode fazer, que tipo de recursos ele deve usar como defesa, que elementos podem ser utilizados para evitar vítimas, não deixar o profissional se expor excessivamente a tudo, que inevitavelmente passa pela questão do uso de coletes e a utilização de determinados equipamentos de defesa. A questão é propriamente o seguinte: o que é fazer cobertura de segurança pública no Rio de Janeiro hoje?  
 
 
A Diretora de Jornalismo da ABI concluiu chamando a atenção para dois aspectos “que se conjugam e que se conflitam”. Ela citou as UPPs que surgem como uma espécie de solução mágica dos conflitos e conjugada com a permanência da política de confronto que lhe parece que está associada à noção de que para um certo circuito da cidade, que seria o circuito olímpico, existem as UPPs, mas  para resto da cidade você continua a manutenção do confronto:
— Certamente se não fosse o Gelson a ser a vítima principal, se não fosse ele a notícia, um cinegrafista, um de nós, seria mais ou menos como o que aconteceu na favela da Coréia há alguns anos, aquilo que nós assistimos: um helicóptero atirando do alto, dois caras fugindo e logo após sendo atingidos. Imediatamente depois veio a declaração do Secretário de Segurança Pública dizendo que uma coisa é um tiroteio na Coréia, outra coisa é um tiroteio em Copacabana. Acho que é importante marcar que se trata do mesmo governador e do mesmo secretário de segurança que faziam essa política de confronto, e agora criam a UPP como a solução, embora os confrontos continuem acontecendo, como ocorreu recentemente lá em Antares, onde o Gelson acabou sendo a vítima.
 
 
Imagem
 
 
Jorge Antônio Barros — editor adjunto da editoria Rio do Globo — contou que acompanha a reportagem policial há 30 anos. Disse que é através do seu blog Repórter de Crime, lançado em 2005, que ele procura analisar a questão da segurança pública e da criminalidade do Rio:
— Em 1988, eu fui o primeiro repórter, talvez do Brasil, juntamente com o Alcyr Cavalcânty, a morar numa favela. Mas em 1911, portanto há 100 anos, João do Rio, grande cronista carioca, foi talvez um dos primeiros a lançar um olhar sobre a favela, o morro de Santo Antônio que depois foi destruído. O Brasil tem 500 anos, portanto há 100 anos apenas, a imprensa lançou um olhar sobre a favela, que é uma situação absolutamente nova, para a imagem que se faz dela.
 
 
 
Jorge Antonio lembrou um trabalho da socióloga Alicia Valadares, onde ela diz que a imagem que se gente tem da favela é totalmente inventada, é recriada:
— A favela como nós vemos na mídia, no jornal ou na literatura é outra favela. Ela não é uma realidade única, como muitas vezes a gente que mora no asfalto imagina. Hoje em dia, em pleno Rio de Janeiro, século XXI, tem gente que acha que a maioria dos moradores da favela é bandido, se não é bandido é conivente com bandido. “Ah, por que eles estão ali? Por que eles não denunciam? Eles deixaram isso acontecer, ficar desse jeito?” Mas se alguns dos que pensam dessa maneira for morar na favela vai verificar que a realidade é outra. O buraco é mais embaixo, disse o jornalista.
 
 
Segundo Jorge Antonio Barros, há uma outra questão que também é importante, que é o olhar que a imprensa sempre lançou sobre a favela como sendo o local do refúgio do bandido. Um local à margem, onde a imprensa ia apenas para cobrir eventuais operações policiais, muitas delas clandestinas, que sequer eram registradas:
— Eram operações feitas por policiais que iam lá extorquir dinheiro dos traficantes, acabavam entrando em confronto com eles, e chamavam a imprensa que ia cobrir e não sabia obviamente de todos esses detalhes. Mas estava ali a serviço desse aparelho policial corrupto para mostrar essa realidade e isso tudo foi construindo, no nosso imaginário, a necessidade de a favela ser exterminada ou combatida, e daí surge toda uma nomenclatura da guerra, afirmou.
 
