Diário Carioca, o jornal que fez história


28/05/2012


“Diário Carioca — O jornal que mudou a imprensa brasileira” é o título do novo livro da jornalista e escritora Cecília Costa Junqueira, ex-editora do caderno “Prosa & Verso” do Globo, lançado no auditório Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), na sexta-feira, 18 de maio. Estiveram presentes ao evento o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; os acadêmicos Ivan Junqueira, casado com a autora, Alberto da Costa e Silva e Cícero Sandroni, ex-Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), e Othilia de Souza, viúva do Senador Pompeu de Souza. 
 
 
Na abertura do evento, o Presidente da FBN, Galeno Amorim, disse que Cecília Costa merecia uma saudação especial pela realização do livro, porque fez um trabalho de pesquisa exaustivo que resultou na publicação da história do Diário Carioca, “cujo papel e o simbolismo tiveram grande impacto na sociedade brasileira”. A autora agradeceu os elogios e disse que o livro “é um presente enorme que a Fundação Biblioteca Nacional está me dando pelos meus 60 anos”.
 
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O impulso para escrever sobre o Diário Carioca (DC) nasceu a partir da pesquisa que Cecília Costa teve que fazer para escrever seu primeiro livro, que foi uma pequena obra sobre o perfil do seu tio jornalista, cronista e poeta maranhense Odylo Costa, filho.
 
 
Na época, o crítico Wilson Coutinho editava a Coleção Perfis do Rio para a Rio Arte e pediu ao jornalista Luiz Garcia (colunista do Globo) que escrevesse sobre a vida de Odylo. Garcia alegando que estava muito ocupado disse a Wilson que falasse com Cecília, que nesse período já tinha se transferido da editoria de Economia do Globo, para assumir a função de editora do caderno “Prosa & Verso” do jornal.
 
 
Cecília conta que ao receber o convite ficou em dúvida porque, apesar de jornalista experiente, com bom texto, tinha um problema pessoal quanto a vir escrever um livro:
— Eu nasci numa família de jornalistas, o meu pai foi um deles, mas para escrever um livro eu tinha que enfrentar a aura e o carisma do meu tio Odylo. Era um grande desafio, porque eu teria que mexer com o patriarca da família. Mas como era para fazer uma pequena biografia eu achei que era ele quem estava me concedendo essa oportunidade. De certa forma ele estava me abrindo essa porta, afirmou Cecília.
 
 
Ela disse que tinha consciência que, depois das centenas de matérias que produziu ao longo da sua carreira jornalística, como repórter de economia e de arte literária, em grandes jornais como o JB e Globo, escrever um livro seria uma tarefa completamente diferente.
 
 
Parte de sua angústia era a certeza de que as matérias jornalísticas, mesmo as especiais com até quatro páginas de texto, exigem um fôlego completamente diferente de um livro com cem ou duzentas páginas:
— Quando eu comecei a escrever eu não tinha certeza se ia conseguir. Cheguei a consultar o Paulo Roberto Pires, na época meu colega no “Prosa”, já que ele escrevera o perfil de Hélio Pellegrino. O conselho dele foi “escreva depois você pensa na formatação”. Assim eu fiz e o livro sobre Odylo acabou sendo concluído.
 
 
Classificando-se como uma pessoa que acredita no espiritismo, Cecília disse que se uma pessoa é chamada para falar de um personagem “é porque o personagem está lhe convocando”. Segundo ela, é só começar a fazer a pesquisa “que as coisas vão aparecendo e chegando às nossas mãos, porque aquele espírito quer que você escreva sobre ele”.
 
 
A autora disse que sob a influência de Odylo não foi por mera coincidência ela ter descoberto um depoimento dele para o Centro de Memória da ABI, realizado em 1979, coincidentemente o ano da sua morte, aos 65 anos:
— Nessa gravação ele conta que não teria feito nada no JB, cuja reforma foi iniciada por ele, se não fosse a experiência que ele teve no Diário Carioca e na Tribuna da Imprensa, considerados por ele celeiros de bons jornalistas. 
 
