Entidades repudiam censura no Espírito Santo


12/07/2012


A juíza Ana Cláudia Rodrigues de Faria Soares, da 6ª Vara Cível de Vitória (ES), em decisão liminar, determinou a exclusão de três reportagens e dois editoriais publicados pelo jornal eletrônico Século Diário, do Espírito Santo, relacionados ao promotor de Justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenkner, autor da ação por danos morais, que considerou os textos “sensacionalistas” e “desrespeitosos”.
 
Foram retirados do site as matérias “Promotor ‘esquece’ de protocolar recurso, recebe aula de magistrado e pode ser punido”, “Decisão judicial contrária à ação de Zenkner e precedente contra denúncias sem elementos” e “Vereador vítima de abuso de poder e intimidação denuncia Marcelo Zenkner”, e os editoriais “Nota zero para Zenkner” e “Para dançar o fado”, publicados entre 2010 e março de 2012.
 
“A liberdade de imprensa não é absoluta, pois pode colidir com os direitos fundamentais da personalidade”, afirmou a juíza na decisão, determinando ainda que as futuras reportagens “primem pela objetividade das informações, abstendo-se de incluir adjetivações pejorativas ou opiniões desfavoráveis que extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica; limitem-se a narrar os fatos sem se pautar por comentários, boatos, acusações isoladas e desprovidas de idoneidade, sempre fazendo referência à fontes; e procedam com imparcialidade e isenção na divulgação de notícias relacionadas ao autor, observando apenas o contexto fático, sem se pautar por tendências, ideologias ou intuito de autopromoção ou promoção de terceiros em detrimento do autor.”
 
A direção do Século Diário classificou a medida como censura prévia e recorreu da decisão. O jornalista Rogério Medeiros, diretor de redação do Século Diário, e autor de “Memórias de uma guerra suja”, ressalta que os problemas com a justiça capixaba remontam ao ano de 2010, após a publicação de “Um Novo Espírito Santo: onde a corrupção veste toga”, escrito por ele em parceria com Stenka do Amaral Calado, por 11 anos diretor do Século Diário.
—Denunciamos o nepotismo, o enriquecimento ilícito e a corrupção no Judiciário capixaba a partir da cobertura diária de escândalos. A imprensa capixaba não escreve uma linha contra os desmandos do judiciário e está totalmente integrada ao sistema, mas nós fazemos jornalismo responsável e vamos noticiar os fatos.
 
Medeiros citou as investigações do jornal a partir da Operação Naufrágio, deflagrada em 2008, com a denúncia de venda de sentenças no judiciário capixaba:
—No início da Operação Naufrágio foram pegos quatro desembargadores, a partir daí o jornal entrou no assunto e começou a buscar. Este trabalho revelou o envolvimento de 14 pessoas num universo de 24. Um escândalo. Desde então, o jornal vem sendo perseguido. Respondemos a inúmeros processos e estamos sendo censurados pela terceira vez. O promotor Marcelo Zenkner tentou fechar o jornal e chegou a tirar o nosso site do ar. Apesar de tudo, cerca de 50 mil pessoas acompanham as notícias pelo Século Diário. Temos influência e responsabilidade.
 
Agressão
 
A Associação Espírito-Santense de Imprensa (AEI) se posicionou sobre o caso. Ângelo Fernandes, diretor da entidade, e conselheiro da ABI, manifestou repúdio pela censura imposta ao jornal:
—A decisão da juíza representa uma agressão, um abuso. A liberdade de expressão é um direito sagrado de todos, previsto na Constituição e que deve ser respeitado na democracia. A AEI está irmanada com o jornal Século Diário e empenhada em lutar para que esta situação não se repita.
 
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) divulgou nota em protesto contra a decisão judicial: “Não satisfeita em desobedecer o dispositivo constitucional que veda a censura à produção jornalística, tenha se arrogado o direito de determinar que o jornal digital Século Diário doravante siga “recomendações” editoriais por ela estipuladas, numa descabida ingerência na autonomia editorial de que constitucionalmente gozam os órgãos de imprensa nos termos da Constituição e das sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal(STF) no julgamento de casos similares. A esse respeito, cabe recordar decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal(STF), em decisão relativa ao Agravo de Instrumento no 690841/SP, de 21 de junho do ano passado:”… o Estado, inclusive Juízes e Tribunais, não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideiais e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais de imprensa, não cabendo ainda, ao Poder Público, estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição indevida aos “mas media”, que hão de ser permanentemente livres…”
 
 
*Com O Globo, Folha de S. Paulo, JB, ANJ.