De olho no cotidiano, à espera do inusitado


11/06/2008


José Reinaldo Marques 
13/06/2008

Mesmo aposentado desde 1994, em função de um grave acidente que o tirou do dia-a-dia das ruas por cerca de dois anos, Gilson Barreto não aposentou sua câmera e continua trabalhando como freelancer para diversas publicações. Também não perdeu o olho clínico que o projetou na reportagem fotográfica há quase 40 anos. Com a placidez que sempre o caracterizou, continua sabendo esperar o momento certo para realizar o melhor clique. E eles não têm sido poucos.

Além dos trabalhos cotidianos, Gilson também recebe convites para participar de exposições. Em abril, por exemplo, foi o convidado especial da Arfoc-Rio na edição mensal da Feira Cultural da Fotografia, que acontece todo último domingo do mês, no Museu da República, com seu ensaio sobre o Bloco da Lama, uma tradição do carnaval de Paraty, cidade fluminense que ele freqüenta há mais de 20 anos:
— Há seis eu documento o bloco. De todos os festejos carnavalescos que conheci, este é o mais inusitado e original, tem sempre algo novo para mostrar.

Gilson conta que desde pequeno sempre foi interessado por imagem e que o gosto pela fotografia nasceu da paixão pelo cinema, que freqüentava muito. Quando completou 17 anos, um amigo, que era diretor de arte, lhe deu de presente uma Olympus:
— Tinha um outro amigo que, nessa época, trabalhava em jornal. Comecei a fotografar, mas, no fundo, achava que ia enveredar pelos caminhos da arte cinematográfica, que até hoje me fascina. Acabou que o jornalismo me absorveu completamente e jamais pensei em deixá-lo.

Autodidata

Em 1970, Gilson começou a trabalhar como repórter-fotográfico na sucursal do Dia em Niterói. Logo depois, passou a acumular o serviço com O Fluminense:
— Meu ingresso na reportagem fotográfica aconteceu de uma maneira muito rápida, apesar de eu ter pouca experiência na época. Fui aprendendo e me formando na profissão como autodidata. O mesmo companheiro que me presenteou com a câmera me deu três livros de fotografia. E, dentro do jornal, fui adquirindo o conhecimento prático.

Mais tarde vieram a Última Hora, a Tribuna da Imprensa, o Jornal do Brasil (1982 a 1989) e a Abril:
— Na editora, as pautas eram muito variadas, eu fazia fotos para várias revistas e estranhei um pouco no início. Estava acostumado com o ritmo de dois jornais, mas um era sucursal. Fiz foto até de moda, coisa que até então nunca tinha feito. Foi uma experiência muito boa, porque aprendi muita coisa, ganhei mais mobilidade. Mas ainda sinto que meu trabalho tem mais o estilo de jornal do que de revista.

Uma questão extremamente preocupante para o fotojornalismo, diz Gilson, é a violência, embora tenha iniciado a carreira nos anos 70, marcados pela repressão do regime militar:
— O crime sempre existiu, mas havia mais respeito pela imprensa e pelo nosso trabalho. A gente subia o morro para fazer uma matéria policial e o máximo que acontecia era o bandido perguntar aonde a gente ia e, quando havia problemas, nos mandar descer. Ninguém nos encostava um dedo sequer. Hoje a violência está muito forte, de todos os lados, a ponto de às vezes os jornalistas levarem pau da polícia e dos bandidos. Não há mais respeito por ninguém. É só ver o absurdo que aconteceu com o Tim Lopes e, mais recentemente, com a equipe do Dia.

A grande matéria

Gilson Barreto diz que não tem predileção por um tema específico, embora goste “do clima da rua”. Quanto à grande matéria de sua vida, relembra a seqüência da queda de um prédio em Niterói, nos anos 80:
— O nome do edifício era O Melhor de Icaraí. E ele foi interditado, porque ia cair. A imprensa estava toda no local desde a manhã daquele dia. Tinha jornais com duas equipes de plantão. Eu cheguei às 15h45 … Às 16h15, só eu fiz a seqüência do imóvel desabando. Aquela foto era mesmo para ser minha. Outra cobertura que me marcou muito foi a da campanha Diretas Já!.

O principal no fotojornalismo, o grande estímulo da profissão, segundo Gilson, é trabalhar com o inesperado:
— Uma coisa fantástica em jornal é que, quando eu saía de casa para trabalhar, a única coisa certa era que eu ia fotografar, mas não sabia o quê. O novo, a surpresa, tudo isso é estimulante nesse trabalho, porque a fotografia é o momento. 


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