É preciso ampliar o debate político, diz jornalista


24/09/2012


A pesquisa pode contribuir muito com o processo de conscientização do eleitor. Quanto aos veículos de comunicação social, infelizmente não cumprem o papel que deveriam cumprir de ampliar o debate político, como afirmou o Diretor da Agência de Notícias das Favelas, André Fernandes. Já a reforma do sistema eleitoral deveria começar por mudanças no próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
 
As opiniões foram manifestadas por jornalistas, cientistas políticos e especialistas em eleições, que participaram da segunda rodada de debates do Seminário “Votar Legal”, organizado pela Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, na sexta-feira, 21 de setembro, na sede da entidade, no Centro do Rio.
 
A plenária “O papel da mídia e da pesquisa” deu início aos debates que ocorreram na parte da tarde, cujos debatedores foram César Romero Jacob, cientista político e professor da PUC-RJ; e Bruno Cruz, Diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro; com a mediação do jornalista Vitor Iório, professor da UFRJ, Conselheiro da ABI e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Casa.
 
Cesar Romero fez uma abordagem sobre a série histórica do processo eleitoral no Brasil, comentando sobre a recorrência de fenômenos eleitorais em campanhas para presidente da República e governador, no Rio e em São Paulo, a partir dos anos 80.
— A série histórica é um tipo de pesquisa que eu faço há muitos anos, que visa a ajudar a entender a recorrência dos fenômenos. Claro que a política é dinâmica e pode mudar, a partir de alianças, dinheiro, uma série de coisas, mas há certa ocorrência de tendências políticas em determinados territórios. Por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro não é uma, aqui existem várias cidades dentro de uma só. E a nossa pesquisa é uma contribuição da PUC para ajudar as pessoas a terem um voto mais consciente pela compreensão das tendências históricas.
 
Em relação à função da pesquisa num processo eleitoral, Romero disse que esta pode contribuir muito com o processo de conscientização do eleitor:
— A mais conhecida é a de opinião pública, que acompanha a tendência do eleitorado. Como se utilizam em sua metodologia de dados sobre partidos e candidatos, essas pesquisas ajudam o eleitor a entender o que está acontecendo, disse o professor.
 
Respondendo a uma pergunta sobre se seria possível apontar que candidato do Rio vai ganhar a próxima eleição para prefeito, Romero explicou que não poderia antecipar uma previsão já que o estudo que ele e o seu grupo desenvolvem na universidade não é uma pesquisa de opinião:
— Nós não trabalhamos com pesquisa de opinião, o nosso trabalho é feito com base nos dados oficiais do TRE ou do TSE. O que nós tentamos fazer, após seis eleições consecutivas para presidente e sete para prefeito, é buscar entender a recorrência do fenômeno. As previsões para as próximas eleições eu não tenho, poderia apenas levantar a hipótese. Eduardo Paes tem grande chance de ganhar no primeiro turno, mas se houver segundo turno ele pode perder.
 

Máquina partidária

 

Segundo Romero, frequentemente os governadores não conseguem eleger seus candidatos, sobretudo quando há segundo turno, por uma razão muito simples:

— Não é o eleitor que quer o equilíbrio, ele não tem essa consciência. Mas as máquinas partidárias que preferem que o grupo do governador não seja hegemônico, disse o cientista político.
 
Para justificar a sua tese, Romero usou como exemplo os casos de Tasso Jereissati e Ciro Gomes, que dominam a política estadual do Ceará há muitos anos e nunca conseguiram eleger o prefeito de Fortaleza. Segundo o professor, isso acontece porque o conjunto de forças locais da cidade não deseja que o grupo que se mantém na liderança tenha poderes demais:
— A mesma coisa acontecia na Bahia, onde Antonio Carlos Magalhães foi o dono do estado durante anos e não conseguia eleger o prefeito de Salvador. Como agora acontece com o PT gaúcho, que dominou a Prefeitura de Porto Alegre por muito tempo, e o seu candidato está em terceiro lugar. Isso de dá porque as outras forças políticas não querem que o mesmo grupo domine as duas instâncias, argumentou.
 
