Corpo de Ivan Lessa será cremado em Londres


11/06/2012


O jornalista e escritor Ivan Lessa morreu na sexta-feira, dia 8, aos 77 anos, em sua casa em Londres. O corpo foi encontrado por sua mulher, Elizabeth Fiuza, no escritório da residência, e deverá ser cremado nesta segunda-feira, 11, em Londres, onde ele residia em desde 1978.
 
Ele e Elizabeth Fiuza ficaram juntos por 39 anos e tiveram uma filha, Juliana, hoje com 36 anos. Segundo Elizabeth, Lessa sofria de enfisema pulmonar, tinha problemas respiratórios graves.
 
Ivan Pinheiro Themudo Lessa nasceu em 9 de maio de 1935, em São Paulo, mas foi criado no Rio. Ele era filho do escritor Orígenes Lessa e da escritora e cronista Elsie Lessa, que escrevia no jornal O Globo.
 
Ivan Lessa trabalhou para os jornais Folha de S. Paulo, Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, para as revistas Senhor, Veja e Playboy. Foi um dos fundadores, em 1969, do jornal O Pasquim, no qual criou, em parceria com o cartunista Jaguar, o ratinho Sig, símbolo da publicação, inspirado em Sigmund Freud.
 
Também atuou como publicitário e tradutor e publicou os livros “Garotos da Fuzarca” (1986), “Ivan vê o mundo” (1999) e “O luar e a rainha” (2005). Participou da obra “Eles foram para Petrópolis”(2009), uma compilação da sua troca de correspondência com o jornalista Mario Sérgio Conti.
 
Em nota, a Presidente Dilma Roussef disse que “Lessa foi um escritor irônico, mordaz, provocador, iconoclasta e surpreendentemente lírico, acima de tudo brilhante no trato com as palavras”.
 
 
Leia abaixo a última coluna escrita pelo jornalista:
 
“BBC Brasil
08 de junho de 2012
Ivan Lessa: Orlando Porto
 
Orlando Porto. Taí um nome como outro qualquer. Podia ser corretor de imóveis, deputado, ministro, farmacêutico. Mas não é. Trata-se de um anagrama de um escritor francês – e ator e ilustrador bom e autor e figurinha difícil francesa e aquilo que se poderia chamar de “frasista”.
 
Feio como um demônio, no meio da década de 50 cansei de dar com ele dando comigo lá pelo Boulevard St. Germain, cheretando o Flore, o Lipp, fazia uma cara que quem ia dizer algo importante e logo sumia na companhia do Jean-Pierre Léaud, aquele maluquinho dos filmes autobiográficos do Truffaut.
Dupla estranha. Os desenhos do -esse seu nome, artístico ou de batismo, Roland Topor- eram bacaninhas. Mas sempre foi Orlando Porto para mim.
 
Fez cinema também. O Inquilino do Polanski, o Reinfeld de Nosferatu, do Werner Herzog. Até que bateu o que ocultava seus pés: umas botas estranhas como ele.
 
De vez em quando, numa revista esotérica, dou com ele. Ei-lo numa em inglês com “100 boas frases para eu matar agorinha mesmo”. Se chegou ao fim, e chegou, foi pelo cachê. Meros galicismos literários.
E aí trago à cena, mais uma vez, porque cismei, mestre Millôr Fernandes. Esse era profissional. Nada a ver com “frasista”.
 
Trabalhava com a enxada dura da língua. Nunca para dar a cara no Flore, principalmente com Topor e Léaud.
 
Reli umas 100 frases do Orlando, ou Topor, e não resisti à tentação de, em algumas delas dar-lhes uma ginga por cima e outra por baixo, à maneira do frescobol querido do mestre, só para exercitar os músculos muito fora de forma.
 
Cem razões: Faço por bem menos, mas mais Copacabana e Leblon. Algumas raquetadas minhas em homenagem ao mestre cuja falta continuo sentindo:
– Melhor maneira de verificar, antes, se já não estou morto.
– Mas não se mata cavalos e malfeitores?
– Pelo menos eu driblaria o câncer.
– Milênio algum jamais me assustará.
– Apanhei-te horóscopo! Pura enganação!
– Levo comigo a reputação de meu terapeuta.
– Pronto, agora não voto mais mesmo! Chegou!
– Aí está: uma cura definitiva para a calvície.
– Enfim cavaleiro do reino de sei lá o quê.
– A vida está pelos olhos da cara. Pra morte eles fazem um precinho especial, combinado?
– Enfim, ano bissexto nunca mais. Esses ficam para o Jaguar. O resto pro Ziraldo.
– Ao menos é uma boca de menos a sustentar.
– Só quero ver quanta gente vai sincera no meu funeral.
– Pronto! Inaugurei estilo novo: Arte Morta.
– Sabe que minha vida não daria um filme. O livro eu já escrevi. Deixem o desgraçado em paz, peço-lhes.
– Custou, mas estou acima de qualquer lei que vocês bolarem aí.
– Levou tempo, mas cortei enfim meu cordão umbilical.
– Roncar, nunca mais. Nem eu nem ninguém ao meu lado.
– Que desperdício nunca ter fumado em minha vida!
– Consegui preservar o mistério sempre girando em meu torno.
– Maioria silenciosa? Essa agora é comigo.
– Na verdade, nunca me senti à vontade nessa posição incômoda de cidadão do mundo.
– Ei, juventude, pode vir que pelo menos uma vaga está aberta.
– Emagrecer é isso aqui.
– Agora é conferir se, do outro lado, sobraram tantas virgens assim.
 
E assim, cada vez que um “frasista” passar por perto de mim, leve uma nossa: minha e de Millôr. Dois contra um, a gente ganha mole.”

*Com BBC Brasil , G1.