Entrevista – Bernardo Cabral


07/07/2008


José Reinaldo Marques
11/07/2008

Das letras e das leis

Durante muito tempo afastado da Casa, Bernardo Cabral retomou recentemente sua relação com a ABI, da qual é associado desde a década de 60. Pouca gente sabe, mas o ex-Ministro da Justiça exerceu o jornalismo durante 15 anos, como repórter de A Gazeta (que já saiu de circulação) e A Crítica.

Ex-Senador, Deputado federal e estadual e Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e Relator-geral da Assembléia Nacional Constituinte, ele ingressou na ABI por intermédio de Celso Kelly, que presidiu a entidade de 1966 a 1964 e do qual era muito amigo.

Atualmente atuando como consultor da Diretoria da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Bernardo Cabral diz carrega como marca de sua passagem pela imprensa o fato de ter sido o fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas. E declara que o motivo que o levou a esta empreitada foi acreditar nos benefícios de uma imprensa livre, porque “é na existência da completa manifestação de pensamento que reside a verdadeira grandeza dos povos”.

ABI OnlineO senhor é associado da ABI desde os anos 60, mas só recentemente retornou à Casa. Qual foi o motivo da sua volta?
Bernardo Cabral — Sinto-me muito bem nesse retorno, sobretudo porque há entre mim e o Presidente Maurício Azêdo uma identidade muito grande.

ABI OnlineQuem foi o seu proponente para integrar o quadro social da ABI?
Bernardo Cabral — Se não me falha a memória, foi Celso Kelly (Presidente da Casa de 1964 a 1966).

ABI OnlineQual era a sua relação com ele?
Bernardo Cabral — Mantivemos durante muitos anos uma relação de amizade que , em nenhum instante, sofreu o mais leve atrito.

ABI OnlineComo foi seu ingresso na carreira jornalística?
Bernardo Cabral — Ocorreu aos 18 anos de idade, logo após o brutal crime que vitimou um irmão meu, mais velho, com apenas 27. Um repórter amazonense, Arlindo Augusto dos Santos Porto, então Secretário do Jornal do Commercio, de Manaus, produziu sobre o fato excelente matéria, que me estimulou para esse ingresso.

ABI OnlinePor quanto tempo o senhor exerceu a profissão?
Bernardo Cabral — Fiquei na imprensa de 1952 a 1967, ano em que me mudei para Brasília, a fim de exercer o mandato de Deputado federal. Fui cassado pelo AI-5, em 68, e tive suspensos meus direitos políticos por dez anos. Cumpri toda a pena coercitiva, eis que a anistia só veio depois.

ABI OnlineEm que veículos trabalhou?
Bernardo Cabral — Os jornais A Gazeta (hoje extinto) e A Crítica, o de maior circulação, levado por seu fundador, o saudoso Umberto Calderaro Filho, e que até hoje é editado. 

 No início da vida de repórter

ABI OnlineQuais foram as experiências mais marcantes da sua passagem pela imprensa?
Bernardo Cabral — Cito apenas duas, do tempo em que eu trabalhava em A Crítica. As matérias assinadas que fiz sobre a campanha de moralização do Judiciário amazonense e uma sobre a Penitenciária de Manaus, em 1956, que intitulei “Pavoroso depósito de presos” .

ABI OnlineEm 1966, quando o senhor se filiou à ABI , o Brasil era governado por uma ditadura militar.
Bernardo Cabral — Há apenas um termo para esse período difícil que o País atravessou: tenebroso. A atuação da ABI foi exemplar e o meio jornalístico, como um todo, não se curvou, apesar de a Nação estar de joelhos.

ABI OnlineNa sua opinião, o que há de mais marcante na trajetória centenária da Associação Brasileira de Imprensa?
Bernardo Cabral — São muitos os fatos marcantes. Um deles, a atuação do sempre lembrado Barbosa Lima Sobrinho no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, quando, em notável postura, denunciava a tortura que se espraiava nos arrabaldes do DOI-Codi. E, na sua companhia, estávamos o saudoso Benjamin Albagli, da Academia Brasileira de Educação, e eu, então Presidente da OAB.

ABI OnlineO que representa para o senhor ter sido o fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas?
Bernardo Cabral — A certeza de que nenhum país será grande, nenhuma nação conseguirá se desenvolver ou viver em harmonia com seus cidadãos se não for protegida e estimulada por uma imprensa livre. Sempre entendi que é na existência da completa manifestação de pensamento que reside a verdadeira grandeza dos povos.

ABI OnlineQual foi o impacto dessa iniciativa para a classe jornalística local?
Bernardo Cabral — Foi um impacto notável. Àquela altura (21 de agosto de 1957), tínhamos apenas a Associação Amazonense de Imprensa e o Sindicato trouxe sangue novo, com profissionais da categoria de Arlindo Porto (primeiro Presidente), Milton de Magalhães Cordeiro (Secretário), Phelippe Daou e muitos outros que já fizeram a travessia do Estige, todos com registro profissional na Delegacia Regional do Ministério do Trabalho. Meu número era o 91.