 
Cecília disse que até ouvir a entrevista de Odylo para a ABI, só conhecia a história da Tribuna e do jornalismo “pouco ético praticado pelo Lacerda, o Corvo”. Não tinha informação alguma sobre o Diário Carioca:
— Depois de ouvir o depoimento do meu tio eu ficava me perguntando: que jornal seria esse tal Diário Carioca? Foi aí que despertou a minha curiosidade de apurar a história desse veículo tão elogiado, mas que eu nunca tinha ouvido falar. Eu conto no prólogo que o meu pai falava muito do Luiz Paulistano, que tinha sido um dos grandes nomes do DC, mas não tinha outras referências sobre o jornal, afirmou.
 
 
Colaborador
 
 
Kleber, filho de Luiz Paulistano, também compareceu ao lançamento. Ele foi um dos grandes colaboradores de Cecília Costa e ajudou muito a autora a encontrar os personagens das suas entrevistas:
— Esse livro foi uma ideia que surgiu primeiro na cabeça da Cecília e segundo na minha. Eu já pensava nisso há muito tempo, pois o Diário Carioca foi um jornal que revolucionou a imprensa, o modo de fazer imprensa no final dos anos 40 e início da década de 50. Era uma história que estava esquecida na cabeça das pessoas, disse Kleber Paulistano.
 
 
Kleber conta que Cecília ao completar o livro que escreveu sobre Odylo e o JB, verificou que o jornalismo que se praticava desde então tinha raízes no Diário Carioca, e que ela pretendia escrever sobre isso:
— Eu disse a ela que pensava a mesma coisa desde a morte do meu pai, que realmente era uma pessoa devotada ao trabalho dele como jornalista, e que muitas vezes sacrificou o convívio familiar em função da atividade jornalística—  lembrou Kleber. — O livro diz isso de maneira muito bonita, o encontro de quatro homens e um destino (título de um dos capítulos do livro), que eram o meu pai (Luiz Paulistano), Danton Jobim, Pompeu de Souza e o Prudente de Morais, neto, disse Kleber em tom emocionado.
 
 
 
Inovação  
 
 
Antes do início da sessão de autógrafos, ocorreu um debate, transmitido via Embratel para todo o País, cuja Mesa, além da autora, teve a participação de Ana Arruda Calado, Gilson Campos, Ferreira Gullar e Murilo Melo Filho. Foram duas horas de lembranças bem humoradas e relatos de episódios marcantes da trajetória do jornal.  
 
 
Ao abrir o debate Ferreira Gullar confirmou a regra de que uma boa história depende do perfil e da atuação dos seus personagens. Segundo ele, foi exatamente nesse ponto que o Diário Carioca se destacou dos demais jornais da sua época, como um dos mais importantes veículos de imprensa do Brasil.
 
 
Como afirma Gullar, o diferencial do Diário Carioca era ser um jornal cuja redação era formada por “jornalistas de verdade”:
— Esse livro vai ficar na história da imprensa brasileira. A partir de agora é preciso lê-lo para se saber o que se fez na imprensa no Brasil. O meu papel é pequeno diante dos jornalistas de verdade que trabalhavam na redação do DC, declarou.
 
 
Os “jornalistas de verdade” a quem Ferreira Gullar se referia são Luiz Paulistano, Pompeu de Souza, Jânio de Freitas, Prudente de Morais, neto e Danton Jobim, cujo mérito jornalístico foi reconhecido por todos os integrantes da Mesa. Eles foram citados como os principais mentores das mais importantes inovações introduzidas na imprensa brasileira. “Foi no Diário Carioca que eu conheci o lead e o sublead, como fazer notícia”, afirmou Gullar. 
 
 
Ferreira Gullar trabalhou dois anos na redação do DC, na época em que o diretor de redação era o jornalista Prudente de Morais, neto. Uma das lembranças que ele traz desse período é o ambiente, a maneira cordial e bem humorada com que o jornalismo era praticado pelo antigo diário. “Vigorava um espírito de brincadeiras que era muito legal”, disse Gullar.
 
