08/10/2025
Por Ana Gabriela Oliveira Lima, em Folha de São Paulo
Marlene Bergamo/Folhapress
Mais de cem famílias de vítimas da ditadura militar puderam receber nesta quarta-feira (8), na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo, certidões de óbito corrigidas atestando violência e morte cometidas pelo Estado brasileiro após o golpe de 1964.
Familiares de pessoas cuja certidão já havia sido corrigida pelo Estado também participaram da solenidade, como os parentes de Rubens Paiva, deputado eleito em 1962, sequestrado e morto por militares, e do jornalista Vladimir Herzog.
Em janeiro, Paiva teve a certidão corrigida para constar morte violenta e causada em contexto de perseguição sistemática. Em 1996, a viúva do político, Eunice Paiva, conseguiu na Justiça o reconhecimento de que ele havia desaparecido desde 1971, ano em que morreu sob tortura.
A farsa foi desmontada a partir de depoimentos de médicos e testemunhas, e a União foi condenada pela morte do jornalista em 1978. Em 2013, o atestado de óbito de Herzog foi entregue à família constando que a morte, no lugar de causada por enforcamento, derivou de lesões e maus-tratos.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, embora a certidão de Herzog já tivesse mudado em 2013, a nova retificação vai ser menos genérica.
“Naquele momento, a causa da morte passou a constar de forma genérica, com base na Lei nº 9.140/95, que reconhece os mortos e desaparecidos políticos sob responsabilidade do Estado”, informou o ministério por meio da assessoria.
“Agora, a nova retificação traz uma redação mais clara e direta, reconhecendo expressamente que foi uma ‘morte não natural, violenta, causada pelo Estado no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964′”.
A certidão de Paiva, retificada de maneira açodada em janeiro segundo Eugênia Augusta Fávero, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, agora também vai se adequar melhor ao padrão definido a todas as vítimas, respeitando determinação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A medida é uma das recomendações da CNV (Comissão Nacional da Verdade).
“Esse novo modelo está sendo aplicado a todas as certidões dos mortos e desaparecidos reconhecidos pelo Estado, como uma forma de corrigir definitivamente os registros e reconhecer, de forma mais transparente, a responsabilidade do Estado pelas mortes durante a ditadura”, segundo o ministério dos Direitos Humanos.
O local ficou lotado com familiares e convidados, que falaram sobre a necessidade da reparação da verdade. Eles fizeram paralelo entre o golpe de 1964 e a tentativa de golpe liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com pedidos contrários a uma anistia dada aos condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal)
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, chamou a solenidade de “momento de reescrita da nossa história a partir da memória”. Ela afirmou que é importante lembrar o golpe de 1964 para que não volte a se repetir e falou em autoritarismo na gestão Bolsonaro.
Vera Paiva, filha de Rubens Paiva e conselheira do CEMDP, falou sobre a importância do fortalecimento da demanda por pedidos oficiais de desculpas vinda do Estado e da continuidade de ações para preservar a memória e a verdade sobre o passado. “Para que nunca mais aconteça, precisamos que não se esqueça”, afirmou.
Também compareceu seu irmão, Marcelo Rubens Paiva, e Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog.
Na primeira solenidade, ocorrida em agosto, 63 certidões de óbito retificadas estavam aptas a serem concedidas. Dessas, 21 foram efetivamente entregues a familiares que estiveram presentes para recebê-las.
O objetivo é preservar a memória das vítimas e a verdade acerca do período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil. Segundo a CNV (Comissão Nacional da Verdade), 434 pessoas foram vítimas do Estado no período de 1946 a 1988.
Segundo historiadores, porém, o dado não contempla o número real de vítimas, que tende a ser bastante superior, uma vez que a própria Comissão reconhece mais de 8.000 mortes de indígenas atreladas ao período.
Veja quais vítimas cujas certidões estão aptas a serem entregues nesta quarta: