ABI pede apuração do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira


06/06/2022


A Associação Brasileira de Imprensa manifestou sua preocupação com o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips, do The Guardian, e do indigenista Bruno Pereira. Nota da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da ABI diz que o indigenista vinha recebendo ameaças, que foram oficializadas junto ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, pelo trabalho desenvolvido contra os invasores junto aos indígenas e que o MP, a PF e o Exército foram acionados para realizar buscas na região. “É necessário que o jornalista e o indigenista sejam encontrados o mais rápido possível e se apure com urgência o ocorrido”, conclui a nota.

A Coordenação da Organização Indígena UNIVAJA, em nome dos povos Marubo, Mayoruna (Matsés), Matis, Kanamary, Kulina-Pano, Korubo e Tsohom-Djapá e o Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato informou que o indigenista e o jornalista encontram-se desaparecidos, há mais de 24 horas, no trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael até a cidade de Atalaia do Norte, pontos de ida e ponto de retorno respectivamente, no estado do Amazonas.

Os dois se deslocaram com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima a localidade chamada Lago do Jaburu (próxima da Base de Vigilância da FUNAI no rio Ituí), para que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas. Os dois chegaram no local de destino (Lago do Jaburu) no dia 03 de junho de 2022 às 19:25h. No dia 05/06 os dois retornaram logo cedo para a cidade de Atalaia do Norte, porém, antes pararam na comunidade São Rafael, visita previamente agendada, para que o indigenista Bruno Pereira fizesse uma reunião com o líder comunitário apelidado de “Churrasco”, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território bastante afetada pelas intensas invasões.

Pelo que consta nas informações trocadas, via Dispositivo de Comunicação Satelital SPOT, eles chegaram na comunidade São Rafael por volta das 06:00h, onde conversaram com a esposa do “Churrasco”, visto que este não estava na comunidade e depois partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas. Assim, deveriam ter chegado por volta de 08h/09h da manhã na cidade, o que não ocorreu.

Às 14h, saiu de Atalaia do Norte uma primeira equipe de busca da UNIVAJA, formada por indígenas extremamente conhecedores da região. A equipe cobriu o mesmo trecho que Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips supostamente teriam percorrido, percorrendo, inclusive, os “furos” do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. A última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel – que fica abaixo da São Rafael – com relatos de que avistaram o barco passando em direção a Atalaia do Norte.

Às 16h, outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado.

Bruno Pereira é pessoa experiente e profundo conhecedor da região, pois foi Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos. Os dois desaparecidos viajavam com uma embarcação nova, 40 HP, 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem e 07 tambores vazios de combustível.

Na semana do desaparecimento, conforme relatos dos colaboradores da UNIVAJA, a equipe recebeu ameaças em campo. A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da UNIVAJA, além de outros relatos já oficializados para a Policia Federal, ao Ministério Público Federal em Tabatinga, ao Conselho Naional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International.

Vale do Javari: a sensível Tríplice Fronteira desconhecida
Carlos Tautz*

Desconhecido da maioria dos brasileiros, o Vale do Javari se transformou, nos últimos anos, na região de maior sensibilidade política internacional na porção brasileira da bacia amazônica. O desaparecimento do brasileiro Bruno Pereira e do inglês Dom Phillips, pela atenção que já despertou, pode ajudar a jogar luzes sobre o problema para o qual as autoridades brasileiras, e em especial as Forças Armadas, fecham irresponsavelmente os olhos.

No Vale do Javari há a maior concentração mundial de indígenas em auto-isolamento. Mas, apesar dessa situação, que já requereria uma complexa intervenção do Estado brasileiro para garantir a segurança do território e de seus habitantes, traficantes do Brasil, do Peru e da Colômbia operam naquela região sem qualquer restrição e vivem a assassinar indígenas que “ousam” defender seus territórios. Como têm acesso livre, outros grupos armados da Colômbia e do Peru transitam livremente no Vale e os funcionários da Funai que ali trabalham recorrentemente são obrigados a abandonar seus postos, por insegurança.

Foi exatamente no Vale do Javari – onde se tocam as fronteiras do Brasil, da Colômbia e do Peru, em 2017, durante o governo de Michel Temer, que o Exército Brasileiro realizou operações conjuntas com os Exércitos do Peru e da Colômbia, além das tropas do Comando Sul do Exército dos EUA, na chamada Operação Amazonlog. O “motivo” do exercício: treinamento “para desafios e deslocamentos de assistência humanitária e para responder a desastres naturais em todo o continente”. Esse treinamento representou a primeira vez na história que o Exército dos EUA esteve legalmente em um operação na Amazônia brasileira.

É necessário o Brasil ter governos comprometidos com a segurança nacional brasileira, e o Vale do Javari requer ocupação estatal, para evitar que se repita ali a estigmatização esperta que os EUA tentam fazer, por exemplo, na Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina como terra de ninguém, onde operariam livremente grupos terroristas.

Para além da necessidade de encontrar o jornalista e o indigenista o quanto antes, também é necessária atenção para essa dimensão estratégica do problema.

*Jornalista, doutorando em História Conetmporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Comissão de Meio Ambiente da ABI