 
Para Gullar, as duas coisas mais importantes relacionadas ao Diário Carioca foram a introdução do lead e o sublead, que no Brasil daquela época ainda não se usava. Os textos jornalísticos eram redigidos com o chamado nariz de cera:
— Essas mudanças foram trazidas dos Estados Unidos para o Brasil pelo Diário Carioca. Depois, o grupo que desenvolveu essas inovações transferiu-se para o Jornal do Brasil e a coisa se espalhou para todos os veículos de imprensa, recordou o poeta.
 
 
Outra coisa que Gullar fez questão de mencionar foi o espírito de humor que havia na redação do DC, que, segundo ele, transparecia no texto da notícia como uma maneira divertida de relatar os assuntos que, muitas vezes, eram explorados propositalmente com essa intenção. “Ao mesmo tempo, o jornal conseguia manter a objetividade da notícia”, afirmou Ferreira Gullar.
 
 
Outro mérito do Diário Carioca lembrado por Gullar foi o de ter sido o pioneiro das reformas editoriais e gráficas que marcaram uma época da imprensa nacional, como a ocorrida no Jornal do Brasil, nos anos 60:
— O livro da Cecília atribui muito bem à história do Diário Carioca essa mudança do JB, que não teria tido a renovação que teve se não tivesse importado as ideias e os profissionais do DC, como Jânio e Tinhorão, disse o poeta.
 
 
 
Diferente
 
Sem sombra de dúvida a redação do DC era diferenciada. Nela passaram Paulo Mendes Campos, Francisco Pereira da Silva, Carlos Castello Branco, Jacinto de Thormes, Sábato Magaldi, Antonio Bento, Nelson Pereira dos Santos e colaboradores como Carlos Drummond de Andrade e Thiago de Melo.
 
O jornal lançou seções importantes, e dedicava duas páginas ao cinema, que era uma das paixões do fundador José Eduardo de Macedo Soares:
— O Diário Carioca tinha uma base de grandes colunistas, entre os quais o Nelson Rodrigues, Sérgio Porto, Hélio Fernandes, que lá começou escrevendo sobre futebol. Enfim, foi um diário que, pelo pouco que eu conhecia, logo se apresentou para mim como um jornal diferente, afirmou.
 
 
Cecília disse que seu primeiro objetivo era conhecer a coleção do jornal em papel, e na Fundação Biblioteca Nacional só poderia fazer consulta nas edições micro-filmadas. Um dia recebeu a informação de que o Pompeu de Souza tinha levado a coleção original do jornal, que pertenceu à D. Lily de Carvalho Marinho, para a biblioteca do Senado:
— O Mauro Salles ficou sabendo do meu interesse em consultar essa coleção. Então decidiu entrar no projeto. Pagou a minha ida a Brasília, acompanhada da fotógrafa Lara Velho, para que pudéssemos fotografar as páginas do DC que se encontravam na biblioteca do Senado Federal. Fomos lá três vezes, eu e Lara, disse Cecília.
 
A autora tinha feito contato com Gilson Campos, que tinha sido fotógrafo do DC e mantinha, em sua casa no Rio, 300 exemplares do jornal (de 1952 a 1962), que prometera lhe emprestar, futuramente. Por isso, em Brasília, a pesquisadora deu prioridade aos jornais até a década de 1950.
 
De início, Cecília folheava os jornais e pedia que Lara fotografasse as páginas da coleção sem saber ainda muito bem o que queria. Só sabia que o DC tinha começado a circular em 1928 e fechado as portas em 1965.
 
Começaram a fazer os registros fotográficos da campanha do jornal contra Washington Luiz, toda a cobertura sobre a Revolução de 1930, da morte de João Pessoa, o Estado Novo, as edições de 1938, do pré-guerra, das edições censuradas pelo DIP, o golpe em 1945, o fim da ditadura e as matérias pressionando pela queda do Getúlio:
— Quando eu cheguei na década de 50, a Lara me disse que não poderia mais fotografar. Nesse momento tínhamos cerca de 1 mil 300 fotos do diário, que narravam toda uma  história interessantíssima, contou.
 
