Entrevista – Luiz Mendes


09/09/2008


Memória viva do esporte


Cláudia Souza
12/09/2008

Luiz Piñeda Mendes nasceu em 1924, em Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul. Iniciou a trajetória de radialista em um serviço de alto-falantes na cidade vizinha de Ijuí, ainda adolescente. Ao longo de quase sete décadas de carreira, quase integralmente dedicada ao jornalismo esportivo, fundou emissoras de rádio, criou a primeira mesa-redonda esportiva na televisão brasileira, onde também introduziu programas de sucesso como o “TV Ringue”, e chefiou os primeiros departamentos de Esporte nos dois veículos. Aos 84 anos, o “comentarista da palavra fácil” segue firme dedicando-se ao seu “esporte” predileto: a cobertura jornalística do futebol.

ABI OnlineQuando você iniciou a carreira?
Luiz Mendes — Comecei ainda menino, em 1941, em um serviço de alto-falantes em Ijuí. Simultaneamente, trabalhava no Alerta, um jornal feito por jovens na mesma cidade. Certo dia, o dono da Rádio Missioneira, que operava em Santo Ângelo, outra cidade gaúcha próxima, ouviu a minha voz nos alto-falantes e me convidou para fazer parte do grupo de locutores da emissora. Fiquei lá apenas um ano. Em seguida, fiz teste para a Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, desta vez para narrar partidas de futebol — função que então se chamava de “speaker esportivo” — e também para apresentar alguns programas. Naquela época ainda não havia no rádio, especialmente no Sul, nenhum tipo de especialização profissional. O cara tinha que ser o homem dos sete instrumentos, como se dizia: atendia o telefone, varria o estúdio, colocava o disco para tocar e entrava no ar ao mesmo tempo.

ABI OnlineComo foi sua vinda para o Rio de Janeiro? 

   Programa “Salve o esporte”, em 55

Luiz Mendes — No fim de novembro de 1944, estive no Rio para fazer a transmissão de um jogo do campeonato brasileiro de seleções e fiquei sabendo que a Rádio Globo seria inaugurada no dia 2 de dezembro. Fui até lá e procurei o Rubens Amaral, o locutor-chefe. Como eu era muito menino, ele perguntou se eu tinha experiência. Assim que mostrei a carteirinha da Farroupilha — uma das emissoras mais fortes na época — ele pediu para eu retornar no dia seguinte. “Para fazer um teste?” indaguei. “Não! Se você é locutor da Rádio Farroupilha, será locutor da Rádio Globo”, ele respondeu. E assim, quase no grito, fui um dos fundadores da estação. Sou o último sobrevivente da inauguração, ao lado de Benedito Silva, que era o Tesoureiro e hoje está com 92 anos.

ABI OnlineVocê sempre teve a mesma voz imponente?
Luiz Mendes — Sim. Mas tive muitas influências, como o Carlos Frias, que eu ouvia no Sul e era o grande locutor da Rádio Tupi; e o maior locutor brasileiro na época, César Ladeira, da Mayrink Veiga. E também do Ary Barroso e do Oduvaldo Cozzi, que dominavam a sintonia no Rio de Janeiro.

ABI OnlineQuando foi a estréia carioca na área esportiva?
Luiz Mendes — Só ingressei aí na Rádio Globo em 1947. Comecei transmitindo futebol em substituição ao locutor Gagliano Netto, que saiu para fundar a Continental, cujo slogan era “a emissora 100% esportiva”. 

 Copa de 70: Luiz, Jr. e Daisy

ABI OnlineNessa época você já conhecia a radialista e atriz Daisy Lúcidi?
Luiz Mendes — Sim. Conheci a Daisy em 1944 no palco do Teatro Rival, onde fazíamos programas da rádio. Ela era do elenco de novelas e eu, o apresentador. Eu tinha 20 anos e ela, 14. A turma percebia ela muito ligada a mim e me apelidaram de infanticida. Enquanto eu esperava ela ficar mais taludinha, o pessoal encarnava. Nós nos casamos em 1947 e tivemos um filho. São 61 anos de união.

