Crônicas do centenário e genial Oscar Niemeyer


28/10/2008


 Maurício Azêdo e Oscar Niemeyer

A Galeria Anna Maria Niemeyer abriu as portas na noite da última quarta-feira, 22, para o lançamento de “Crônicas de Oscar Niemeyer”, primeiro livro do gênero na carreira do arquiteto centenário. A obra traz uma seleção de textos que refletem a opinião do autor a respeito da política, do Rio antigo, de suas experiências de vida e outros temas. Darcy Ribeiro, João Saldanha, Brizola e André Malraux são alguns dos amigos lembrados:
— Em sua maioria, as crônicas deste livro foram publicadas na Folha de S.Paulo, no Jornal do Brasil, no Correio Braziliense e outros órgãos de imprensa, durante as últimas décadas. Fiz agora algumas alterações em parte delas. Outras foram escritas agora, em agosto de 2008, especialmente para esta publicação — diz Niemeyer.

O concorrido lançamento reuniu admiradores e amigos do arquiteto, como o jornalista Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Renato Guimarães, Diretor da Editora Revan, e Sérgio Caldieri, sócios da entidade; o advogado Humberto Jansen, a bailarina e coreógrafa Dalal Achcar, o colecionador Gilberto Chateaubriand, os arquitetos Maristela Kubitschek Lopes e Paulo Casé e os atores Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho.

Homenagens

Perto de completar 101 anos, Niemeyer orgulha-se de manter a rotina de trabalho diário e a luta por velhos sonhos, como o de ver construído o estádio de futebol que homenageia o jornalista e comentarista esportivo João Saldanha, que foi sócio da ABI e membro do Conselho Deliberativo da Casa. A ele é dedicada uma crônica, que diz:
“(…) Deste querido amigo guardamos uma terna lembrança — alegre e leal como sempre foi. Recordo a sua posição corajosa e radical diante dos problemas políticos que ocorriam. Um exemplo que nos ficou e que procuramos difundir, tão importante ele se faz nestes momentos de incertezas e angústias em que vive o povo brasileiro. (…)”

A figura do antropólogo, educador, ensaísta e acadêmico Darcy Ribeiro, a quem Niemeyer se refere como amigo e irmão, é exaltada no livro como símbolo de sonhos e determinação.
“(…) Comparei o homem a uma casa. (…) No caso de Darcy Ribeiro, vejo-a como um palácio, imenso, com torres e mirantes e cúpulas a subirem para o céu. Palácio de vidro transparente como o nosso amigo. Sem janelas, porque as coisas do mundo nele penetram sem obstáculos. Sem portas, porque nele todos entram e saem à vontade, pois Darcy não tem medo e é assim, generosa e solidária, sua filosofia de vida. (…)”

Com admiração e saudade, o mestre da arquitetura moderna escreve sobre a trajetória do ex-Ministro da Cultura José Aparecido de Oliveira, que presidiu a Fundação Oscar Niemeyer e foi sócio e membro do Conselho Consultivo da ABI.
“(…) E lembrava Aparecido a declarar, quando tomou posse no Governo de Brasília: ‘Vou governar com os olhos do Oscar’. (…) Deste contato fraternal senti melhor como era o meu amigo, a sua posição de homem generoso que o levou a construir, nas cidades satélites, um dos primeiros prédio modernos ali realizados, a Casa do Cantador, que a seu pedido projetei, e, mais tarde, na Praça dos Três Poderes, o Panteão. (…) Nos últimos anos nossos contatos pessoais se fizeram mais à distância, embora nas ocasiões em que vinha ao Rio ter com seus amigos Ziraldo, Millôr, Geraldo Carneiro, Chico e Paulo Caruso encontrasse tempo para me ver. E nos abraçávamos, ríamos, falávamos de Brasília, como se a vida não fosse nada mais que esses momentos em que uma amizade mais forte se impõe. (…)”

Política

Niemeyer admite que com o passar dos anos tem seguido a tendência de aceitar melhor os fatos, excetuando-se aí o campo da política:
“(…) Sinto-me cada vez mais radical, preso às velhas convicções, aos antigos camaradas, aos que lutam pelas ruas e praças deste País contra a injustiça social, a miséria, o desemprego, a violência, as ameaças a nossa soberania. (…)”

Revela também detalhes de seus contatos com a arte ainda na infância, quando costumava desenhar no ar, sob o olhar intrigado da mãe; recorda com gosto a vida tranqüila em família, os bairros arborizados e a atmosfera acolhedora do Rio de Janeiro de outrora; e explica como descobriu a literatura, os autores favoritos, e o apreço pela música de Chico Buarque e a poesia de Ferreira Gullar.

Mais adiante, sublinha sua preferência pela linguagem simples do cotidiano e seu sentimento de revolta contra o racismo e a pobreza; exulta a filosofia marxista, que propunha “uma vida mais justa, de mãos dadas com a dignidade e a solidariedade humana”; e dedica um capítulo especial às reflexões intimistas e à analise de sua longa e genial trajetória:
“(…) Comecei a falar comigo mesmo, ou melhor, com este ser oculto que dentro de nós vive a nos criticar ou louvar pela vida afora. (…) Gosto da companhia deste velho amigo, de com ele rir ou chorar pela vida afora, neste mundo cheio de surpresas, de miséria, violência, difícil de modificar. De atender aos que aparecem, sem neles procurar defeito, certo de que em todos existe um lado bom. (…)”