Vejam que não há uma comparação histórica e conjuntural – nos anos de crise, o número de inscritos cai! Isso é básico, porque, se falta dinheiro, o jovem precisa trabalhar para ajudar em casa. Simples assim.  Em 2014, por exemplo, primeiro mandato de Dilma Rousseff, com um desemprego na casa de 4,8%, muito baixo, os jovens não precisavam parar de estudar para terem subemprego (porque o jovem sem qualificação tem subemprego, esse eufemismo de estágio é para fingir que a coisa é positiva), eles podiam estudar, sonhar com a faculdade, e as inscrições bateram recorde.

O número de inscritos, diz a reportagem, pode ser ainda menor, pois a inscrição só é confirmada quando o candidato paga a taxa de 85 reais. Aí entram também as explicações dos “especialistas”, e a presidente do CNE diz que os jovens se sentem “despreparados”.

Logo em seguida, uma reportagem tenta mostrar o lado mágico e bom do “estágio”. Isso mesmo. Entre constrangida e meio incrédula, Renata Vasconcelos anuncia que a economia brasileira – que já foi a sexta economia do mundo – “voltou a criar  oportunidades de estágio”. E aí a reportagem mostra que a pandemia também criou demandas para “impulsionar a retomada”. Os dados são do Centro de Integração Empresa Escola, CIEE, única fonte ouvida.

Com o desemprego batendo em mais de 14%, faz algum sentido matéria de quase três minutos para falar da geração de 20 mil vagas de ESTÁGIO? A reportagem ainda ovaciona o fato de haver mais oportunidades para áreas que não tinham tantas vagas assim antes da crise sanitária. E a fonte para falar que tudo está bem e que o cenário é lindo é do CIEE. A especialista destaca uma coisa em sua fala que é a cereja o bolo: “Desde a pequena até a grande empresa precisou se adaptar de alguma forma, todas elas, e o estudante, ele passa a ser sim uma saída muito mais prática para as organizações, de todo tipo de porte dessas organizações”.  Ou seja, creio que o nome disso é “subemprego” – as empresas estão tirando funcionários mais caros e colocando estagiários, simples assim. Lembrando que os estagiários não têm garantias trabalhistas e benefícios. Enfim, tudo empacotado para parecer legal, quando é uma tragédia, pois a reportagem também informa que, no ano passado, 70% desses jovens usaram a “bolsa-auxílio” para ajudar a pagar as contas básicas de casa – luz, supermercado, aluguel.

E vemos então o depoimento de Mariel, estudante de Relações Públicas, que com a bolsa do estágio consegue pagar a faculdade. Ela entrega o vale-alimentação (o mesmo que o Congresso quer acabar) para a mãe fazer compra de supermercado. O depoimento dela mostra que a realidade da economia péssima chegou à classe média com força.

Discurso não se faz sem os vínculos históricos. É essencial entender os movimentos da história para entendermos os movimentos de agora, para entendermos o buraco em que o país foi mergulhado. Números puros não dizem nada – eles precisam estar ligados, conectados, precisam ser interpretados. Essas duas reportagens se conectam não por que mostram oportunidades ou superação ou nova realidade – mas porque revelam uma realidade de muita precariedade.

Observando e fazendo as conexões todas, vemos também como a imprensa embrulha peixe podre em saco dourado para nos vender.