ABI OnlineQuando foi a sua ida para a televisão?
Luiz Mendes — Em 55, saí da Globo para inaugurar a TV Rio. Fizeram uma pesquisa para saber quais eram os locutores do rádio que o público queria ver nos programas da nova emissora. Surpreendentemente, fiquei em primeiro lugar. Eu não esperava, já que era o mais novo entre todos. No rádio, eu ganhava 11 mil cruzeiros por mês; na TV, me ofereceram 35 mil. Saí correndo!

ABI OnlineQuanto tempo você ficou na TV Rio?
Luiz Mendes — Quinze anos. Chefiei o Departamento de Esportes da emissora, apresentei programas e criei outros — entre eles o “TV Ringue”, de boxe, que foi líder de audiência durante dez anos —, bem como a primeira mesa esportiva da televisão brasileira.

ABI OnlineComo foi a criação deste programa? 
Luiz Mendes — Às vésperas de uma eleição para a Câmara dos Deputados, quatro grandes cronistas políticos foram reunidos em um programa na TV Rio: Oliveira Bastos, da Tribuna da Imprensa; Castelinho, do Jornal do Brasil, Murilo Melo Filho, da Manchete, e Villas-Bôas Corrêa, do Correio da Manhã. Os colegas da emissora estavam embevecidos e atentos ao debate. Então, pensei: “Se este programa agrada tanto, porque não fazer a mesma coisa com o futebol, uma vez por semana?” Comentei a minha idéia com o Diretor da emissora, Walter Clark, que me olhou e nada respondeu. Vinte minutos depois, ele disse: “Gaúcho, você encontrou o veio de ouro!” “Como?”, balbuciei. “É isto mesmo! O programa vai estrear em 15 dias e você será o mediador. Vamos escolher os componentes da mesa agora!”

  Luiz com o grande elenco da Revista Esportiva Facit

Ele começou sugerindo o Armando Nogueira, que trabalhava como articulista do “Telejornal Pirelli”. “Mas o Armando é meio gago…”, alguém lembrou. “Não tem importância, vai soar natural”, retrucou o Walter. Eu indiquei o João Saldanha, que tinha sido técnico de futebol e era comentarista da Rádio Guanabara. Ele indicou também o José Maria Scassa, um renitente rubro-negro que poderia trazer como patrocinador a Facit, uma fábrica de máquinas de escrever e de calcular de Juiz de Fora. Para fechar, Walter escalou Nelson Rodrigues. “Mas o Nelson nem fala…”, fiz a ressalva. “Aaah, mas aqui ele vai falar!” exclamou o Walter. Resumindo: o Nelson defendia o Fluminense; o João Saldanha e o Armando Nogueira, o Botafogo; o Scassa, o Flamengo; e como não tinha um defensor do Vasco, escolhemos o Vitorino Vieira, vascaíno e funcionário da Facit. A “Grande resenha Facit” revolucionou a cobertura esportiva na TV, passando a ser uma espécie de bíblia dominical do esporte brasileiro. Todo mundo aguardava para ver o que o Nelson ou o João ia dizer, de que jeito o Armando enfeitaria a jogada em questão…. Ficou dez anos no ar e depois foi para a TV Globo.

ABI OnlineVocê deve ter boas histórias desta época.
Luiz Mendes — Ah, sim. Uma vez o Nelson dormiu durante o intervalo comercial. Quando o programa retornou, ele continuou dormindo. Aí o Scassa ordenou no ar: “Câmeras, focalizem o Nelson! Imagine só, ele está dormindo e ainda quer discutir futebol.” Aí o Nelson abriu os olhos e respondeu: “Scassa, sou mais inteligente do que você até dormindo!” Em outra ocasião, Nelson disse que não tinha sido pênalti um lance numa partida entre Fluminense e Botafogo. Como já esperava essa reação, guardei a fita e combinei com o Saldanha que reveríamos a jogada no ar. “Está vendo, Nelson? O videoteipe provou que foi pênalti!”, disse Saldanha. “Então, pior para o teipe”, devolveu o Nelson.

