“É possível apurar já os crimes da ditadura”


16/08/2011


Em declaração divulgada em ato público realizado na Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, na noite desta segunda-feira, 15 de agosto,  entidades representativas da sociedade civil do Rio lançaram o Coletivo RJ Verdade, Memória e Justiça, que defende a criação da Comissão Nacional da Verdade e sustenta que independentemente da instituição desta é possível apurar desde já os crimes da ditadura militar. Diz a declaração que na maioria dos casos “as informações disponíveis permitem o início das investigações, processamento judicial e responsabilização dos agentes públicos e privados, não havendo necessidade de se aguardar os resultados da Comissão Nacional da Verdade”.
 
O ato foi aberto com a execução da canção instrumental “Guerra de Canudos” , de Chico Mário, irmão de Betinho e Henfil, por seu filho Marcos de Souza,e pela exibição de trecho do filme “Três Irmãos de Sangue”, de Ângela Patrícia Reininger, que mostra a  vida, a obra e a atuação política de Betinho e seus dois irmãos.  A mesa de honra dos trabalhos, sob a presidência de Pedro Strozemberg, um dos organizadores do Coletivo RJ, foi integrada pelo Presiden te da OAB-RJ, Wadih Damous, pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pela Assessora Especial da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República Nadine Borges, pelos Deputados Chico Alencar (Psol-RJ) e Marcelo Freixo (Psol), pelo Secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio, Antônio Carlos Biscaia e pelos representantes do Coletivo RJ, Ana Bursztin  Miranda, Pedro Strozemberg e Maurice Politi.
 
Entre os presentes encontravam-se inúmeros sócios da ABI, entre os quais Modesto da Silveira, Ronaldo Aguinaga e Paulo Gomes Neto, além da Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Margarida Pressburger, e do Vice-Presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes, Luiz Ragon.
 
A declaração foi lida pelo Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da  OAB-RJ, Marcelo Chalréo, e tem o seguinte teor:
 
“O Coletivo RJ Verdade, Memória e Justiça iniciou seus trabalhos em junho de 2011 quando pessoas, grupos e organizações da sociedade civil se uniram para discutir e promover atividades relacionadas ao reconhecimento do direito à Memória, à Verdade e à Justiça. Desta forma, tendo como objetivo a consolidação desses direitos humanos e visando o período da última ditadura no Brasil – de 1964 a 1988 -, o COLETIVO RJ vem se reunindo semanalmente para debater e formular possíveis contribuições para a consolidação da democracia na construção do “Nunca Mais” no Brasil.
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Por conhecer a importância da reparação integral aos homens e mulheres que foram presos, torturados, banidos, exilados e aos que tiveram familiares executados e desaparecidos pela repressão militar, entendemos que esta é uma causa do presente, que diz respeito, sobretudo, a toda a sociedade brasileira. Demanda, por isso, uma resposta efetiva, democrática e participativa, e exige das autoridades competentes responsabilidade na formulação de políticas públicas.
 
Não podemos perder de vista que ainda ocorrem no país prisões arbitrárias, tortura sistemática, seqüestros, execuções e desaparecimentos forçados, que vitimam a população em geral, e que são práticas inaceitáveis, inadmissíveis em um Estado Democrático de Direito. Torna-se, então, urgente e necessário que as políticas públicas incluam, em suas pautas, os Direitos Humanos, para que estes deixem de ser mero acessório retórico às políticas de segurança pública.
 
Para reduzir os danos sociais, é preciso que se esclareça definitivamente o que aconteceu no período da ditadura militar, se reconheçam publicamente os crimes cometidos por agentes do Estado e colaboradores, se identifiquem e se responsabilizem individualmente seus autores.
 
É neste sentido que valorizamos a proposta de instalação da primeira Comissão da Verdade no Brasil, entendendo que esse instrumento poderá ser de importância fundamental no processo de conquista do direito à Memória, à Verdade e à Justiça e no fortalecimento da democracia.
  
O COLETIVO RJ tem formulado observações críticas sobre alguns itens do Projeto de Lei da criação da Comissão Nacional da Verdade, atualmente tramitando no Congresso, e considera a necessidade de que se amplie esse debate com os mais variados setores da sociedade civil, situação que o Estado ainda não se dispôs a fazer. Isto possibilitará um processo inclusivo e co-responsável, permitindo reformulações neste Projeto de Lei.
 
Uma Comissão da Verdade deve ser independente e autônoma e buscar garantir um processo transparente e participativo. Pretende–se, desta forma, assegurar que seus resultados sejam bem documentados, esclarecedores sobre o ocorrido no período e diretos na identificação das responsabilidades pelos crimes de Estado. Mais ainda, seu relatório final deve ser amplamente difundido no país e formalmente encaminhado às autoridades competentes.
 
Para tanto, é preciso que se tenha acesso irrestrito a toda e qualquer documentação referente à ultima ditadura, e é essencial que o país cumpra seus compromissos internacionais de respeito aos Direitos Humanos.
 
Enfatizamos ainda que o debate acerca da Comissão da Verdade não exclui a necessidade de Justiça em seu âmbito formal. Ambos os instrumentos podem acontecer concomitantemente já que, na maioria dos crimes, as informações disponíveis permitem o início das investigações, processamento judicial e responsabilização dos agentes públicos e privados, não havendo necessidade de se aguardar os resultados da Comissão Nacional da Verdade.
 
Concebendo a Memória, a Verdade e a Justiça como dimensões esclarecedoras e reparatórias, interdependentes e complementares, o COLETIVO RJ luta:
 
—Por uma Comissão da Verdade autônoma e independente;
—Pela abertura de todos os acervos documentais produzidos naquele período e contra qualquer instrumento que promova o ‘sigilo eterno’;
—Pelo cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia;
—Pelo resgate da Memória e da Verdade sobre a história da resistência à ditadura 1964-88.
 
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2011.”