 
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O livro começou a ser rascunhado em 2004, quando Cecília saiu do Globo e percebeu que lhe sobrava tempo para encarar essa empreitada. Quando iniciou suas apurações, contou com a ajuda de Kleber Paulistano, que lhe passou as primeiras indicações de fontes que ela deveria entrevistar:
— A primeira pessoa que eu falei foi o Gilson Campos, um fotógrafo reconhecido, que sonhava escrever um livro sobre o Diário Carioca. Ele está, atualmente, com 81 anos e esse era o sonho da vida dele. Num apartamento na Tijuca (Zona Norte) ele mantém um arquivo pessoal com 300 exemplares do DC, dos dez anos em que lá trabalhou, além de outros jornais que já não circulam mais, como o Correio da Manhã.   
 
 
Conforme foi avançando nas pesquisas Cecília diz que percebeu que o Diário Carioca tinha sido “um jornal diferente dos demais que circulavam na mesma época”. A mesma opinião é compartilhada por Gilson Campos, para quem o Diário Carioca foi renovação do jornalismo no Brasil:
— Muito se deve a Danton Jobim e a Pompeu de Souza na renovação do jornalismo brasileiro. O Diário Carioca modificou o sentido da imprensa que era um pouco afrancesada e seguia um modelo ligado a outro tipo de publicação. Quando o DC passou a ser dirigido por Danton e Pompeu tomou outro rumo e modificou a imprensa nacional, declarou. 
 
 
Gilson Campos disse que até hoje ouve de colegas remanescentes daquele período (depois que o DC foi extinto foram trabalhar em outros jornais importantes) dizer que iniciaram suas carreiras no Jornal do Brasil, ou o Globo:
— Mas a verdade é que o Diário Carioca foi o lugar de onde saíram os melhores jornalistas de uma época. Tive a oportunidade de participar desse primeiro time. A partir do DC me destaquei profissionalmente, me tornei chefe e depois percorri vários outros jornais, a maioria inclusive já fecharam menos O Estado de S.Paulo, cuja sucursal do Rio eu chefiei.
 
 
Ele fala com muito orgulho da sua passagem pelo Diário Carioca — ele foi o autor da foto histórica do atentado a Carlos Lacerda, em 1954, na Rua Toneleros —, onde diz que aprendeu, depois de cursar Jornalismo na antiga Faculdade de Filosofia, o verdadeiro exercício da profissão:
— Comecei fazendo pautas que me obrigavam a subir morro. Eu fiz muita reportagem de polícia, e acabei subindo de posição. Sempre tive boas chances e as aproveitei, afirmou. 
 
 
Revolução
 
 
Convidado a se manifestar, o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho, não trabalhou no Diário Carioca, mas acompanhou a trajetória do jornal que segundo ele “revolucionou o jornalismo de então”:
— Um jornal de elite e de grande influência, como afirma Benicio Medeiros, que em sua redação reuniu alguns dos melhores jornalistas brasileiros, como José Eduardo de Macedo Soares, Danton Jobim, Pedro Dantas (pseudônimo de Prudente de Morais, neto), Pompeu de Souza, Luiz Paulistano, Carlos Castello Branco, José Ramos Tinhorão, Armando Nogueira, entre outros, todos eles profissionais éticos e íntegros, disse Murilo Melo Filho.
 
 
Murilo Melo Filho recordou que o DC foi primeiro jornal a adotar o manual de redação e a “enterrar o famoso nariz de cera”. Falou sobre os panfletários editoriais na primeira página assinados por José Eduardo de Macedo Soares, “vítima na época de um covarde atentado”.
 
 
Segundo Murilo Melo Filho, foi o Diário Carioca com suas inovações que adotou “as vocações e as vogais de JK” para denominar o Presidente Juscelino Kubitscheck. “Jânio Quadros virou JQ, João Goulart viu-se tratado por Jango, e o próprio Diário Carioca assinava-se apenas DC”, disse referindo-se às mudanças de tratamento de autoridades lançadas pelo jornal.
 
 
Na opinião do jornalista e acadêmico, com o Diário Carioca começou a soprar na imprensa brasileira “uma aragem de juventude e de mocidade”, com páginas mais leves e mais bonitas e de bom gosto, com o destaque do ponto de vista estético das nossas revistas e jornais:
— Ele foi o realmente o que se denominava de um grande jornal. Não pelo número de páginas, que até nem eram muitas, mas sim pela essência de ser um jornal inteligente, de bom humor, moderno, ousado, corajoso, talentoso e permanente hóspede da Oposição, afirmou Murilo.
 