Romero mencionou também o caso de Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, em São Paulo:
— Fernando Henrique em 1996 estava no auge do seu poder, tinha o Plano Real e o primeiro orçamento da República. Mário Covas, um nome respeitadíssimo, tinha o segundo orçamento. E, no entanto, o Serra tem 15% dos votos. O que eu estou tentando explicar é que há uma recorrência de fenômenos.
 
O professor da PUC explicou que quando há segundo turno a lógica tem sido sempre o conjunto de forças políticas disponibilizar suas máquinas para trabalhar contra o candidato do governador:
— Sistematicamente ocorre essa tendência, em que as forças políticas locais, que não integram a base de sustentação do governador, ou às vezes até fogo amigo, agir para que o grupo do governador não seja hegemônico. As máquinas atuam porque elas agem sobre o território.
 
Ele chamou atenção sobre um dado importante sobre a conjuntura política do Rio de Janeiro atualmente:
— Depois de anos de o prefeito brigando com o governador, e de brigas do governador com o presidente da República, hoje não é mais assim. A série histórica mostra que desde que o Saturnino rompeu com o Fernando Henrique, que rompeu com o Brizola, em 1987, houve no território fluminense uma sucessão de prefeitos brigando com os governadores, e uma sequencia de brigas de governadores com os presidentes da República. Mas a minha impressão é que em um dado momento um conjunto de forças na cidade chegou à conclusão de que era preciso parar de brigar.
 
Na opinião do professor da PUC, hoje no Rio existe um acordo tácito: o PT nacional reconhece a hegemonia do grupo do Sérgio Cabral, o grupo do governador reconhece a liderança do PT nacional. E isso de algum modo mudou a política no estado:
— Não julgo se isso é bom ou ruim. Pode estar acontecendo também um esgotamento do material humano. O Sérgio Cabral elegeu-se governador em 2006 e 2010, e o Eduardo Paes foi eleito prefeito em 2008, com chances de se reeleger em 2012. Isso mostra que a geração de políticos que dominou a cena do Rio de Janeiro de 1983 a 2008, como Marcelo Alencar, Cesar Maia e Garotinho, pode ter passado, e a passagem de grupos políticos é normal, afirmou Romero.
 

O papel da mídia

 

Para o Diretor do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Bruno Cruz, para entender o papel da mídia no processo eleitoral é preciso observar o comportamento dos grandes meios de comunicação de olho no financiamento da publicidade institucional:

— A mídia faz um balanço econômico da fonte de recursos. De onde tiver vindo mais dinheiro é o segmento que ela vai apoiar. Infelizmente os meios de comunicação não cumprem o papel que deveriam cumprir que é ampliar o debate político. Não é isso que acontece, disse Cruz.
 
Bruno Cruz disse que acha as pesquisas de opinião fundamentais no sentido de que podem orientar os candidatos na condução de suas campanhas:
— Mas eu considero muito complicado a divulgação das pesquisas nos jornais para a grande população, porque induz o voto. E isso é importante, porque se trata de opinião política. Já em relação à mídia, os veículos impressos e eletrônicos não fazem campanhas diretas para candidatos, mas eles organizam uma forma de pensamento. As mídias sociais cumprem um bom papel, mas eu considero que o seu alcance ainda é restrito.
 
Já César Romero disse que, guardadas as devidas proporções, é preciso desmistificar a influência dos veículos de comunicação nas eleições:
— Eu acho que a mídia pode “desfazer” presidente (referindo-se ao impeachment de Collor), mas ela não elege presidente. Há muitos outros grupos que trabalham em rede. As redes partidárias existem há muito tempo. Numa eleição para presidente vamos ver na série histórica que existe um Brasil dos grotões dominado por oligarquias, onde programas como Bolsa Escola e Bolsa Família romperam com a hegemonia das oligarquias em seus próprios redutos. Isto porque são regiões onde os grandes veículos como O Globo, Veja e Carta Capital não circulam. 

Segundo Romero, a mídia influencia a classe média escolarizada:
— Por isso o candidato para se eleger precisa ter um discurso convincente, para conquistar a classe média independente, que tem renda própria e não depende de favores das oligarquias. Mas eu diria que no Rio a mídia conservadora da cidade, hegemônica, não consegue se impor em alguns lugares de classe média. Ela convence o eleitor que já está convencido. Quando se olha o Brasil como um todo é uma falácia dizer que foi a mídia que elegeu Collor. Ela o derrubou, pois tem poder para derrubar, influenciar o Congresso e até o Supremo. Mas a mídia não tem o poder de eleger, por causa da diversidade do País, declarou.
 
