Correa perdoa jornalistas do El Universo


27/02/2012


O Presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou nesta segunda-feira, 27, no Palácio Carondelet, sede do Governo, o perdão a Carlos, César e Nicolas Pérez, donos do jornal El Universo, o maior do país, e ao ex-editor de Opinião do diário, Emilio Palacio, condenados a três anos de prisão e a uma multa de US$ 40 milhões pelos crimes de injúria e difamação em processo movido pelo Presidente Rafael Correa contra o diário. A Corte Nacional de Justiça do Equador havia ratificado a sentença no último dia 16, após quase um ano de batalha judicial. O perdão da condenação é um direito do autor da denúncia previsto no código penal equatoriano.

Em seu discurso Rafael Correa disse que o mundo precisava conhecer a “campanha difamatória que enfrentava na imprensa de seu país”.
—Não podia tolerar tanta infâmia contra mim e minha família. Dei a oportunidade ao jornal de se retratar, o que não foi feito. Embora eu saiba que muitos querem que não seja feita nenhuma concessão aos que não merecem, e embora eu tenha tomado a decisão de iniciar este julgamento, decidi ratificar o que há tempos estava decidido em meu coração e perdoar os acusados, permitindo a remissão da condenação que eles merecidamente receberam. Há perdão, mas não esqueço. Temos que lutar para que a liberdade de expressão seja de todos.
 
Rafael Correa afirmou que também que pretende desistir do processo contra Juan Carlos Calderón e Christian Zurita, autores do livro “Grande Irmão” que aponta atos de corrupção de Fabricio Correa, irmão do presidente equatoriano.
 
Correa disse que apesar das críticas de organizações internacionais de direitos humanos e da mídia estrangeira contra a condenação dos jornalistas, seu governo continua em alta e que a única ditadura que existe no país é “a dos meios de comunicação.
—Os três objetivos básicos que procurávamos foram cumpridos, e nenhum deles era mandar pessoas para prisão nem tirar um centavo de ninguém. Em primeiro lugar, queríamos provar que o El Universo mentiu e não corrigiu sua mentira; em segundo lugar, o objetivo era evidenciar que os diretores e o próprio diário se prestam a qualquer coisa, e em terceiro lugar, conseguir que os cidadãos do Equador e de toda América superem o medo da imprensa corrupta e abusiva.
 /DIV>

Correa lamentou que veículos vinculados ao Grupo Diários América (GDA) tenham republicado o artigo assinado por Emilio Palacio, que motivou o processo judicial:
— Os cidadãos honestos da América puderam ver a razão que nos assiste. Isso mostra a forma de atuar de grande parte da imprensa latino-americana. Isso não ocorrerá mais no Equador e nem em nossa América.
 
Revolta policial
 
O Presidente Rafael Correa entrou na Justiça em março de 2011,  após a publicação de um artigo de Emilio Palácio no El Universo, no qual o jornalista criticava as ações do Governo durante a revolta policial de 30 de setembro de 2010. Palacio, que buscou exílio político nos EUA, chamou Correa de ditador e o acusou de ter ordenado o ataque a tiros a um hospital repleto de civis, fato que provocou uma crise política no Equador.
 
Na primeira audiência do processo, os diretores do jornal ofereceram a Rafael Correa a possibilidade de publicar um texto que ele considerasse pertinente, a título de retificação. O presidente rejeitou a oferta, considerando-a tardia, apesar de no passado ter dito que retiraria a queixa se o diário corrigisse a matéria que motivou o processo.
 
Em 20 de julho de 2011, os donos do El Universo, e o jornalista Emilio Palacio foram condenados a três anos de prisão e ao pagamento de uma multa no valor de US$ 40 milhões pelo crime de injúria. Ambas as partes recorreram da decisão e uma nova audiência foi marcada. Os donos do El Universo alegaram que o pagamento do montante requisitado incorreria na falência do jornal. 
Em 29 de agosto de 2011, Rafael Correa negou o pedido dos funcionários do El Universo para retirar o processo judicial. Em carta publicada no portal oficial El Ciudadano, Correa culpou os diretores do diário pela decisão e exigiu retratação pela matéria.