ABI OnlineEm que outras emissoras de TV você trabalhou?
Luiz Mendes — Em 1977, saí da TV Rio e fui para a Educativa, a convite do então Ministro da Educação Ney Braga. Antes, tive uma passagem, por empréstimo, na TV Globo, para mediar a “Resenha Facit”. Na TVE, fundei o Departamento Esportivo. O único programa do gênero que existia lá era o “Stadium”, que, na época, mostrava apenas esportes amadores. Doze anos depois, eu deixei a Educativa e parei de fazer televisão.

ABI OnlineDurante esse tempo, você atuou simultaneamente no rádio e na TV?
Luiz Mendes — De 1970 para cá, nunca mais deixei de fazer rádio. No período em que estive na TVE, trabalhei também na Nacional. De 1998 até 2001, atuei na Tupi. Retornei à Rádio Globo em 2001, de onde não pretendo sair nem que me ofereçam a mais irrecusável das propostas. Estou em um lugar onde adoro trabalhar e falo sobre diversos assuntos — inclusive de futebol, no programa “Globo esportivo”.

ABI OnlineDe quantas Copas você participou e qual o emocionou mais?
Luiz Mendes — Estive em todas as Copas entre 1950 e 1998. Em 2002 e 2006, cobri do Brasil. A que mais emocionou foi a de 58, a primeira que a gente ganhou. Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece! Em 58, tive a sensação contrária à da de 50, quando perdemos aqui para o Uruguai.

ABI OnlineQue aspectos você destaca na derrota de 1950?
Luiz Mendes — Não há explicação. A única lógica do futebol é sua irreverente falta de lógica. O silêncio sepulcral era entrecortado por soluços e muito choro de homens e mulheres. Houve até um torcedor que morreu no estádio. E um outro eu matei…

ABI OnlineConte esta história! 

     Luiz, Tele Santana e o jogadorAdalberto

Luiz Mendes — Antes do fim do jogo, os jornais já circulavam com a foto da seleção brasileira como campeã do mundo. A Noite Ilustrada, estampou na capa a foto da seleção em fila indiana, como se usava na época, sob a manchete “Brasil, campeão do mundo”. Na hora em que eu narrei o segundo gol do Uruguai, um sargento da Marinha sofreu um infarto e morreu. Ele estava ouvindo a minha narração, segundo os jornais. Eu narrei assim: “Gighia driblou Bigode; Bigode caiu, tentou um carrinho; Gighia o ultrapassou assim mesmo, se aproxima da linha de fundo; chuta Gighia, Gol do Uruguai!” Aí eu caí em mim. Percebi que estávamos perdendo a Copa e completei: “Gol do Uruguai?!?!?!? Gol do Uruguai, senhores…”

ABI OnlineQue emissoras de TV cobriam esporte nesta época?
Luiz Mendes — A Tupi, fundada em 1950, e a TV Rio, inaugurada em 55. Posteriormente, surgiram a Continental e a Excelsior. Com o advento da Globo, as que não fecharam perderam o prestígio.

ABI OnlineE nos jornais, qual era o espaço dedicado ao esporte?
Luiz Mendes — O esporte sempre teve espaço nos jornais, inicialmente com notas e colunas, evoluindo para páginas inteiras e suplementos. Entre as publicações mais famosas estavam O Globo Esportivo, Esporte Ilustrado, O Campeão — para a qual colaborei —, Gazeta Esportiva, O Esporte e A Semana Esportiva

ABI OnlineE o Jornal dos Sports?
Luiz Mendes — Era o líder naquela época.

ABI Online Por que ele usa o papel cor-de-rosa?
Luiz Mendes — Houve uma crise de papel muito séria no mundo por volta da década de 70. O Jornal dos Sports era editado nas oficinas do Globo. Sobrou o papel rosa de um carregamento da Suécia que o Globo não quis usar, e o encostaram num canto. Um dia, com a crise, faltou papel e o Diretor do Jornal dos Sports mandou usar aquele mesmo. Ficou bonito, chamou a atenção e foi adotado definitivamente. Uma emergência que acabou dando a ele o pitoresco apelido “róseo”.

