Entrevista – Arnaldo César Ricci Jacob


16/08/2006


Em busca de agilidade e conteúdo

Claudio Carneiro
18/08/2006

Paranaense de Ponta Grossa, Arnaldo César Ricci Jacob trabalha na imprensa desde os 16 anos de idade. Começou como linotipista de um jornal daquela cidade, onde respirou o vapor de chumbo e aprendeu a operar as máquinas. Depois, passou para a Revisão. Com 18 anos, chegou ao Rio de Janeiro, onde fez de tudo na carreira: além de repetir a experiência como linotipista e revisor, foi repórter, editor e até dirigiu carro da Reportagem. Agora, está assumindo a Direção Geral de Jornalismo da TV Bandeirantes no Estado.

ABI OnlineO senhor passou por importantes jornais e revistas do País. Como foi essa trajetória?
Arnaldo César Ricci Jacob — Logo que cheguei de Ponta Grossa, fui fazer um estágio no Correio da Manhã. Depois passei pelo Diário de Notícias, O Jornal, TV Globo, as revistas Manchete e Exame e o Jornal do Brasil — e, enquanto estava no JB, fazia também o comentário econômico na Rádio Jornal do Brasil. Tive duas importantes passagens pela Veja. Mais tarde, vieram O Dia, a TV Alerj, e agora este novo desafio, na TV Bandeirantes. A maior parte da vida profissional, passei na Editora Abril, onde fui Diretor da sucursal Rio da Exame e editor da Veja; em duas passagens, acumulei 15 anos. A minha “baiana” é bastante rodada. Além disso — enfrentando, como todo jornalista, uma jornada dupla de trabalho — fui correspondente de uma agência internacional chamada Interpress Service, que tem sede na Itália e da qual, hoje, apenas faço parte do Conselho.

ABI OnlineQue mudanças ou inovações o senhor pensa em levar para a Band?
Arnaldo César — Cheguei há poucos dias na Bandeirantes, onde fui convidado a dirigir o Jornalismo. Esta é uma operação infinitamente mais complexa do que o trabalho na TV Alerj — que deixei recentemente —, pois aqui, além dos telejornais de rede, temos jornal local, as três emissoras de rádio e três de TV — sendo uma aberta e duas por assinatura —, além de um quarto canal de televisão, em Barra Mansa, no Sul do Estado. No momento em que você está me entrevistando, ainda estou fazendo diagnósticos, observando rotinas, enfim, vendo as coisas e corrigindo algumas que já percebo. O projeto maior virá depois.

ABI OnlineComo o senhor vê a empresa que vai dirigir?
Arnaldo César — A Band é, tradicionalmente, uma empresa jornalística. Não só a rádio, mas também a TV tem essa marca de tradição jornalística muito forte. É uma empresa constituída por bons jornalistas. O que vou tentar fazer, na verdade, será agregar valor. Temos um telejornal local que precisa ser redirecionado, na medida em que concorre com outros telejornais, de outras redes, no mesmo horário. É preciso repensar o caminho que ele vai tomar, para não ficar igual aos demais, concorrendo com as mesmas informações e matérias rigorosamente iguais. Isso é complicado. Vamos buscar um caminho para ele. Aqui temos também a Rádio Band News Fluminense, que é uma rádio all news e está em processo de consolidação. Este será, certamente, um lugar onde teremos muito trabalho para fazer. 

ABI OnlineQual o maior desafio?
Arnaldo César — O desafio agora não é só colocar no ar o factual, é se antecipar aos acontecimentos. E para isso necessitamos de uma matéria-prima muito importante: jornalistas com fontes e com experiência. Como o volume de informação é muito grande, o leitor, às vezes, tem dificuldade de entender certos fatos. Cabe aos veículos — jornais, rádios e TVs — explicar aquela “maçaroca” toda de informação, para que ele possa entender o que está por trás do que está recebendo.

Hoje, no jornalismo moderno, há uma concorrência muito forte pela velocidade exclusividade da informação, especialmente depois que surgiu a internet e os sites de informação, muitos deles, aliás, ancorados em grandes redações, como as do Estado de São Paulo, do Washington Post e do New York Times. Isso criou um desafio novo para as rádios: a velocidade deixou de ser um privilégio delas.

