Diploma de jornalista foi tema de debate na FBN


13/08/2009


Vitor Iório e Maurício Azêdo

Como parte do ciclo de palestras “Jornalistas, escritores e a realidade brasileira”, a ABI foi convidada para o debate “Fim do diploma: cassação das esperanças”, sugerido pelo Presidente da entidade, Maurício Azêdo. O evento, ocorrido na tarde desta quarta-feira, 12 de agosto, integra o programa “Quarta às 4”, promovido pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), com mediação do jornalista Vitor Iório. 

O encontro aconteceu no Auditório Machado de Assis, na sede da Fundação, no Centro do Rio, e teve a presença dos jornalistas Muniz Sodré (Presidente da FBN), Milton Temer, Marcos de Castro, Manolo Epelbaum, José Rezende, Carlos Arthur Pitombeira, Benício Medeiros, Fichel Davit Chargel, Adail José de Paula e Chico Paula Freitas. 

Agradecendo a oportunidade de poder participar de um debate sobre “tema de extrema relevância”, Maurício Azêdo contextualizou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que no dia 17 de junho cassou a exigência de formação de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. 

Segundo o Presidente da ABI, esta é uma questão que se arrastava há anos, desde que o Sindicato de Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo e o Ministério Público Estadual (MPE) postularam judicialmente a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 972/69, que previa a necessidade de conclusão do curso de Comunicação Social para o exercício do jornalismo. 

Maurício Azêdo lembrou a reação da categoria de jornalistas ao pleito, que inicialmente foi deferido pela Juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível da Justiça Federal, 3ª Região.
— Nesse momento, houve uma grande movimentação das entidades de jornalistas. Até que um recurso, ajuizado pelo Sindicato de Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, conduziu à suspensão da liminar, que a juíza tinha conseguido para escancarar as portas do exercício profissional a quem tivesse ou não diploma. Houve então novo recurso da parte do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo e do Ministério Público local, e o processo foi distribuído ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, que desde logo deixou claro que a sua posição era contrária à exigência do diploma, disse Maurício Azêdo. 


Conquistas 

Ao frisar que o diploma é “apenas uma representação gráfica” da conclusão do curso de Comunicação Social, Azêdo lembrou que sua exigência foi inicialmente reivindicada pela ABI, em 1918, quando a entidade promoveu o I Congresso Brasileiro dos Jornalistas:
— Inclusive o João Guedes de Melo, que era redator do Jornal do Commercio, e um dos mais destacados diretores da ABI nos anos 10 e 20, chegou a ter o cuidado de propor uma espécie de grade curricular, na qual figuravam as matérias que deveriam fazer parte do currículo de curso superior para o exercício profissional do jornalismo. 

Segundo o Presidente da ABI, as maiores conquistas dos jornalistas foram, paradoxalmente, conseguidas durante os anos 40, quando vigorava a ditadura Vargas, sendo, pois, incabível a alegação dos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Melo de que o diploma foi exigido pela ditadura militar, em 1969, para restringir a liberdade de expressão: 
— A idéia de criação do curso de Jornalismo foi objeto de regulação e de determinação no Decreto-Lei de nº 5.480, de 13 de maio de 1943. Isto é, mais de 40 anos antes do Decreto nº 972, de 1969, já se dispunha na legislação existente do País da necessidade de escolas de Comunicação. Também é importante lembrar o Decreto nº 7.037, de 10 de novembro de 1941, que estipulou o piso salarial para os jornalistas. 

Maurício Azêdo

Já que a exigência de curso superior para o exercício profissional foi uma reivindicação dos próprios jornalistas, Maurício Azêdo classificou a decisão do STF como um “retrocesso”:
— Ela vai de encontro às conquistas e aos avanços da comunidade dos jornalistas profissionais e vem no bojo de uma ameaça muito maior, partida deste legislador improvisado, que é o Ministro Gilmar Mendes. Ele extrapola os limites de sua competência constitucional, para ditar normas que ele considera que devem ser adotadas pela legislação e comportamentos que ele não tem como exigir, como pregar represálias por parte do Tribunal de Contas da União ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tem merecido de sua parte recriminações. 


Relações de trabalho 

Para o jornalista Milton Temer, que também é Diretor Regional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o grande problema enfrentado pelos jornalistas hoje não diz respeito ao fim da exigência do diploma para o exercício da profissão, mas sim à “relação social do jornalista com a empresa”:
— Não existe mais jornalista com carteira assinada. O profissional não tem vínculo com a empresa, não gerando custo social para ela. Ele não consegue cobrar da empresa aquilo que ela deve. É esta relação entre capital e trabalho que interessa às empresas. E a manutenção desta realidade foi o que motivou a postulação, da parte do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo, do fim da exigência do diploma. 

Segundo Temer, foi pernicioso para o jornalista o não acompanhamento por partes de órgãos fiscalizadores das relações trabalhistas estabelecidas na imprensa diante do avanço tecnológico:
— Eu me lembro da greve dos jornalistas de 1979, quando deitaram na frente dos caminhões da Folha de S. Paulo, para impedir que a cópia da matéria fosse vendida pela empresa. Hoje, o repórter ganhando muito menos do que os daquela época, trabalha para um conjunto de mídias sem que seja pago por isso. Os repórteres inclusive estão recebendo, em jornais que concentraram riqueza de capital, celulares apenas para fotografarem e mandarem imagens que vão para diversos segmentos da empresa: jornais, sites, blogs, entre outros, colocando em risco a profissão de fotojornalista.

Capitalismo 

Para Muniz Sodré, o que aconteceu nas redações ao longo dos anos foi a mudança do capitalismo patrimonialista para os modelo das holdings, que significa a criação de uma empresa para administrar outras, fator que, na sua opinião, acabou com a representatividade social dos jornais. 

No patrimonialismo, como explicou Muniz Sodré, mais importante do que a lógica de produção é o objetivo cultural e social de continuidade do grupo patrimonial no controle de determinado veículo, que pode ser uma família ou um determinado grupo político, permitindo que o jornal se posicione nas principais questões nacionais:
— Por exemplo, o jornal O Estado de S. Paulo, que não é um jornal de esquerda, estava implicado e militando em questões relevantes como a implantação da República e a abolição da escravidão. 

Já no atual panorama das holdings, segundo Muniz Sodré, essa participação do jornal na política local deixa de existir, propiciando, juntamente com o enfraquecimento das instituições republicanas, a intromissão do Supremo Tribunal Federal em casos que extrapolam sua competência, como a cassação do diploma de jornalismo para o exercício da profissão.