O cientista político disse que quem primeiro percebeu esse processo foi o Marcos Coimbra na campanha do Collor, em 1989, quando montou um discurso para convencer a classe média escolarizada, fez alianças com políticos populistas e pastores pentecostais nas periferias e bairros populares das capitais e nos grotões com a rede das oligarquias:
— Cinco anos depois, Fernando Henrique Cardoso fez a mesma coisa e ganhou a eleição. A história se repetiu em 1998. E o Lula, depois de três derrotas sucessivas seguiu o mesmo caminho e só então foi vencedor.
 
No caso da mídia eletrônica, Romero acha que a cobertura da TV está se tornando mais equilibrada por causa da concorrência.
Refletindo sobre as propostas que estavam sendo debatidas no seminário, Vítor Iório disse que não poderia deixar escapar a oportunidade para dizer que “a ABI continua sendo uma voz política forte em nosso País”:
— Nada mais interessante do que neste momento estarmos começando a discutir aqui na ABI a questão das eleições no Brasil. E com certeza isso vai repercutir em muito, seja por meio do Jornal da ABI ou da TV Brasil, que esteve cobrindo o debate, logicamente porque são os canais mais off mídia possível, do ponto de vista político, afirmou Iório.
 

Voto nulo
 
Na abertura do painel sobre voto nulo e o descrédito do eleitor com a política, Alcyr Cavacanti lembrou que o Brasil viveu sobre duas grandes ditaduras, a de Vargas e a militar, que, segundo ele, trouxeram vícios ao processo democrático que nos afetam até hoje.
— O voto democrático é uma arte do cidadão. As mudanças de estrutura só são feitas de duas maneiras: ou pela força e pelo voto. A questão do voto nulo ou em branco é gerada pelo descrédito por parte da sociedade devido aos governantes não terem feito nada em relação aos avanços esperados. Por outro lado, a classe dominante não tem interesse pela mudança, pelo contrário, deseja que a situação piore, enquanto a sociedade de maneira geral está interessada em mudança, afirmou o Conselheiro da ABI.
 
Primeiro palestrante da plenária “Voto nulo e descrédito do eleitor”, André Fernandes, Diretor da Agência de Notícias das Favelas, elogiou a ABI pela realização de um debate sobre eleições, e conclamou a direção da entidade a incentivar outros grupos a promover o mesmo tipo de discussão.
Fernandes disse que não aprova o voto nulo e que a população não deve abrir mão do direito de escolher seus representantes legislativos. Mas alerta para a necessidade de o eleitor agir com consciência na hora de votar, para não correr o risco de eleger pessoas que não estejam comprometidas com o bem-estar coletivo.
 
O diretor da Agência de Notícias das Favelas disse que até o dia das eleições deveriam acontecer outros debates como o que foi organizado pela ABI, para ajudar o eleitor a se conscientizar e votar em candidatos que estejam realmente dispostos a se doar para contribuir com melhoria da qualidade de vida do cidadão:
— A nossa escolha passa por isso, não votar nulo e caminhar no sentido de eleger pessoas que tenham boas intenções. Que não estejam buscando benefício próprio, porque a vida pública, de um político, não pode servir para aqueles que só pensam em se dar bem, amealhar fortunas. A vida pública tem que ser em prol do povo. E a população tem que ter o poder de escolher, votar e eleger. Mas também retirar da vida pública o mau político, declarou Fernandes.
 
Fernandes disse que o clientelismo e a compra de voto são fatores que prejudicam uma eleição limpa e democrática. Contou que uma vez foi contratado como jornalista para trabalhar em uma campanha política e só então pode observar, com clareza, o quanto o poder político é baseado na questão financeira:
— Vi uma pessoa ser eleita sem sair de casa, sem que os eleitores conhecessem o candidato. Esse indivíduo elegeu-se com a doação de cestas básicas e a instalação de um posto de saúde numa comunidade.
 
O tal candidato só foi eleito na vaga de um bom político “porque os eleitores que têm mais consciência não foram às urnas, votaram em branco ou nulo e deixaram a eleição nas mãos daqueles que venderam os seus votos”.
 