ABI OnlineComo será isso na prática?
Arnaldo César — Veja agora, por exemplo: estamos no meio de uma guerra do tráfico, 23 pessoas morreram nos últimos dias, no Vidigal, no Juramento, no Complexo do Alemão, no Dona Marta. O leitor, ouvinte ou telespectador vai recebendo isso “picado”. Como é tudo muito rápido, às vezes o cara não entende por que se mata tanta gente no Rio de Janeiro. E, em função dessa velocidade, nem os veículos se dão ao trabalho de explicar que estas não são mortes isoladas, mas que estão num contexto da guerra do tráfico que assola o estado. Lá em São Paulo, já estamos em 180 e tantos atentados provocados pelo PCC. Estas são estatísticas claras de um país que está em guerra. Então, em algum momento, alguém tem de chegar e explicar o que está acontecendo. Esta é uma concepção que a gente pretende dar. As televisões estão cheias de comentaristas. Temos aqui o Joelmir Betting, que fica “entendendo” a economia para as pessoas.

ABI OnlineO comentarista terá papel importante?
Arnaldo César — O comentarista tem que explicar ao espectador como os fatos do dia-a-dia impactam a sua vida. É preciso ter esse cuidado. Afinal, esses fatos não estão desconectados da vida das pessoas. Elas precisam entender que cada fato tem a ver com suas vidas. E não é só a questão da segurança; tem a economia, a política etc. Essa é a tendência. 

ABI OnlineA questão é se conectar?
Arnaldo César — A questão é como vamos conviver ou como vamos concorrer com a internet. E as respostas são basicamente duas: o New York Times e o Washington Post, alguns jornais europeus e o japonês Asahi Shimbun acham que ganham essa concorrência com a internet na exclusividade e na qualidade da informação. Quanto mais histórias exclusivas eles contarem para seus leitores, mais fidelidade terão. Essa opção implica em alto custo, na qualificação cada vez maior do profissional, uma vez que o jornalista tem que estar cada vez mais bem preparado. Sou um militante desta corrente

Outra corrente aposta que a informação é uma commodity que deve ficar disponível a qualquer momento, em todos os lugares, em todos os sites — e que o seu veículo tem como saber como tirar essas informações das agências, da internet, da radioescuta e criar um produto em cima disso para os leitores. Os que apostam nessa segunda opção acreditam no baixo custo para a produção de informação.

Mas o grande segredo desta história toda é a credibilidade. Em 2004, estive num congresso da International Newspaper Marketing Association (INMA) — uma entidade norte-americana que congrega 480 jornais. Lá, tive a oportunidade de conversar com a então Vice-presidente do New York Times, Janet Robinson. Ela me contou que, para o jornal se preparar para esta nova realidade e agilizar sua distribuição, foram investidos US$ 1 bilhão em infra-estrutura em cross media — que é o cruzamento destas mídias eletrônicas com as chamadas mídias impressas — e na formação de pessoal. No dia em que conversamos, discutia-se na Redação o pedido de desculpas aos leitores pela cobertura feita da guerra do Iraque. A tensão na Redação era grande, porque estava em discussão a credibilidade do jornal. Eles consideraram que cometeram muitos erros. E a redução dos erros só se faz através da qualificação do pessoal com quem se trabalha. Parte desse investimento de US$ 1 bi também foi para treinamentos e cursos na Redação — e treinamento ali não é ficar discutindo lead e sublead, essas coisas. É para formar o cara sobre a História do Oriente Médio e outros temas com que ele vai lidar no dia-a-dia. Esse tipo de treinamento passa pelos veículos eletrônicos.

ABI OnlineTudo isso requer sempre grandes investimentos?
Arnaldo César — Você sabe qual a grande vantagem da nossa profissão? Nós somos que nem vinho. Nós nos tornamos profissionais melhores quanto mais velhos ficamos, ao contrário de outras profissões. Vamos acumulando experiências. Se você quer uma matéria bem escrita, se você quer uma informação com profundidade, tem que fazê-la com um jornalista de cabelo branco. Se você entrar na redação do Washington Post, a incidência de cabelos brancos é um negócio fantástico.

ABI OnlineMas nas redações aqui no Brasil não é o que se vê…
Arnaldo César — Aqui não. Tem muita gente jovem. Mas eu acho que, à medida que o leitor — ou o telespectador, ou o ouvinte — começar a demandar mais profundidade, teremos de lançar mão de experiências acumuladas. Isto é um sintoma animador, que vai gerar também um leitor mais bem informado.