 Didi, Luiz, Djalma e Dr. Mário, na Suécia, em 58FONT>

ABI OnlineVocê é incentivador da terminologia nacional no futebol e reconhecido autor de várias expressões do futebol. Pode citar alguns exemplos?
Luiz Mendes — “Folha seca”, “cabeça-de-área” e “ponta-de-lança” estão entre os jargões que criei. O rádio introduziu muitas gírias no futebol. Eu mesmo trouxe algumas quando vim para o Rio, como “pelotaço”, “golaço” e “cancha”, termos usados por argentinos e uruguaios. A origem do futebol é inglesa, mas fui um dos primeiros a usar centro-médio e não center-half; zagueiro no lugar de full-back; lateral direito em substituição a half direito, meia-direita ou meia-esquerda no lugar de insider; ponta para o que eles chamavam de winger; e centro-avante no lugar de center-forward. A gente lutou tanto para chegar o computador incentivando o uso de termos como site, deletar, escanear…

ABI OnlinePara você, isto é um retrocesso?
Luiz Mendes — Sim. E mais: na minha época o locutor tinha que ter um extenso vocabulário. Era proibido repetir a mesma palavra ao longo da transmissão. Para futebol, por exemplo, usávamos os seguintes sinônimos: porfia, contenda, peleja, perseguida. Bola era pelota, balão de couro, couro, esfera, esférico, redonda, perseguida; e tinha ainda denominações com nome de gente, como Inês… O Zé Cabral botou o nome de Maricota.(risos)

ABI OnlineQue outras mudanças importantes ocorreram? 
Luiz Mendes — Há exemplos que não vivi, mas posso relatar. Na Copa de 1934, por exemplo, o Brasil estava jogando e os jornais faziam um placar imenso na frente das redações com as informações sobre o jogo. Lotava de gente. A notícia chegava em telegramas internacionais por cabo submarino, e o placar ia sendo atualizado. O texto dizia assim: “Aos 18 minutos, houve um escanteio a favor da Itália; a cobrança foi feita e o goleiro defendeu!” Aí o público batia palmas e gritava “goool”! Muitas vezes a informação chegava mais de uma hora depois da jogada.

ABI OnlineQue outras mudanças você presenciou?
Luiz Mendes — Quando iniciei a carreira, o comentarista entrava apenas no intervalo e no fim do jogo. Assim que cheguei à Rádio Globo, criei a entrada do comentarista aos 15 minutos da partida, aos 20, aos 30 e no intervalo. Minha idéia era situar o ouvinte sobre o andamento do jogo. Mas não dá para narrar e comentar ao mesmo tempo. Infelizmente, muitos fazem isto hoje, principalmente na televisão. 

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Entrga do Troféu Bola de Ouro, 1980: Daisy, Luiz, Alberto Rodrigues, Havelange e Valdir Amaral

ABI OnlineEm relação aos avanços tecnológicos, quais foram as transformações relevantes?
Luiz Mendes — O som ficou muito melhor, especialmente nas transmissões internacionais. E hoje eu tenho uma linha direta com a Rádio Globo e muitas vezes trabalho em casa. A velocidade do futebol também aumentou e colaborou para a atual falta de precisão de alguns locutores.

ABI Online — Por que o futebol se tornou mais veloz?
Luiz Mendes — Devido ao preparo físico dos jogadores, muitíssimo superior ao daquele tempo. Ao longo dos anos, o futebol perdeu em técnica, mas ganhou em velocidade, influenciando diretamente a transmissão. Antigamente se dizia “a bola ultrapassou a linha central do gramado, caiu no centro da intermediária com fulano, que aparou no peito, botou no terreno, levantou a cabeça e estendeu o passe da ponta-direita da linha central para beltrano”. Hoje, quando você diz “botou no terreno”, o jogador já fez o passe. Ficou mais difícil transmitir; por outro lado, o vocabulário foi reduzido. O locutor diz só bola mesmo, às vezes nem isto. Se ele disser “o jogador recebeu e chutou …”, todo mundo vai saber que não foi dinheiro, não é?