 
 
Murilo Melo Filhou lembrou, também, que o Diário Carioca testemunhou vários episódios importantes da História do Brasil, entre os quais a Revolução Tenentista de 1930 e o atentado a Carlos Lacerda, em 1954, que resultou na morte do Major Rubens Vaz e acabou provocando a morte de Getulio:
— O jornal viu-se empastelado pela Revolução Constitucionalista de 1932, lutou contra o fascismo, o DIP e o Estado Novo de 1937. Atravessou os difíceis anos da Segunda Grande Guerra (1939-1945) e recusou-se a conviver com os 21 anos dos Governos dos generais (1964-1985), recordou Murilo.
 
 
História
 
 
Como já tivemos a oportunidade de citar, há vários episódios históricos em que o DC está inserido. O jornal pertencia aos Macedo Soares, uma família muito influente, dona de muita terra no interior do Rio:
— O tio do José Eduardo de Macedo Soares, Antonio Joaquim de Macedo Soares, foi amigo de Joaquim Nabuco e de José do Patrocínio. Ele era um abolicionista muito influente, que desde o tempo de estudante na faculdade de Direito, em São Paulo, tinha virado uma liderança política. Ajudou o Rui Barbosa na Constituição de 1892, afirma Cecília.
 
 
A autora lembra que José Eduardo de Macedo Soares antes de fundar o DC lançou O Imparcial (1912 a 1922), jornal que foi fechado na transição de Epitácio Pessoa para Arthur Bernardes:
— O José Eduardo participou do movimento dos 18 do Forte. Foi preso três vezes e depois ficou refugiado na Europa. O irmão dele agia em São Paulo. Os dois deixaram o Brasil. Quando eles voltaram ao País, fundaram o Diário Carioca para derrubar Washington Luiz e a política café com leite, afirma Cecília Costa.
 
 
Para Cecília, com a sua vocação política e revolucionária o Diário Carioca nasceu com o compromisso de “fazer a Revolução de 1930”. Ele era liberal, seus donos eram latifundiários, não pertenciam à base industrial. A riqueza deles vinha da terra:
— Mas o auge da intervenção dos irmãos Macedo Soares na política é quando ocorreu a morte de João Pessoa, porque por mais que tivessem ficado tristes com o assassinato do então Presidente, eles puderam fazer edições maravilhosas.
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Destaque
 
 
Como o DC conseguia se destacar no meio dos cerca de 30 jornais que circulavam no Rio de Janeiro naquele período? A esta pergunta Cecília responde sem hesitar: “É porque tinha como fundador José Eduardo de Macedo Soares”. E aproveita para apontar os momentos importantes na trajetória do DC, entre as décadas de 1930 e 1950:
— Em 1930, o jornal realmente ajuda a derrubar Washington Luiz e a colocar Getulio no poder. No ano de 1932, apoia a Constituinte, Getulio não convoca e o jornal passa a enxovalhar o presidente que manda empastelar o jornal. Em 1937, José Carlos de Macedo Soares, irmão de José Eduardo e então Ministro da Justiça de Vargas, fez a famosa “Macedada”, que tirou os comunistas da prisão. Com o Estado Novo, eles se afastam de Getulio e ficam agindo nos bastidores até 1945.
 
Neste último ano, segundo Cecília, o DC faz uma campanha que ajuda a derrubar Getulio da Presidência. Isso aconteceu no final da Segunda Guerra, com inúmeras campanhas provocadas pelo jornal contra o então Presidente da República, e um declarado apoio ao Marechal Dutra:
— Em 1950, é realizada uma reforma no DC com ideias trazidas por Pompeu de Souza, depois de uma viagem aos Estados Unidos. O jornal começa a inovar nos títulos como o famoso “Sai Dutra, entra Góis”, falando da candidatura do Dutra à Presidência, quando ele foi obrigado a se desligar do Ministério da Guerra. Nunca tinha acontecido na imprensa no Brasil nada igual a esse título. Ou seja, foi o início de uma nova linguagem no jornalismo brasileiro lançada pelo DC, disse Cecília.
 