ABI Online O senhor acha que, num momento em que a agilidade do noticiário é tão cobrada, haverá espaço para acrescentar informações de aspecto histórico ou cultural à notícia?
Arnaldo César — Sim. Ou você faz isso na pré-produção, no caso das rádios e TVs, transmitindo aos repórteres o planejamento da matéria, ou você faz na apuração. Quanto mais bobinhas forem as matérias, mais o jornalista deixou de exercer o papel de filtro, de criticar alguns conteúdos ou de imprimir seus próprios conhecimentos à informação final. Quanto melhor o filtro, melhor será o resultado. É nisso que devemos insistir. Não somos um mero suporte de microfone. A gente tem de interagir com o entrevistado, a gente pode questionar e criticar. Essas são funções clássicas do jornalista que, diante da nova concorrência, ficam mais aguçadas. Como você escolhe uma rádio para ouvir ou um jornal para ler? O veículo tem de agregar algum valor ao seu conteúdo. Você compraria um jornal que conta tudo o que você já sabe? 

ABI OnlineLeitor quer novidade…
Arnaldo César — Ele precisa de histórias novas. O jornalismo precisa de jornalistas que saibam trabalhar com fontes de informação. Em todo o processo na redação, essa preocupação tem de existir: Não é só o repórter que está ali na ponta, mas todos precisam trabalhar nesse sentido e com essa preocupação de buscar a informação nova. Jornalista que trabalha com fonte ainda é um conceito incipiente no jornalismo brasileiro. As pessoas não têm essa formação. 

Meu patrimônio nesses quase 40 anos de profissão é a minha agenda com as minhas fontes, as pessoas que me conhecem, que gostam de mim, que confiam em mim, que me respeitam, que sabem que vão entregar uma informação e que ela não será usada de maneira leviana, pessoas que atendem um telefonema meu na hora — o que, aliás, é uma coisa que hoje em dia, com o real time, é muito valorizado. Tudo isso é um patrimônio que o jornalista forma.

ABI Online Mudando um pouco de assunto, esta não é sua primeira experiência em TV.
Arnaldo César — Eu venho da experiência de um ano e meio na TV Alerj, onde tive, na verdade, o trabalho de remontar um canal de televisão. Quando cheguei lá, não existia grade de programação, telejornais, programas definidos, essa coisa toda. Então, fui organizar o canal nesta direção. Hoje, você sintoniza o canal e sabe que em tal horário tem determinado programa. Fizemos lá três telejornais diários e uma revista semanal. E criamos conceitos de apuração, que chamávamos lá de “caminho de mão dupla”: buscávamos informações dentro da Alerj, a partir dos projetos de lei, dos eventos internos, e as transformávamos em reportagem de TV, buscando aproximar os temas dos telespectadores e eleitores. O objetivo era mostrar que o que se decidia ali tinha a ver com a vida das pessoas. Também pagávamos os assuntos daqui de fora e os repercutíamos lá dentro, com os deputados. A mágica disso era tentar fazer uma televisão que mostrasse ao telespectador que o que se faz lá — apesar de tudo o que se fala — é uma coisa importante.

A TV Alerj é uma televisão legislativa, mas tentamos imprimir ali o conceito de televisão pública. Com base nisso, fizemos vários convênios com produtores de conteúdos, inclusive com a Public Broadcast Service (PBS), que é a maior rede de televisão pública dos Estados Unidos. Este convênio abrangeu a troca de programas e treinamento e formação de pessoal da TV Alerj. Firmamos outros convênios: com a Multi-Rio — que é uma boa produtora de conteúdo da Prefeitura do Rio de Janeiro —, o STV — grande produtor público do Sesc e do Senac em São Paulo —, o Sebrae, a Radiobrás, os canais legislativos — TV Senado e TV Câmara — e algumas universidades, como a UFRJ e a UFF.

ABI OnlineE sua atuação, digamos, política, tanto em sindicatos quanto na ABI?
Arnaldo César — Em 69, eu trabalhava na TV Globo e resolvi assumir a Direção do sindicato da categoria no Rio, que estava na mãos de uns pelegos. Houve uma espécie de uma frente de jornalistas, em todas as redações, que se juntaram, num grande esforço, para ganhar essa eleição. A partir daí, tive uma vida sindical, convivi com as pessoas. Logo depois da morte do Dr. Barbosa Lima Sobrinho — eu já estava no jornal O Dia — vi se repetir esse tipo de movimento de jornalistas para assumir a ABI. Participei de um grupo de jornalistas que concorreu e acabou redundando na ida do Maurício Azêdo para a Presidência da Casa. Faço parte do Conselho da ABI, mas confesso que sou um Conselheiro meio relapso, meio ausente, porque minha jornada de trabalho nunca é menor que 12 horas por dia.