André Fernandes disse ter informações de casos em que os eleitores já estão com seus votos supostamente comprados. Por isso ressaltou a importância do debate sobre a disputa de voto em áreas carentes. Para justificar o seu ponto de vista, Fernandes contou um caso que ele presenciou no morro Santa Marta, em Botafogo, zona Sul do Rio:
— Convidamos candidatos que já frequentavam o morro para um debate. O nosso interesse era conscientizar os políticos de que eles deveriam apresentar suas propostas. Em um dado momento, tive que retrucar uma liderança, que em um dado momento disse que a necessidade imediata do grupo era ganhar um jogo de camisas para o time de futebol. Eu fiz ver a essa pessoa que ela está vendendo o seu voto em troca de uma benesse antes mesmo da eleição.
 
Ao final da sua palestra, André Fernandes disse que a Agência de Notícias das Favelas se compromete a ser parceira da ABI no lançamento, em eleições futuras, de uma campanha de conscientização do eleitorado sobre a importância do voto:
— Trata-se de uma iniciativa para que o cidadão vote consciente, principalmente nos bolsões de miséria das favelas do Rio de Janeiro, concluiu.
 
 

Descrédito
 
O cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gildásio Cerqueira, disse que não compartilha da ideia de descrédito da população com a política:
— O que eu vejo são as pessoas fazendo esforços em meio a muitas dificuldades para se informarem e para se desalienarem. É difícil, não é fácil. Eu não vejo nem descrédito especial ou novidadeiro, mas o costumeiro. E também não vejo uma campanha pelo voto nulo. Eu observo o que é de costume nas eleições municipais, que é o voto pragmático. Um voto que é diferente daquele que ocorre nas eleições para presidente da República e para governador.
 
Gildásio enxerga no voto pragmático um comportamento compreensível do eleitor. E chamou atenção para “a penetração do voto dos municípios”, que no seu entendimento parece deixar a descoberto as capitais:
— Na mesa anterior levantou-se essa questão, que eu achei bem interessante, o voto nas capitais é o contrapeso do voto para presidente da República e governador. Eu acrescentaria que o voto nas capitais é também um contrapeso para a concentração do voto no interior, ou seja, nos municípios. Outra coisa que eu observo é que o voto pragmático talvez demonstre o desgaste de quem está no poder. Sugiro que tenhamos mais atenção com o que está ocorrendo nas capitais em torno da expressão pragmatismo, argumentou.
 
Recém-empossado como membro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, o jornalista e advogado Modesto da Silveira disse que o debate realizado na ABI tinha significado histórico:
— Este evento é histórico porque reflete a nossa maneira de conquistar espaços e direitos humanos em um mundo que, sobretudo, viola o direito humano fundamental, a vida, a segurança, a liberdade, a igualdade, os meios de sobrevivência e tudo mais que sabemos do enorme elenco de direitos humanos pelos quais tantos companheiros da ABI vêm lutando, declarou Modesto da Silveira.
 
Modesto da Silveira recorreu a uma observação de André Fernandes sobre o processo eleitoral norte-americano, para falar da sua visão sobre o sistema de voto naquele país comparado com o que ocorre no Brasil:
— Falamos hoje de eleição e voto. Foi lembrado aqui o processo eleitoral norte-americano que é opcional, dando a entender que a opção de votar seria mais democrática, porque respeita um direito humano. Mas nos Estados Unidos o patrão sabe quem vota em quem e dá trabalho ao empregado no dia da eleição, para ele não ir votar se o voto for para um candidato que o empregador não apoia. No Brasil o voto é obrigatório, para não permitir que o patrão impeça o eleitor de exercer o seu direito, o que é muito mais democrático, afirmou Modesto da Silveira.
 
Em relação ao voto nulo, Modesto da Silveira tem opinião contrária à do cientista político e professor da UFF Gilásio Cerqueira, que disse que o voto nulo não chega a ser um grande problema no quadro eleitoral brasileiro:
— Nós temos gradações de voto. O voto nulo, em branco e até ausência de voto que é quando o eleitor deixa de comparecer à seção eleitoral com uma justificativa qualquer. Quando somamos essas três situações verificamos que há um peso. Nunca vi uma estatística nesse sentido, mas presumo que o impacto não seja pequeno, quando se soma aos votos nulos e brancos a ausência do voto. Ou seja, o percentual daqueles que nem tomam conhecimento da eleição, afirmou Modesto.
 