ABI OnlineNo início dos anos 50, o senhor também exercia funções importantes na área do Direito e do serviço público. Como foi conciliar a carreira de advogado com a de jornalista?
Bernardo Cabral — Conciliei com o exemplo de grande Rui Barbosa, que nos ensinava: “Removei a imprensa, essa publicidade quotidiana que se chama imprensa, e já não haverá administração, já não haverá legislatura, já não haverá soberania nacional, já não haverá tranqüilidade, nem confiança, nem crédito, nem trabalho. Reinará o pavor, o arbítrio, a vingança, a miséria, a vergonha. Reinarão os aventureiros, os desalmados, os malfeitores.”

ABI OnlineQual foi seu melhor momento como jornalista?
Bernardo Cabral — Quando tive a convicção de que se deve à imprensa do Brasil a prestação de inestimáveis serviços ao País. Sem ela, não teríamos uma nação brasileira. Sem ela, nossos irmãos negros continuariam escravos no pelourinho e, talvez, não existisse a proclamação da República.

ABI Online — Quando o senhor sentiu que a advocacia e a política o fariam abandonar o jornalismo e o que pesou na decisão?
Bernardo Cabral — Quando percebi que não dispunha mais de tempo para atender o volume de trabalho, tive também o temor que pudesse dispor de um veículo para influenciar minha carreira política. Para mim, era sobretudo uma questão ética. 

 Abraçado por Almim Affonso ao ser 
 eleito Presidente da OAB, em 1981

ABI OnlineComo homem público, o senhor manteve um contato direto e constante com a mídia. O fato de já ter sido jornalista ajudou nessa relação?
Bernardo Cabral — Sim, porque por conhecer a imprensa por dentro eu tinha muita paciência e confiança nos colegas para me impressionar com as críticas que a ela faziam por fora, tais como perguntas capciosas, com segundo sentido e deturpações, e outras coisas que são do conhecimento de quem conviveu e convive com as redações.

ABI OnlineAlguma vez o senhor se sentiu prejudicado por algum veículo ou reportagem?
Bernardo Cabral — Sim, porque no ardor do trato da notícia, alguns jornais e jornalistas têm a tendência de transformar casos em causas. Levados pela paixão (política, partidária, religiosa ou empresarial) eles acabam se esquecendo de que o julgador maior da sua redação é o leitor e não os editores, provocando, com isso, equívocos em sua obra e injustiças para com aqueles que foram alcançados por sua verrina.

ABI Online O senhor tem alguma crítica ao noticiário político?
Bernardo Cabral — A resposta anterior poderia englobar esta, mas é oportuno pôr em relevo que críticas ocasionais, quando ocorrem, não podem ser invocadas como instrumentos de retaliação contra o arcabouço da imprensa brasileira, através de modificações da legislação, pondo em uso o conceito da liberdade de expressão.

ABI OnlineQual é sua opinião sobre a proposta do Deputado Miro Teixeira de revogação da Lei de Imprensa?
Bernardo Cabral — Tem o meu integral apoio. Problemas de ilícitos penais cometidos pela imprensa devem ser situados no âmbito do Código Penal. E basta!

ABI OnlineO que o senhor tem a dizer sobre os recentes casos de censura que envolveram a imprensa e o Judiciário?
Bernardo Cabral — Uma imprensa controlada pelo Estado ou pelas elites dominantes pode permitir a eclosão de não apenas uma, mas duas ou várias ditaduras numa mesma região. Volto a dizer: nenhuma nação conseguirá se desenvolver ou viver em harmonia se não for protegida e estimulada por uma imprensa livre.

ABI OnlineQuais são os danos da censura para a democracia?
Bernardo Cabral — Com uma imprensa amordaçada, maculada pela censura, não subsiste a democracia — e, sem esta, o mundo moderno nos ensina claramente que as nações não sobrevivem. É preocupante uma nação onde o medo prevalece sobre a esperança, o ódio subjuga o amor e a vida não merece ser vivida.

ABI OnlinePor que o senhor desistiu de concorrer novamente ao Senado?
Bernardo Cabral — Porque a vida me ensinou o tempo de cada coisa. Ao longo de mais de 40 anos de vida pública, fui Secretário de Estado, Deputado estadual e federal, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Relator-Geral da Assembléia Nacional Constituinte, Ministro de Estado da Justiça, Senador… Chegou o momento de parar.

Autografando a Constituição de 88

ABI OnlineAtualmente o senhor é membro da Confederação Nacional do Comércio. A função atende à sua vocação política?
Bernardo Cabral — Apesar de a função de Consultor da Presidência da CNC não ter cunho político-partidário, não deixa de atender à minha vocação de poder contribuir para o bom nome de uma instituição altamente respeitada.

ABI OnlineO senhor tem uma produção intelectual intensa, com muitos trabalhos publicados, como jurista e homem público. Já pensou em escrever as suas memórias?
Bernardo Cabral — Sempre que disponho de tempo vago, vou registrando o que me parece ser interessante e digno de respeito. Mas a publicaçãi vai demorar, apesar de já ter escolhido o título: “Caminhos da vida — Recordações esparsas”.