No dia 16 de fevereiro último, a Corte Nacional de Justiça do Equador ratificou a sentença. Em seu editorial publicado no dia 17,  o jornal El Universo, fundado há 90 anos, escreveu: “O julgamento supera amplamente os múltiplos ataques que o jornal suportou de ditaduras militares e civis, autocratas e poderosos grupos econômicos inconformados com sua posição pluralista, livre e democrática. A sentença é um golpe contra a liberdade de expressão, que provém de um sistema judiciário que o próprio presidente chama de “corrupto”. El Universo reafirma sua decisão de continuar informando sob os princípios de seu fundador Ismael Pérez.”

 
Diversas entidades jornalísticas e de defesa dos direitos humanos, entre as quais a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), a ONG Repórteres Sem Fronteiras(RSF) e o Comitê de Proteção para Jornalistas (CPJ) divulgaram notas de repúdio à condenação.
 
 
Veja a íntegra do artigo de Emilio Palacio:
 /DIV>

“Esta semana, pela segunda vez, a Ditadura informou através de um de seus porta-vozes que o Ditador está considerando a possibilidade de perdoar os criminosos que promoveram um levante em 30 de setembro de 2010, e por isso estuda um indulto.
 
Não sei se a proposta me incluía (segundo os meios ditatoriais, fui um dos instigadores do golpe); mas se for assim, eu a rechaço.
 
Compreendo que o Ditador (cristão devoto, homem de paz) não perca oportunidade de perdoar os criminosos. Ele deu indulto a pessoas que transportavam drogas, compadeceu-se dos assassinos presos na Penitenciária do Litoral, pediu aos cidadãos que se deixem roubar para que não haja vítimas, até que o traíram. Mas o Equador é um Estado laico onde não se permite usar a fé como fundamento jurídico para eximir os criminosos de pagarem suas dívidas. Se cometi algum delito, exijo que me provem; caso contrário, não espero nenhum perdão judicial sem as devidas desculpas.
 
O que ocorre na realidade é que o Ditador, por fim, compreendeu (ou seus advogados fizeram compreender) que não tem como provar o suposto crime de 30 de setembro, já que tudo foi produto de um roteiro improvisado, em meio ao corre-corre, para ocultar a irresponsabilidade do Ditador ao entrar num quartel sublevado, abrir a camisa e gritar que o matem, como um lutador de luta livre que se esforça em seu show num vilarejo esquecido.
 
A esta altura, todas as “provas” para acusar os “golpistas” ficaram desconexas:
O Ditador reconhece que a péssima ideia de ir ao Regimento de Quito e entrar à força foi sua. Mas então ninguém pôde se preparar para assassiná-lo, já que ninguém o esperava.
 
O Ditador jura que o ex-diretor do Hospital da Polícia fechou as portas para impedir sua entrada. Mas então ali também não houve nenhum complô porque nem sequer queriam ver a cara dele.
 
As balas que mataram os policiais desapareceram, mas não no escritório de Fidel Araujo (ex-militar do Exército do Equador, acusado de ser o principal organizador do levante, mas inocentado no ano passado por um tribunal do país), e sim num recinto resguardado pelas forças leais à Ditadura.
 
Para mostrar que em 30 de setembro não usava colete blindado, Araujo vestiu diante dos juízes a mesma camiseta que usava no dia do levante. Seus acusadores tiveram que admitir diante da demonstração palpável que um colete blindado simplesmente não poderia ter sido escondido sob aquele traje.
 
Eu poderia continuar, mas o espaço não me permite. No entanto, já que o Ditador entendeu que deve voltar atrás em sua história, eu ofereço uma saída: não é o indulto que deve ser concedido, mas a anistia na Assembleia Nacional.
 
A anistia não é perdão, é o esquecimento jurídico. Isso implicaria, se ele resolver aplicá-la, que a sociedade chegou à conclusão de que em 30 de setembro de 2010 foram cometidas besteiras demais, de todos os lados, e seria injusto condenar uns e premiar outros.
 
O Ditador deve lembrar, por último, e isso é muito importante, que com o indulto, no futuro, um novo presidente, quem sabe um inimigo seu, poderia levá-lo diante de uma corte penal por ter ordenado que se abrisse fogo sem aviso prévio contra um hospital cheio de civis e de gente inocente.
 
Os crimes de lesa-humanidade, que ele não se esqueça, não prescrevem.”

*Com O Globo e RSF, France-Presse, EFE, Veja.