Dandalunda, maimbanda, coquê


15/12/2022


Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI

Fotos: Ricardo Stuckert

A cantora baiana Margareth Menezes aceitou ser ministra da Cultura do governo que toma posse no dia 1º de janeiro de 2023. O ministério não existe. Foi extinto, transformado em secretaria para fins de destruir a Cultura plural e polifônica que é a sociedade brasileira, mesmo atropelada pela República militarizada do Templo de Salomão instaurada no país em 2018 na esteira do golpe de 2016.

Confirmada, o primeiro ato de Margareth será fazer Cultura, ato literal porque terá que fazer ressurgir da ausência institucional o órgão que tem a função de ouvir, dialogar e ser parceiro do mundo da arte em todas as suas dimensões. “Cultura é a capacidade de fazer surgir o que está ausente”, definiu com precisão e sensibilidade política a emérita professora de muitas gerações que com ela aprenderam a pensar.

Em 2003, Lula assumia o primeiro mandato presidencial e Margareth cantava Dandalunda no carnaval que rolava lindo, leve e solto pelas ladeiras, avenidas e corredores da Bahia. Por Bahia, entenda-se Salvador, porque baiano chama Bahia de Salvador. Nenhum bairrismo, só modo de sintetizar o Estado e encurtar distancias. Mas, voltando. Assim como o Brasil se movia quando “tocava” Lula, ninguém ficava parado quando Dandalunda ribombava pela cidade na voz vocativa de Margareth Menezes:

“Bem pertinho da entrada do gueto
Um terreiro de Angola e Ketu
Mãe maiamba que comanda o centro
Dona Oxúm dançando Oxóssi no tempo…”

Dandalunda, autoria de Carlinhos Brown, foi eleita pelo povo e especialistas o hino do carnaval baiano daquele ano. Reconhecimento do repertório de personalidade própria que vinha de longe, muito antes desse sucesso que está fazendo vinte anos. Em 1987, um som provocou a audiência para mais e para menos. Era ‘Faraó (Divindade do Egito)”, música de Luciano Gomes que lançou como cantora a então atriz de teatro infantil da periferia de Salvador. O primeiro samba-reagge gravado no Brasil vendeu mais de 100 mil cópias e causou encanto espantado em intelectuais acostumados a filosofar em muitos idiomas e não estranhar o que vem dos seres humanos. Jornalista de nome, editorialista político de página de então leitura obrigatória, foi possuído por Akhenaton, o faraó egípcio que compõe a letra lisérgica que mistura Olodum com Osiris, Isis, todo o panteão politeísta que o pai de Tutankhamon acabou com a festa para instituir o monoteísmo do Deus Sol. Entendeu? O objetivo do autor era chamar atenção para a cultura egípcia no Brasil. Margareth cantou. Naquele dia, assim como aconteceu uma única vez com Kant, o jornalista se atrasou nos compromissos regulares. Ouviu cinco vezes o disco e declarou: ‘sensacional”. Aí vai um trechinho de Faraó:

Pelourinho
Uma pequena comunidade
Que porém Olodum uniu
Em laço de confraternidade

Despertai-vos
Para a cultura egípcia no Brasil
Ao invés de cabelos trançados
Veremos turbantes de Tutankhamon

E as cabeças
Se enchem de liberdade
O povo negro pede igualdade
Deixando de lado as separações

Cadê Tutankhamon?
Ê Gizé, Akhaenaton
Ê Gizé, Tutankhamon
Ê Gizé, Akhaenaton

E eu falei faraó
Ê, faraó
Ê, faraó
Ê, faraó
Ê, faraó

Que mara mara maravilha, ê
Egito, Egito, ê

Margareth se forjou em becos e comunidades e ganhou o mundo. Os questionamentos em torno de sua indicação para o ministério da Cultura se devem ao desconhecimento de suas credenciais para gerenciar responsabilidade de tal monta, que envolve a construção do imaterial simbólico e do material que contribui com até 2.6% do PIB e representa 1,8% de postos de trabalho promovidos pela economia criativa.

Nesse contexto chega Margareth Menezes, embalada pela premonitória letra de Dandalunga: “Em janeiro, no dia primeiro, desce o dono do terreiro. Coquê”. Que venha e sente praça acompanhada de axés e benções neste terreirão de todos os santos chamado Brasil.