Na opinião de Modesto da Silveira, o descrédito da população com a política é resultado da composição do Congresso Nacional, cujo quadro não reflete a realidade da maioria da população brasileira:
— Quando eu estive lá como deputado só encontrei homens brancos e ricos, só tinha um negro típico de São Paulo entre mais de 500 parlamentares. E esse negro votava contra o interesse dele, porque ele tinha sido eleito pela Arena. Agora entre os machos brancos e ricos figuravam banqueiros ou seus lacaios, latifundiários ou seus representantes, industriais e grandes comerciantes ou seus apaniguados e parentes que cumprem fielmente a ordem empresarial.
 
Modesto da Silveira disse que até hoje lhe perguntam se houve mudança nesse quadro:
— Mudar não mudou, mas ficou menos ruim. Mas se misturarmos as fotos dos parlamentos brasileiro, norte-americano e francês ninguém saberá qual é o Congresso do Brasil, da França e dos Estados Unidos. Isto porque são métodos que dão no mesmo e não foram alterados da eleição grega na Antiguidade até agora. A eleição no Brasil na época do Império era mais ou menos parecida com a dos gregos: somente os ricos tinham direito de votar, os chamados homens bons, brancos e que tinham muita grana, lembrou Modesto.
 
Ele disse que é preciso lutar pelo aperfeiçoamento, que possibilidade a igualdade em um processo eleitoral. Segundo ele, se essa mudança não ocorrer não haverá evolução:
— Tem que haver uma abertura para a evolução. E não pode colocar o operário ou o favelado em disputa com o banqueiro, industrial ou grande comerciante porque ele não vai ganhar. Quem tem mais dinheiro ganha a eleição e a realidade dos Congressos capitalistas confirma essa tese, disse Modesto.
 
Modesto disse que se considera otimista, mas sem a ilusão de que haja avanços rápidos. “É possível evoluirmos e acabarmos com o descrédito que leva à prática do voto nulo no Brasil”, disse o palestrante.
 

Reforma eleitoral

 
Em seus comentários sobre reforma eleitoral e eficiência do voto eletrônico, o jornalista Osvaldo Maneschy levantou um ponto polêmico ao afirmar que um dos aspectos mais importantes da reforma política no Brasil passa pela discussão do papel da Justiça eleitoral:
— A reforma eleitoral deveria começar pela própria Justiça eleitoral, disse Maneschy.
 
Ele lembrou que a Justiça eleitoral foi criada em 1932, pelo então Presidente Getúlio Vargas para impedir o voto cartorial e colocar o processo eleitoral brasileiro num estágio mais profissional e acabar com os vícios da República Velha, período em que, segundo ele, a fraude era uma prática constante nas eleições do País:
— Mas a Justiça eleitoral perdeu um pouco o seu rumo. Tanto é que na primeira eleição pós-ditadura militar, em 1982, no pleito para governador, nós tivemos uma tentativa de fraude, enquanto que o antigo sistema funcionou durante décadas sem problemas. Não se falava de fraude. Mas no primeiro pleito pós-regime militar nós tivemos um caso de fraude por meio do uso de computadores, afirmou Maneschy referindo-se ao caso Proconsult na eleição para governador do Rio, em 1982.
 
Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, fez uma abordagem que ele mesmo classificou como filosófica sobre reforma eleitoral e o voto eletrônico:
— Em uma democracia formal, quem garante o poder não são as armas, é o voto do cidadão. Então se o poder emana do cidadão ele é o agente do poder. Eu quero saber para onde vai o meu voto e a urna eletrônica me impede. O Brizola foi “assassinado” pela urna eletrônica, quando se candidatou a Prefeito do Rio, em 2000, e para Senador, em 2002.
 
