Em Ato na ABI, editor do Wikileaks diz que extradição de Assange é precedente perigoso contra a democracia


02/12/2022


Por Eduardo Miranda, em Brasil de Fato

Em visita ao Brasil para uma série de encontros com autoridades políticas, lideranças de direitos humanos e entidades do jornalismo, o editor-chefe e porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, disse, em ato realizado na quarta-feira (30), na ABI , que a extradição do jornalista Julian Assange para os Estados Unidos, que pode ocorrer nas próximas semanas, representa um precedente perigoso para a democracia, para a liberdade de imprensa e para os direitos humanos.

O editor da plataforma participou do Ato pela Liberdade do Jornalista Julian Assange, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (30). Acompanhado do editor e embaixador do WikiLeaks, Joseph Farrell, e em agenda por diversos países, os jornalistas encontraram o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (28).

“Vocês, aqui no Brasil, têm a memória viva dos horrores da ditadura, já viram a censura, a supressão da liberdade de imprensa e viram as consequências disso. A extradição de Assange, que pode acontecer em algumas semanas, coloca muitas coisas em jogo, em risco. A nossa luta é uma luta por todos nós, porque essa extradição abre um precedente que coloca em risco a democracia e países como o Brasil”, disse ele.

Durante o ato, lideranças de direitos humanos e liberdade de expressão lembraram que os documentos secretos expostos por Assange revelaram a influência dos Estados Unidos sobre promotores da Operação Lava Jato, no Brasil. Assange também foi responsável por publicar entre 2010 e 2011 documentos que revelam crimes de guerra e campos de tortura no Iraque, Afeganistão e na base de Guantánamo, território estadunidense em Cuba.

Hrafnsson afirmou que esteve em Brasília e ouviu diversos parlamentares sobre o sigilo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) impôs a informações que deveriam ser públicas para toda a população. Ele comparou os Estados Unidos ao Brasil, ao comentar a escalada de documentos colocados em sigilo em períodos de guerra, época em que Assange atuou.

Prisão “escandalosa”

Julian Assange é ilegalmente acusado pelo governo dos EUA de violar a Lei de Espionagem de 1917, usada durante a guerra para perseguir pacifistas e dissidentes e classificá-los como espiões. O jornalista australiano está detido no Reino Unido desde 2019 em situação política e de saúde precária. Se for extraditado para os Estados Unidos, ele pode receber uma pena de até 175 anos em confinamento solitário.

O presidente da ABI, Octávio Costa – que presenteou Kristinn Hrafnsson com a Medalha Barbosa Lima Sobrinho e lhe entregou uma medalha para ser encaminhada a Assange – lembrou que a Associação já sediou alguns atos pela liberdade de imprensa e para alertar sobre a situação de Assange. Ele reforçou que nenhum jornalista que apure e divulgue fatos e afete um determinado governo pode ser perseguido. Octávio Costa informou durante o encontro que o Prêmio ABI de Direitos Humanos de 2023 será concedido a Assange.

“Assange corre o risco de ser condenado a quase 200 anos de prisão nos Estados Unidos, isso que está acontecendo é um escândalo, é uma vergonha, é inadmissível. Essa luta está pela liberdade de imprensa está no DNA da ABI, que sempre participou da luta por direitos humanos e liberdade de expressão, temos participado constantemente de eventos em favor de Assange. E por isso estamos novamente aqui hoje”, disse Costa.

Moysés Corrêa, Geraldo Mainenti,  Farrell, Octávio Costa,  Hrafnsson,  Maria Luiza Busse e Marcos Gomes

Participaram do ato na Associação Brasileira de Imprensa o Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade dos Povos – Capítulo Brasil, que convocou o ato para o dia 9, a Frente Internacionalista dos Sem Teto (Fist), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABDJ), o Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Instituto Vladimir Herzog, entre outras entidades de jornalismo investigativo, de liberdade de expressão e de direitos humanos.

Carta aberta dos grandes jornais

No Ato, o presidente da ABI, Octávio Costa, e o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, informaram que na segunda-feira (28), o jornal americano The New York Times, o inglês The Guardian, o francês Le Monde, a revista alemã Der Spiegel e o espanhol El País divulgaram uma carta aberta com o enunciado Publicar não é crime.

Na carta, afirmam que “chegou a hora de retirar as acusações contra Julian Assange”, editor australiano do WikiLeaks que está preso desde 2019 em Londres, a pedido de Washington. Escrevem os editores e publishers no final do texto, publicado com pequenas diferenças:

“Numa democracia, uma das missões fundamentais de uma imprensa independente é chamar os governos à responsabilidade. Obter e divulgar informação sigilosa é parte essencial do trabalho cotidiano dos jornalistas. Se esse trabalho for declarado criminoso, não apenas a qualidade do debate público, mas também nossas democracias serão significativamente enfraquecidas. Doze anos após as primeiras publicações relacionadas ao ‘cabogate’, chegou a hora de o governo dos Estados Unidos retirar as acusações contra Julian Assange por publicar informações secretas. Publicar não é crime”, conclui a carta.

Jantar com Caetano Veloso

Na quarta-feira, depois do Ato na ABI, o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, participou de um jantar oferecido por Caetano Veloso e Paula Lavigne, que reuniu a elite cultural brasileira para dar início a uma campanha exigindo que a administração americana retirasse agora as acusações contra Assange. Caetano Veloso declarou que Assange não é apenas um “prisioneiro político, mas um prisioneiro geopolítico”.

Kristinn Hrafnsson fez uma palestra de 30 minutos onde explicou o atual status legal da perseguição política de Assange e onde foram discutidas idéias para a campanha. “A lei ou perseguição política com a máquina judicial é um vocabulário na memória viva do povo brasileiro”. Não preciso explicar ou convencer ninguém aqui de que Assange é um prisioneiro político”. A operação Condor pela CIA durante a ditadura, o assassinato e a tortura da resistência com financiamento da CIA em toda a América Latina, e a recente perseguição do DOJ contra Lula são experiências inegáveis do nível de interferência dos EUA na soberania de outros estados. Elas são as dolorosas experiências históricas e contemporâneas do Brasil. Fiquei animado com o apoio esmagador e coordenado, mas também com ações concretas”.

João Candido Portinari, filho e curador do pintor mais relevante do Brasil, Candido Portinari, disponibilizou a integridade da coleção de pinturas e poesias de seu pai para a Campanha Don’t Extradite Assange. “Portinari é considerado um dos mais importantes pintores brasileiros, assim como um destacado e influente praticante do estilo neo-realista na pintura”. Portinari pintou mais de cinco mil telas, desde pequenos esboços até obras monumentais como os painéis Guerra e Paz, que foram doados à Sede das Nações Unidas em 1956. A obra de Portinari é uma expressão da vida no mundo cultural e político brasileiro”.