 
O editor destacou que a cobertura deste tema usa palavras de guerra, do combate ao crime, da invasão, da ocupação, mas não é uma grande teoria conspiratória, intencional. Segundo ele, essa linguagem é consequência de todo esse imaginário que é construído pela sociedade sobre a favela, e a imprensa nada mais é do que um espelho da sociedade. Jorge Antonio diz que seria leviano afirmar que a imprensa é culpada de tudo, mas ela reflete pensamentos da sociedade, sobretudo os pensamentos dos formadores de opinião mais influentes, dos que têm mais poder, dos que têm acesso à informação, dos que têm mais possibilidade de se comunicar a imprensa e retroalimentá-la:
— Daí é que se cria uma bola de neve, que vai crescendo sem fim. Nesse processo de violência das favelas, uma coisa que é muito importante ressaltar é que os moradores sempre ficaram ali como um marisco, entre o mar e as pedras, sem muita condição, sem acesso à informação, às redações, à mídia formal. Agora com o advento da internet, já surgem algumas experiências interessantes que podem mostrar outra realidade, não é uma realidade única e absoluta, mas é uma imagem diferente. Um novo olhar que nos mostra a favela como um local de convivência comunitária e de muita produção cultural, tudo isso começou a vir à tona a partir desse processo, lembrou.
 
 
Jorge Antonio disse que se atualmente fosse repórter de rua não teria coragem de ir morar em favela alguma, como fez em 1988. Mesmo que fosse em uma dessas comunidades recentemente pacificadas:
— Eu não teria coragem. Naquela época, eu não sei o que deu na nossa cabeça (na dele e do Alcyr). Nós fomos pra Rocinha depois de cobrir diariamente a morte da líder comunitária Maria Helena Pereira da Silva. Como a gente ia todo dia pra Rocinha, então resolvemos acabar morando lá. Perguntei ao meu chefe no JB, que era o Manuel Francisco Britto, ele concordou, chamou uma subeditora pra conversar comigo, que me deu algumas idéias de pauta e tal. Lá fomos nós: não existia telefone celular, não tinha nenhuma forma de controle. Ninguém ficava preocupado, mandando a gente ligar para a redação.
 
 
 
Susto
 
 
No penúltimo dia dos repórteres na Rocinha o carro deles foi alvejado por vários disparos de traficantes. Eles confundiram o carro do JB, que não tinha letreiro, com o veículo de uns policiais que trabalhavam para contravenção, que estava em guerra com os traficantes:
— Meteram bala direto, levei três segundos para perceber que o carro era o alvo, uma bala atingiu o automóvel, nós paramos desesperados, eu pelo menos tremi muito, não me lembro o Alcyr, você tremeu Alcyr? (risos) Eu sei que o motorista ficou desesperado também. Nós conseguimos com isso chegar até o chefe do tráfico, que na época era um bandido chamado Sérgio Bolado, que aí estava mais preocupado em mostrar o estrago que o jogo do bicho estava fazendo na comunidade.
 
 
A reportagem rendeu um caderno especial do Jornal do Brasil, com seis páginas, uma delas inteira com uma entrevista com o traficante, que só aceitou posar para foto se fosse sem arma: “O cara já tinha uma noção da imagem pública que era importante se apresentar bem”, observou Jorge Antonio.
 
 
O editor citou que da década de 90 para cá foi aumentando cada vez mais a quantidade de armamento nas mãos dos bandidos, e a cobertura também continuou sendo feita sem nenhuma linha objetiva, até que ocorreu o grande divisor de águas dessa história que foi a morte do Tim Lopes, em junho de 2002:
— O Tim Lopes foi seqüestrado e morto daquela forma cruel, bárbara, nós realmente ficamos chocados com aquilo. Eu fiquei indignado na época. Participamos da criação da Comissão Tim Lopes, e até hoje se contam mil histórias sobre o que houve com ele, que vai virar lenda, porque ninguém vai conseguir esclarecer exatamente o que aconteceu. Foi um acidente de trabalho terrível, pois ele de fato estava fazendo um pouco mais do que a gente tem que fazer na reportagem, porque se a infiltração é uma atividade perigosa até mesmo para a polícia, imagina para o repórter, disse Jorge Antonio.
 
 
Violência
 
Leonel Aguiar disse que quando foi convidado para participar do debate resolveu se aprofundar mais um pouco na questão, e essa reflexão o levou à própria história da imprensa, que sob o ponto de vista de alguns autores tem um abordagem interessante é que essa questão a história do testemunho:
— Ela aparece no século XIX com essa figura até então inovadora que é a figura do repórter, e essa mudança cultural profunda. Essa relação entre o risco da profissão e essa nova atividade e essa nova função da atividade do repórter, ela já nasce junta, porque os primeiros jornais, principalmente os jornais da chamada Penny Press, os jornais sensacionalistas do Pulitzer, já enviavam tropas de repórteres para cobrir a guerra civil americana. O World chegou a mandar 60 correspondentes para cobrir essa guerra do Norte contra o Sul, já trabalhando com essa coisa do jornalismo de disfarce, afirmou Leonel.
 