ABI OnlineQuando a TV começou a dar espaço a outros esportes?
Luiz Mendes — O boxe fez muito sucesso desde o início. O vôlei, hoje o segundo esporte na preferência nacional, ganhou destaque quando o Luciano do Vale estreou na Bandeirantes, na década de 80. O vôlei deve isto a ele. 

ABI OnlineVocê conviveu com grandes personalidades do jornalismo esportivo…
Luiz Mendes — Sim. Armando Nogueira, Mário Filho, João Saldanha, Nelson Rodrigues, que criou o lendário personagem Sobrenatural de Almeida. Certa vez, um jogador ouviu um apito que tinha sido dado do lado de fora do campo. Como a bola foi parar dentro da área, ele pensou que o juiz tivesse apitado e a pegou com a mão para cobrar pênalti. Foi a maior confusão. Aí o Nelson disse: “Somente o Sobrenatural de Almeida poderia ocasionar um fato como este. Foi ele quem apitou do lado de fora do campo, confundindo o jogador.” Ele também disse em uma entrevista que o lugar mais longe a que iria na vida era o Méier. Porém, encontrei-o numa barca da Cantareira, rumo a Niterói, para ver o Fluminense jogar. Ele me cumprimentou e comentou: “Pra você ver a que me leva o meu time: fazer a travessia do Atlântico.” 

ABI OnlineÉ de outro grande escritor a criação das expressões “torcida e torcedor”, não é?
Luiz Mendes — Sim. O Coelho Neto, poeta e cronista, escreveu um artigo referindo-se às mulheres que compareciam às partidas de futebol como “torcedoras”. Nas décadas de 20 e 30, as pessoas se vestiam com muita elegância para ir aos estádios. As mulheres usavam luvas e chapéus, como se estivessem no Grande Prêmio Brasil, mesmo sob um sol de 40 graus. Os homens também se trajavam com extremo bom gosto. Como o calor era grande, as moças tiravam as luvas e, ansiosas com as jogadas, as torciam. Há quem acredite, erroneamente, que a expressão “torcedor” surgiu porque os admiradores de determinado clube torciam os fatos em defesa do time de coração.

ABI OnlineFalando em torcer os fatos, como a imprensa esportiva lida com a imparcialidade?
Luiz Mendes — Olha, eu sempre lidei com isto naturalmente. O jornalista tem que ser imparcial em todas as áreas.

ABI OnlineChegou a ter algum problema ao longo da carreira?
Luiz Mendes — Acho que só tive um, durante um Grande Prêmio Brasil. Eu estava dentro do caminhão, na switcher, narrando em cima das imagens, enquanto o Carlos Alberto Dufler fazia os cortes. De repente, apareceu no vídeo a D. Yolanda Costa e Silva e eu falei: “Eis aí a Primeira-dama do Brasil, Sra….” Antes de eu terminar a frase, o Dufler cortou a imagem para a cara de uma égua. Veio lá um coronel do Exército, entrou no caminhão e foi preciso muita explicação para convencê-lo de que não fora proposital. Mesmo assim ele permaneceu na switcher até o fim da prova para acompanhar meu trabalho. Ih, lembrei-me agora de uma situação muito pior do que esta! Fui escalado pela Rádio Globo para cobrir a posse de Getúlio Vargas em seu segundo mandato. Estava lá no meio da multidão quando avistei o político Batista Luzardo, acompanhado do filho adotivo, que era meu colega na emissora, e pedi para fazer uma entrevista. O Batista Luzardo era muito mal-encarado, tipo caudilho, dominador, dono de fazenda, boi, cavalo, o diabo. Anunciei ao microfone: “Vamos ouvir o futuro embaixador do Brasil na Argentina, Dr. Batista Luzardo, o ‘Centauro dos Pampas’.” Quando ele viu que estava escrito Rádio Globo no aparelho,  gritou: “Nesta estação de meeeeerda eu não falo!” O troço saiu no ar. Imediatamente, emendei: “Todo centauro é metade homem, metade cavalo. Batista Luzardo se recusou a falar para os nossos microfones, caros ouvintes”, e saí. O velho veio atrás de mim, mas o filho o segurou e disse: “Papai, como o senhor pôde fazer isto?” (risos)

ABI OnlineVocê é conhecido pela excelente memória. Costuma exercitá-la?
Luiz Mendes — É um dom de Deus. Eu me lembro de fatos que ocorreram comigo quando ainda estava no berço.