Chediak levantou um ponto polêmico quando afirmou que hoje no Brasil vive-se um processo muito perigoso, porque o País “não chegou a uma democracia”:
— O que ocorre hoje no Brasil com toda clareza é o seguinte: a eleição foi totalmente entregue ao poder econômico. O candidato é um produto, a eleição um mercado. Tiramos o Governo das mãos dos militares, para devolver para a população. Mas não fizemos isso, porque perdemos para o poder econômico. Acho que, atualmente, nós estamos vivendo o momento mais difícil da nossa História, disse Chediak.
 
Maneschy ressaltou que é preciso questionar a posição do Tribunal Superior Eleitoral em não permitir auditoria do resultado das eleições:
— A Justiça eleitoral não permite que nós cidadãos passemos a ter controle sobre esse processo. O Jesus filosoficamente matou essa questão: o que antes era feito sob o controle das armas, hoje é fundamentalmente realizado pela urna eletrônica e pelos institutos de pesquisa que vendem os dados. A mídia prepara a cabeça das pessoas e a urna eletrônica fabrica o resultado.

O jornalista chamou a atenção para os riscos de fraude eleitoral que podem ocorrer nas 450 mil seções eleitorais distribuídas em todo o País:
— A fraude pode se dar na mesa, no atacado, se alguém mexer no programa da urna eletrônica. E dependendo do nível de atuação da pessoa que está interessada em fraudar o resultado, a fraude pode ser nacional para presidente da República, ou pode ocorrer na votação no varejo.
 
De acordo com Maneschy, o sistema do voto eletrônico foi forjado em 1986, quando foi feito o recadastramento eleitoral: — O recadastramento nacional de eleitores realizado em 1986 permitiu que dez anos depois fosse introduzido no Brasil o voto eletrônico. Eu que participei junto à Justiça eleitoral no Rio de Janeiro desse processo não tinha a menor ideia que estava colaborando para criar esse monstro.
 
Maneschy destacou que foi o governo norte-americano que patrocinou o uso das urnas eletrônicas no Brasil e no Paraguai, sendo que o partido do ex-presidente Lugo questionou a Justiça paraguaia sobre a eficácia do equipamento brasileiro, exatamente por causa de uma série de defeitos que ele apresenta.
 

Galinha dos ovos de ouro
 
Maneschy  comparou a urna eletrônica usada no Brasil à galinha dos ovos de ouro, cujo uso fraudulento pode permitir perfeitamente uma eleição para vereador, deputado estadual e federal, e até senador. Segundo o jornalista, atualmente no Brasil se ganha uma eleição no HD de um computador:
— Eu tenho absoluta convicção do que eu estou afirmando. Nós vamos ter uma eleição daqui a 15 dias e se não houver fiscalização na seção eleitoral o presidente de mesa, com a ajuda de mesários desonestos, pode votar pelo eleitor, uma vez que tem em mãos os chamamos documentos da urna, que são as listas com o número do título de cada eleitor.
 
Segundo Maneschy isso aconteceu na eleição de Roseana Sarney para o Governo do estado do Maranhão:
— Comprovamos no Maranhão que uma grande quantidade de votos para a Roseana Sarney foi computada depois do horário de fechamento da seção eleitoral. Mais de 200 votos foram dados pelo presidente da mesa. Ele pode votar pelo eleitor porque tinha o número do título eleitoral do cidadão, afirmou.
 
Apesar desses problemas, Maneschy disse que não acha que o voto eletrônico seja um equívoco. Mas comentou que no Brasil ele foi criado com o propósito de controlar a sociedade brasileira:
— O Brizola comparava a urna eletrônica à argola que se coloca no focinho do touro para levar o animal para onde a gente quiser. Na opinião do Brizola, o Brasil era o touro e a urna eletrônica a argola que se coloca no focinho do animal para ele votar, declarou Maneschy provocando risos na plateia.
 
Maneschy disse que o povo brasileiro está sendo usurpado do seu direito de conduzir o processo eleitoral:

— O voto eletrônico é uma coisa moderna, que chegou para que pudéssemos superar muitas coisas erradas do passado, e uma delas era exatamente a velocidade da apuração dos votos. Agora, é fundamental que permaneça a possibilidade de fiscalização. Atualmente, no mundo inteiro se usa urnas eletrônicas, mas não com sistemas atrasados e programas superados como os que são utilizados aqui no Brasil. Igual aos nossos somente na Índia, que também já está mudando de sistema, finalizou o jornalista.