 
Essa novidade na imprensa nasceu com Pompeu de Souza, e Luiz Paulistano, que, apoiados por Danton Jobim e Prudente de Morais, começaram a mudar o texto e o visual do jornal. Cecília conta que com o apoio financeiro de Dutra a ideia era transformar o Diário Carioca num jornal de circulação nacional. Em suas páginas, o jornal passaria a falar de assuntos para a mulher, criança, operários, funcionalismo público, intelectuais:
— Para todo tipo de leitores — diz Cecília — do Oiapoque ao Chuí. Aliás, essa expressão foi criada pelo José Eduardo de Macedo Soares na coluna dele, afirma a escritora.    
 
 
Como muito dinheiro em caixa, foi feita a mudança da sede para um prédio novo, na Avenida Presidente Vargas, nº1. 988, no Centro do Rio:
— Compraram uma máquina impressora nova que imprimia a quatro cores, e com base nesse novo equipamento lançaram um “novo jornal”, em 28 de maio de 1950, com 72 páginas, na edição dominical, conta Cecília. 
 
 
Durante a semana o jornal circulava com 12 páginas. No domingo, saía imenso, com cinco cadernos, como o caderno “Carioquinha”, a “Revista do DC”, e uma seção literária chamada “Letras & Artes”, que tinha a colaboração de Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Manoel Bandeira e Clarice Lispector:
— Foi uma atitude ousada do DC , a de se transformar num novo jornal, visando ao público brasileiro. Só que eles fizeram uma aposta política errada. Como os Macedo Soares apoiavam o Eduardo Gomes desde o 5 de Julho de 1922 e em 45 haviam se tornado ardorosos udenistas, com a volta de Getúlio ao poder, em 1951, quase que perdem tudo, afirmou.  
 
 
Os Macedo Soares foram então obrigados a passar o prédio novo e a impressora do jornal, que imprimia a quatro cores, para o Samuel Wainer, numa transação misteriosa, segundo a autora, sobre a qual, infelizmente, não existem documentos que comprovem a pressão do novo presidente para que a operação fosse feita. “Provavelmente sob a ameaça de uma encampação, como vinha ocorrendo na Argentina”, ponderou.  

Foi então que os Macedo Soares compraram a sede que ficava na esquina da Avenida Rio Branco, com a Rua São Bento, local onde passou a funcionar a nova redação, por onde passaram Ferreira Gullar, Armando Nogueira, Ana Arruda Callado e José Augusto Ribeiro.

 
 
Decadência
 
 
Ana Arruda Callado disse que chegou ao Diário Carioca, quando o jornal já estava entrando em decadência. Era uma tentativa de renová-lo com Prudente de Morais reassumindo a sua antiga função:
— Ele chamou o Zuenir Ventura para chefiar a redação e os dois mandaram me chamar. Fizeram um grande marketing comigo, anunciando “a primeira mulher chefe de reportagem do Brasil”. Eu participava de programas e até hoje eu não sei se era chamada por causa da competência ou se era para fazer essa propaganda (risos), declarou.
 
 
Ela conta que essa fama acabou lhe rendendo uma historinha engraçada:
 — Nós costumávamos almoçar em um restaurante na Rua São Bento, nº 9. Um dia eu estava lá almoçando com um grupo quando entrou o Nahum Sirotsky, que era chefe da Manchete. Quando ele me viu gritou: “Ana Arruda levanta! Levanta porque eu nunca dei um beijo em um chefe de reportagem” (risos), recordou Ana Arruda.
 
 
Ana Arruda disse que a no seu entendimento no Diário Carioca a dupla Danton Jobim e Pompeu de Souza foi importante, mas as pessoas minimizam o papel do Danton. Para ela, coube a Danton a organização dos cursos de Jornalismo, cujo primeiro programa foi feito por ele na Faculdade Nacional de Filosofia.
 
 
Ana recorda que, desde 1948, Danton já chamava a atenção em livros e conferências sobre a linguagem concisa, clara e do lead:
— É claro que o Pompeu foi quem fez o primeiro manual de redação, e além disse era muito simpático com os jornalistas. Por isso ele ficou com as glórias, porque é melhor a gente exaltar Pompeu, que era de esquerda, do que o Danton Jobim, que era empoado e se transformou em um chato reacionário (risos). Porém, é importante juntar esses dois quando se fala na reforma no jornalismo, disse Ana Arruda.
 