ABI OnlineComo é?
Luiz Mendes — Ah! Tinha um mosquiteiro que cobria o meu berço e era enfeitado por bailarinas e pombinhas e eu me lembro perfeitamente de ficar intrigado olhando aquilo. Recordo até mesmo o dia em que, ainda engatinhando, descobri o que era morrer. Não ri não, foi isto mesmo. Estava engatinhando pela casa quando chegou a notícia: “Seu Gregório morreu, Seu Gregório morreu!” Era um amigo da família e descobri que morrer era se deitar na mesa onde fazíamos as refeições, todo coberto de flores! 

 Com o empresário Teti Alfonso e o lutador Archie Moore

ABI OnlineComo surgiu o slogan “o comentarista da palavra fácil”?
Luiz Mendes — Certa vez, colaborei com a Continental, que estava em decadência, a pedido do dono da cervejaria que patrocinava o futebol de lá e o meu programa de boxe na TV Rio. Carlos Marcondes, um executivo da emissora que também atuava como comentarista, havia arrumado para si mesmo o slogan “o comentarista da prova real” e para o Rui Porto, “o comentarista de classe para todas as classes”. Como sempre fui muito tagarela, pra mim ele criou “o comentarista da palavra fácil”, e pegou. Até hoje tenho a imensa responsabilidade de não sentir dificuldade para falar. (risos)

ABI OnlineQue tipo de formação deve ter um jornalista esportivo?
Luiz Mendes — As faculdades precisam de professores com experiência no mercado. Atualmente, a maioria se limita a ensinar a teoria, e isto não é suficiente para uma boa formação. Profissionais com prática na rotina diária do jornalismo são fundamentais para o aluno. Outro ponto importante é a exigência do diploma para o exercício da profissão. Não há espaço para jornalistas formados. Infelizmente, as vagas estão sendo ocupadas por ex-jogadores de futebol e demais atletas que cada vez mais atuam como comentaristas, entrevistadores, repórteres. Com isto, o estudante só encontra vaga de estagiário. O ensino formal precisa ser valorizado. Uma importante conseqüência dos cursos de Comunicação é o crescimento do número de mulheres no jornalismo esportivo. Porém, mesmo elas já encontram concorrência de ex-atletas femininas.

ABI OnlineQue orientação você pode dar aos interessados em atuar na editoria?
Luiz Mendes — Em primeiro lugar, é preciso seguir a ética. E ouvir muito rádio, assistir aos programas de televisão, observar com atenção as inflexões que caracterizam a leitura de diferentes tipos de notícias, desenvolver a sensibilidade e captar o tom a partir do conteúdo.

 Luiz Mendes na TV-Rio, em 1955

ABI OnlineA que atividades você se dedica atualmente?
Luiz Mendes — Além do meu trabalho na rádio, sou entrevistado em todas as mídias para fazer comentários, especialmente em programas na TV. Com as comemorações do cinquentenário da Copa de 58, venho participando de muitos eventos, pois sou dos poucos profissionais vivos que fizeram a cobertura daquela época. Este é um ano também de comemorações na ABI. Há mais de seis décadas, quando cheguei ao Rio, ingressei no Departamento de Imprensa Esportiva da entidade. Tempos depois, ocorreu uma fusão deste setor com a Associação dos Cronistas, que, em seguida, originou a atual Associação dos Cronistas do Rio de Janeiro (Acerj), que presidi durante dois anos. Tenho esperança que com Maurício Azêdo, que foi meu colega na crônica esportiva, as duas entidades possam se aproximar novamente, gerando convênios e atividades que fortaleçam os jornalistas e aproximem a classe esportiva, que, infelizmente, é muito desunida.