 
Referindo-se aos dados da Sociedade Interamericana de Jornalistas (SIP), sobre a violência que atinge os profissionais da mídia no exercício pleno da profissão, Leonel defendeu que seja feita uma avaliação sobre quais são os limites e os riscos da função jornalística, entre as entidades que defendem os interesses da categoria:
— Os limites e os riscos eu acho que são inerentes a essa própria função da nossa profissão, nós temos que tomar uma atitude em relação a isso. Por mais resistência que a gente tenha em relação ao papel às vezes conservador e de direita que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em inglês) tem, ele defende uma questão que é bastante importante para a ABI, pro Sindicato dos Jornalistas e outras instituições, que é sobre a proteção da vida do jornalista, disse Leonel.
 
 
O professor citou números do mapeamento que a SIP vem fazendo desde 1987, e chegou à conclusão de que os dados “são alarmantes”:
 
— A Colômbia, por exemplo, aparece na estatística com um total de 126 jornalistas assassinados de 1987 a 2011, se bem que o mapeamento de 2011 para em agosto. Depois é o México com 82 mortos e 19 desaparecidos. O Brasil é citado com 38 jornalistas assassinados e um desaparecido, ao longo desses anos. Nessa aproximação que a PUC fez com a SIP, uma das propostas que a entidade fez para as diversas universidades das três Américas foi propor uma conferência universitária do hemisfério para tratar basicamente dessa questão, que eles chamam de políticas públicas para combater a impunidade nos crimes contra os jornalistas, disse Leonel.
 
 
Leonel lembrou que o caso do cinegrafista Gelson Domingos foi o primeiro assassinato de jornalista em uma troca de tiros entre polícia e traficantes, mas ressaltou que as mortes de jornalistas vêm acontecendo há muito tempo. Segundo ele, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) tem uma visão um pouco ampliada dessa questão da violência contra os jornalistas que a SIP, que foca nos aspectos como assassinato e desaparecimento.
 
 
Segundo ele, a Fenaj trabalha com a questão da agressão a jornalistas, não só os assassinatos, que correspondem a 8% dos casos de violência contra a categoria, mas também as agressões verbais e físicas que no ano passado foram 42% do total de casos registrados:
— A entidade faz um mapeamento também sobre censura e processos judiciais que é outro grande e grave problema que o jornalista sofre, que são os processos judiciais com ações milionários, além de outras questões que não aparecem no relatório mas que a Fenaj considera como que uma agressão à nossa atividade profissional, a precarização das relações de trabalho a censura empresarial e até mesmo a autocensura, afirmou Leonel.
 
 
Ao encerrar a sua apresentação, Leonel disse que ABI tem papel fundamental de fazer a união dessas forças, e atuar em conjunto com o Sindicato dos Jornalistas e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que trabalha com esse ponto que é a segurança do trabalho: “Nós jornalistas estamos atrasados nesse processo. Precisamos pensar nos mecanismos de segurança”, afirmou.
 
 
 
Exceção
 
 
Para a socióloga Edna Del Pomo, em relação à violência no Rio de Janeiro, vive-se atualmente uma fase que é a continuidade de uma história antiga:
— Começou há muitos anos atrás na época do Pereira Passos (prefeito) com a história de limpar a cidade. E quem é a sujeira? A sujeira é o pobre. Pobre sempre é sujo, aquela ideia de que a pessoa é suja, porque é pobre.
 
 
De acordo com a socióloga, esse processo foi se agravando, e de 1990 para cá assiste-se a um estado penal no Brasil, no lugar de um estado social:
— E isso está completamente em desacordo com o Estado Democrático de Direito. Nós estamos vendo um estado de exceção, um estado absoluto onde os direitos humanos são deixados de lado em prol de uma pseudo-segurança. Eu acho que a mídia tem um papel muito importante nesse processo, muito mais do que nós, intelectuais e pesquisadores, porque vocês (jornalistas) chegam até a população, afirmou.
 
 
Edna Del Pomo elogiou o debate na ABI sobre a violência nas favelas e sobre a questão da segurança dos jornalistas:
— Isso tudo é muito sério, porque é uma forma de impedir o acesso da sociedade às informações, essa história de helicóptero para fotografar que eu ouvi aqui, isso é mais uma maneira da sociedade ficar impedida do que realmente está acontecendo, declarou. 

* Colaborou Renan Castro, aluno do curso de Comunicação Social da UFF, com habilitação em Jornalismo, e estagiário da ABI.