 
Paulistano
 
 
No final do encontro, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, parabenizou Cecília Costa por proporcionar a todos “uma tarde noite tão rica de ensinamentos, por protagonistas e momentos significativos não apenas do Diário Carioca e do Jornal do Brasil, mas da imprensa brasileira em geral”.
 
Maurício revelou que ficou muito confortado em ouvir as referências a Luiz Paulistano, personagem que “acompanhando os méritos de Danton Jobim e de Pompeu de Souza, foi o grande articulador da forma de escrever na imprensa brasileira”.
 
 
O Presidente da ABI disse que não trabalhou com Paulistano no Diário Carioca, o encontro profissional dos dois aconteceu no Jornal do Commercio, onde Maurício foi contratado para exercer a função de noticiarista da editoria Internacional.
 
 
Surgiu uma vaga na Reportagem e Maurício então foi transferido para esse setor. Na nova função, sua primeira reportagem foi cobrir o primeiro sorteio do concurso “Seus Talões Valem Milhões”, em 31 de dezembro de 1958. Ele recorda que o primeiro prêmio teve dois felizardos: uma funcionária da Confeitaria Colombo e um juiz de direito, que morava na Ilha do Governador.
 
 
Quando retornou à redação, Maurício Azêdo disse que redigiu o texto da matéria no estilo antigo, que foi depurado por Paulistano na mesma tarde. Apelando para a sua fantástica memória, ele lembrou que o lead era o seguinte: “A Secretaria de Fazenda do Estado da Guanabara realizou hoje o primeiro sorteio do concurso Seus Talões Valem Milhões, que foram conquistados pela comerciária Lea Fonseca e pelo Juiz Pedro Paulo de tal…”
 
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Segundo Maurício, quando Paulistano olhou a matéria, sentou-se à frente da máquina de escrever e criou o texto seguinte: “A comerciária Lea Fonseca, caixa da Confeitaria Colombo, da Rua do Ouvidor, foi uma das duas ganhadoras do primeiro prêmio do concurso Seus Talões Valem Milhões realizado ontem”. Em seguida, o texto fazia menção ao juiz de direito, contou Maurício:
— Essa foi a lição mais rica e forte que eu recebi do Diário Carioca e do Paulistano, que era realmente um mestre extraordinário. Eu acho que todos nós jornalistas das gerações da época, e posteriores, devemos um agradecimento muito grande ao Paulistano, porque ele humanizou o noticiário jornalístico e nos deu a possibilidade de encontrar no fato corriqueiro da cobertura cotidiana uma riqueza que a princípio a gente não consegue identificar.
 
 
Maurício Azêdo disse que compara esse traço da personalidade de Paulistano com o do diretor de cinema italiano Luchino Visconti, que numa entrevista disse que em seu filme “Os deuses malditos” colocou todos os personagens do nazismo como figuras ruins, porque o nazismo foi essencialmente um grande mal para a humanidade:
— Num determinado ponto ele dizia: “Nos meus filmes eu evito não deixar de colocar sempre a criatura humana num plano que possa ser distinguida pelo espectador”. E o Paulistano, muito antes do Visconti, que era um gênio do cinema, teve a primazia nessa percepção da importância do humano no jornalismo, afirmou Maurício Azêdo que foi muito aplaudido pela platéia.   
 
  
 
Sobre a autora
 
 
“Diário Carioca — O jornal que mudou a imprensa brasileira” (Coleção Cadernos da FBN, 2012) é o quinto livro de Cecília Costa Junqueira, jornalista e escritora, ex-editora do caderno “Prosa & Verso” do Globo, casada com o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ivan Junqueira.
 
 
O primeiro foi “Odylo, um homem com uma casa no coração” (Relume Dumará, 1999). Depois lançou os romances “Damas de copas” e “Julia e o mago”, ambos pela Record, em 2003 e 2009, respectivamente. Escreveu também “José do Patrocínio” (Coleção Série Essencial, FBN, 2010).